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Opinião – Avaliação Socioeconômica: um exemplo prático de metodologia aplicada ao modal ferroviário

26.08.2024 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor Econômico (Valor Investe)
Data: 23/08/2024

Bom dia, Pessoal! No artigo de hoje, coescrito novamente com Camila Affonso e Joseph Boukai, respectivamente sócia e consultor do Leggio Group, experts em modelagens logísticas, temos como objetivo explicar o tema da avaliação socioeconômica dentro do contexto logístico. A motivação para essa análise decorre da crescente complexidade dos desafios enfrentados por governos e organizações, que exigem abordagens robustas para garantir a sustentabilidade e a equidade no desenvolvimento socioeconômico. Esperamos que gostem. Vamos lá!

A avaliação socioeconômica tem se tornado uma ferramenta indispensável no planejamento e implementação de políticas públicas, projetos de desenvolvimento e iniciativas corporativas, de modo que o entendimento e a mensuração dos impactos sociais e econômicos correlacionados se fazem imperativos. Tradicionalmente, a avaliação socioeconômica focava em aspectos qualitativos, muitas vezes baseando-se em percepções subjetivas e relatos descritivos. Contudo, para aumentar a precisão e a objetividade dessas avaliações, há uma tendência crescente em incorporar métodos quantitativos e modelagem matemática. Essa transição permite não apenas uma análise mais rigorosa dos dados, mas também a possibilidade de simulações e previsões, que são fundamentais no processo de tomada de decisão.

Adicionalmente, a integração de critérios ASG (ou ESG, em inglês) na avaliação socioeconômica acrescenta uma camada crítica de análise, que se alinha com as demandas contemporâneas por sustentabilidade e responsabilidade social. As certificações ESG, tais como o GRI (Global Reporting Initiative) e o SASB (Sustainability Accounting Standards Board