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BID vê grande oportunidade para mercado de carbono no Brasil, mas destaca gargalos

07.11.2022 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor Econômico
Data: 03/11/2022

Em meados de outubro, o hotel Copacabana Palace, no Rio, foi palco do evento Latin America Climate Summit (LACS), organizado pela International Emissions Trading Association (IETA) e pela International Carbon Action Partnership (ICAP). O tema deste ano não poderia ser outro: mercado de carbono. Durante três dias, centenas de participantes percorreram os corredores das salas de convenção, trocando cartões, firmando acordos nos cafés, aprendendo com os palestrantes que se revezavam no inglês, espanhol e português.

Morgan Doyle, representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil, um dos patrocinadores do evento, em entrevista exclusiva ao Prática ESG, reforçou o assunto comum entre os painéis: o potencial do Brasil em liderar o mercado de carbono na região.

“A gente enxerga uma enorme oportunidade para o Brasil”, disse ao citar um estudo da consultoria McKinsey que aponta que o país pode ser o sexto maior mercado de créditos de carbono do mundo. “É uma oportunidade fantástica para aproveitar uma série de fluxos [de demanda, financeiros] e poder colocar para rodar projetos com impacto e desenvolvimento [social e econômico], muito alinhados com a nossa razão de ser.

Entre os “ativos ímpares que o Brasil tem”, na opinião de Doyle, está a criatividade dos profissionais em desenvolver ideias. Outro atrativo é o pujante setor privado, que busca cada vez mais negócios com impacto positivo e ligados à descarbonização. O interesse do mundo pela pauta aqui no Brasil, lembra, se dá especialmente pela ampla cobertura vegetal e energia limpa.

Maria Netto, especialista em financiamento sustentável no BID, complementa destacando algumas vias de oportunidade de geração de crédito de carbono, sendo uma a proteção da floresta amazônica. “Além disso, o Brasil tem um potencial único de competitividade com as commodities verdes, a possibilidade de recuperar áreas degradadas e a possibilidade de promover investimentos em tecnologias limpas. A gente tem a possibilidade de inovação tecnológica muito alta”, afirma a executiva.

Cita como exemplo de tecnologia para armazenamento de energia eólica, especialmente em alto mar. Vê ainda frentes na economia circular e a na redução de emissões poluentes pela indústria – um desafio mundial e que o Brasil, por ter fontes alternativas e mais limpas de energia e combustível, pode sair na frente.

“Há uma concentração de imagem de créditos em torno da Amazônia, o que é certo, já que a gente uma obrigação de preservação da floresta. Mas também há muitas outras oportunidades de investimentos verdes”.

Obstáculos

“A nossa estratégia de incentivar o mercado de créditos de carbono passa por criar consciência, ajudar a determinar certos padrões, a trabalhar na questão da integridade do mercado e na parte regulatória”, comentou. Para o executivo, a regulação da atividade é primordial para criar uma estrutura de mercado que dê mais transparência e visibilidade aos projetos e, assim, coloque o Brasil no mercado internacional dos créditos.

Até mesmo para o mercado voluntário decolar é preciso mais organização e padronização. Os gargalos estão sob dois aspectos, de acordo com representantes do BID no país: na infraestrutura de mercado, que envolve mecanismos que garantam rastreabilidade, transparência e a integridade dos projetos e seus créditos; e, em paralelo e intrinsecamente ligado ao primeiro, o melhor endereçamento de riscos, para destravar investimentos.

“Existem riscos associados a não ter a infraestrutura de mercado correto, em ter alta volatilidade dos preços do crédito de carbono, de não saber qual o futuro desse mercado, de ter projetos florestais que não conseguem coibir o desmatamento e ainda se os créditos de redução de desmatamento e de conservação vão ser reconhecidos como compensação de emissão ou não”, elenca Maria Netto.

Um problema que preocupa, na opinião da executiva, é a fungibilidade do carbono, ou seja, a possibilidade de ele ser usado é trocado pelo mercado, o que forma a base para o mercado secundário de créditos. “Se eu for vender um crédito de carbono brasileiro para os Estados Unidos, por exemplo, é necessário um reconhecimento conjunto dos dois países sobre o que é aquele ativo, do ponto de vista jurídico. Uma tonelada de carbono tem que ser reconhecida como uma tonelada de carbono em qualquer lugar”, explica. Firmar acordos bilaterais ou multilaterais que compartilhem metodologias e parâmetros pode ser uma saída, diz.

A expectativa é que, futuramente, os projetos sejam enquadrados em níveis de qualidade que gerem mais ou menos créditos de carbono. Essa métrica deve variar conforme a adicionalidade, ou seja, o benefício adicional à humanidade e ao meio ambiente, medida a partir da comparação sobre a situação dos stakeholders e do ambiente afetados após terem sido expostos ao projeto de carbono e como estariam se não tivessem sido impactados.

“Eu posso considerar mais barata uma tonelada de redução de carbono que veio de um projeto que talvez tem alguns riscos, que pode ter metodologia usada questionada, por exemplo. E eu posso ter uma tonelada de carbono com preço ‘prime’ porque ele teve um impacto social ou um impacto adicional econômico. O que a gente não pode é ter uma confusão como a gente tá tendo hoje de não ter essa classificação”, reitera Maria Netto.

Hoje não há uma metodologia única e clara sobre a geração de crédito. Há certificadoras internacionais que tentam apresentar balizadores. Mas faltam ainda detalhes que permitam a comparabilidade no mercado. Além disso, há discussões ainda mais básicas que precisam ser feitas, como o que é um crédito de carbono: uma commodity, um ativo financeiro, um ativo não financeiro, ou outro instrumento.

Uma das frentes que poderia avançar mais rápido, na opinião da executiva, é a de divulgação das negociações de crédito de carbono, de modo a ser criado um banco de dados que desse mais transparência para os preços de hoje. “A volatilidade dos preços em parte é por falta de transparência a partir de uma obrigação de quem compra e quem vende, por qual preço e em que lugar. Esse não é um problema só brasileiro, mas global, relacionado ao rápido crescimento do mercado”, comenta Netto. Até para destravar investimentos e capital de risco, de bancos, essas questões são pertinentes. “Como os bancos vão financiar algo com base num preço futuro esperado se não conhecem nem o preço hoje?”, exemplifica o problema.

Para ajudar a desenvolver a área no Brasil, o BID está discutindo com a sociedade civil, setor privado e bancos públicos e privados as soluções possíveis, seja em conversas individuais, em eventos como o LACS ou no âmbito do Laboratório de Inovação Financeira (LAB), do qual é cofundador junto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE).

“Entendo que é um processo, mas ficamos muito felizes em ver um enorme interesse, dos bancos públicos, do governo do Estado do Rio, do setor privado que está aqui [no encontro] ativamente discutindo, compartilhando lições, além de uma série de parcerias que estão saindo dos cafés; acho muito positivo”, finaliza.