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Eficiência e qualidade de serviço devem ditar mobilidade sustentável

24.11.2022 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor Econômico
Data: 23/11/2022

A mobilidade é um dos principais desafios enfrentados por cidades que pretendem se tornar mais inteligentes e sustentáveis. No Índice da Qualidade da Mobilidade Urbana (IQMU), realizado pela FGV Transportes, do Rio de Janeiro, e divulgado em outubro, a soma de avaliações ruim e péssima por parte dos entrevistados chegaram a 63,2%. No geral, em uma escala de 0 a 10, o índice alcançou 4,2.

Estudo recente conduzido pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e pelo Serviço de Proteção ao Crédito em parceria com o Sebrae, a Pesquisa Mobilidade Urbana 2022, apontou que o brasileiro perde 21 dias por ano no trânsito. O tempo médio gasto nos engarrafamentos é cerca de 1 hora e 4 minutos por dia.

Na equação para obter um resultado satisfatório para a população entram fatores como planejamento urbano e melhora da qualidade do transporte público, para que haja mais estímulo ao seu uso e consequente redução da frota de automóveis em circulação. “Uma coisa que o plano diretor poderia fazer é começar a sinalizar vocações da cidade, colocar o cidadão no centro e começar a trabalhar o desenho, o traçado urbano, para privilegiar o transporte coletivo. Ou apontar para onde a malha viária precisa caminhar mais em determinadas regiões”, diz Luís Felipe Bismarchi, doutor em ciência ambiental e pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo (USP) e hoje professor da Faculdade Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Ele reforça: “O plano diretor pode ajudar a levantar vocações para os bairros, dar direcionamento para onde parte da infraestrutura poderia ir”.

Para o diretor da FGV Transportes, professor Marcus Quintella, nas grandes cidades é preciso investir em transporte de alta capacidade, como trens e metrô. Para ele, nessas metrópoles, não adianta usar tecnologia e aplicativos para melhorar a gestão do trânsito, se não houver prioridade para esses modais de grande capacidade de transporte. “Toda cidade inteligente no mundo tem sua espinha dorsal baseada no transporte metroferroviário”, afirma.

O gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô de São Paulo, Luiz Cortez Ferreira, citando dados do Relatório Integrado de 2021 da empresa, diz que somente as linhas operadas pela empresa proporcionaram, no ano passado, uma economia de 359,6 milhões de horas, uma redução de 577 mil toneladas da emissão de gases do efeito estufa e benefícios sociais da ordem de R$ 8,5 bilhões. Neste valor, a companhia considera, por exemplo, os custos do que deixou de ser perdido com faltas ou atrasos no trabalho, perdas com acidentes e tratamentos, gastos com combustível evitados e manutenção das vias da cidade.

Já Quintella lembra que o crescimento populacional não contribui para a redução dos problemas com a falta de transporte urbano adequado, ao mesmo tempo em que o veículo individual prevalece como principal meio de transporte. “E, com isso, os malefícios provenientes dessa situação: perda de tempo, que é um bem precioso, poluição atmosférica e sonora, estresse, insegurança e cada vez mais danificação das vias públicas”, diz.

No estudo, a FGV Transportes o viu via on-line 893 pessoas de todo o país. Para a instituição, o IQMU é a representação da percepção da coletividade sobre a mobilidade urbana, que engloba automóvel, transporte público (ônibus, VLT, barca, trem e metrô), a pé, bicicleta, motocicleta e táxi/fretados. Numa escala de zero a dez, os entrevistados respondiam como percebiam a mobilidade nas cidades onde vivem – dez representa a melhor qualidade percebida e zero, a pior.

Além da falta de investimento, Bismarchi ressalta a necessidade de uma mudança cultural. “Outro ponto importante, mas que não dá para mudar por decreto, é o olhar de que transporte publico não é coisa de pobre. Esse é um grande problema que temos”, diz. Para ele, prefeituras e atores da sociedade civil têm um papel importante, de incentivo a essa transformação, que pode se tornar mais fácil se houver um serviço de qualidade.

Mesmo em São Paulo, onde há metrô e trem, na visão de Quintella, o investimento ainda não é suficiente, o que se repete em todo o país. E ele chama a atenção para o fato de que entre mais de três mil municípios acima de 20 mil habitantes, muitos não têm uma política pública de transporte, descumprindo a Lei de Mobilidade Urbana, que obrigada cidades acima dessa população a ter um plano de mobilidade. Nem toda cidade precisa de metrô e trem, claro, mas implantação de BRTs, por exemplo, podem ser soluções mais fáceis de serem implantadas em cidades de média demanda, de acordo com o professor. O BRT é um sistema de transporte público baseado em ônibus, que adota serviços e infraestrutura para agilizar o fluxo de passageiros, como o corredor exclusivo de rodagem, a fim de evitar congestionamentos. É usado em cidades como Rio (RJ) e Curitiba (PR).

A capital paranaense, conhecida por seu planejamento urbano e pioneirismo da adoção do BRT, prevê mais mudanças em seu sistema. “Estamos em um grande projeto de reestruturação de nossos eixos de transporte”, afirma Cris Alessi, presidente da Agência Curitiba de Desenvolvimento e Inovação. “Agora, estamos apostando fortemente em mobilidade elétrica”, acrescenta.

O programa de mobilidade ainda prevê a melhoria da infraestrutura viária e de equipamentos para o aumento da velocidade operacional e a ampliação da capacidade do Ligeirinho Inter 2 e do Interbairros II, dos atuais 155 mil para 181 mil passageiros transportados diariamente. Entre as melhorias, estão abertura ou requalificação de 70 quilômetros de vias, abertura de 30 quilômetros de faixas exclusivas aos ônibus, 13 novas estações e a construção de um mini-terminal. Os corredores Norte-Sul e Leste-Oeste ganharão um novo terminal e outros já em atividade serão reconstruídos e terão painéis solares alimentando esses locais. Em termos de micromobilidade, Alessi diz que a cidade investe no aumento da malha cicloviária.

O uso de veículos elétricos, que contribuem para reduzir a pegada de carbono e a poluição sonora, avança. De acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as vendas de veículos elétricos e híbridos registraram recorde em setembro, com 6.388 emplacamentos. O número significa um crescimento de 52% em relação a agosto, que contabilizou 4.246 unidades. Ao todo, entre janeiro e setembro foram licenciados 34.232 veículos elétricos e híbridos, aumento de 59% na comparação com todo o ano de 2021, que registrou 21,4 mil emplacamentos.

Pequenos veículos comerciais são adotados por empresas para entrega de produtos. A eles, o setor de logística agrega outras medidas que podem auxiliar na redução da circulação de veículos e da pegada de carbono, como uso de bicicleta, na perna final das entregas (chamado “last mile”), a partir de um eficiente plano de rotas e a depender do porte do material a ser entregue.

Gilson Chequeto, CEO da Lincros, empresa de software para gestão de frotas, acredita que possa haver uma correlação entre o aumento do trânsito, no pós-pandemia, com o transporte de mercadorias. “As pessoas estão comprando mais on-line, trabalham em casa. Antes, centralizavam um dia da semana para fazer as compras, agora, todo dia estão comprando alguma coisa”, afirma.

A MOVE3 é uma empresa de logística que também atua no “last mile” está lançando mão de meios alternativos, como bicicleta, bicicleta e moto elétricas, além de ter pessoas que levam a pé o produto até o seu destino final, dependendo das distâncias a serem percorridas. O CEO da empresa, Guilherme Juliani, diz que também está testando caminhões elétricos. Segundo ele, 32% das cercas de 500 mil entregas realizadas diariamente por 6 mil pessoas em todo o país, incluindo o pessoal dos 519 franqueados, são feitas por esses meios alternativos. Juliani ressalta que são os entregadores que aderem aos transportes alternativos, a empresa só estimula, não financia. Para o executivo, esse modelo se justifica plenamente: “No e-commerce, 70% são pequenos pacotes”.

Por isso, a MOVE3 também utiliza lockers e pontos de entrega para os compradores retirarem os produtos. Os pontos de retirada estão em todos os Estados, situados em comércio e serviços, como padarias, papelarias e lavanderias, que se cadastram para receber e entregar os produtos. “Nosso carro de entrega deixa, por exemplo, 50 pacotes, em um locker ou ponto de entrega. Assim, obviamente, ele deixa de rodar para fazer 50 entregas. Há otimização do roteiro e uma contribuição para a redução do carbono, além do trânsito”, diz Juliani.

Por ora, os armários só estão disponíveis em São Paulo e no Rio de Janeiro. Para retirar o produto, o comprador utiliza o QR code ou senha que recebeu no processo de compra. São colocados em locais de alta movimentação e relativamente seguros, segundo o CEO.

Em São Paulo, a Prefeitura anunciou parceria com a Enel, para permitir o financiamento para aquisição de ônibus elétricos pelas concessionárias de linhas municipais. A meta é ter 2,6 mil veículos até  2024.

Outra aposta diz respeito a estações de ônibus, trem e metrô mais sustentáveis. Em 2021, com apoio da iniciativa privada (banco Santander), a estação Vila Olímpia, da CPTM, se tornou a primeira autossustentável da cidade, com reaproveitamento de insumos e energia renovável. Um sistema interno de captação, filtração e armazenamento de água foi instalado, bem como 230 placas fotovoltaicas na cobertura da plataforma. Para os ciclistas, há bicicletário e pontos de recarga de bicicletas elétricas.

Entre a eletricidade e o diesel, as cidades inteligentes podem contar com outros combustíveis também considerados sustentáveis e que ajudam a reduzir a pegada de carbono. É o caso do biometano, que é gerado a partir do biogás produzido pela biodigestão do lixo de aterros sanitários. Marcel Jorand, CEO da Gás Verde, empresa que atualmente produz 130 mil m³/dia de biometano e responde por cerca de 50% desse mercado, diz que um ônibus movido a biometano é até 70% mais silencioso que seu equivalente a diesel e chega a emitir até 95% menos CO².

“Abastecemos cerca de 12 mil veículos por dia no Rio de Janeiro”, afirma Jorand. Atualmente, a empresa possui uma planta em Seropédica (RJ), mas com novas plantas, em 2024, a produção chegará a 400 mil m³/dia. Jorand diz que a empresa se prepara para também abastecer veículos pesados – caminhões e ônibus. “Um caminhão que roda 500 km/dia a biometano traz um ganho equivalente ao plantio de 133 árvores por mês”, afirma.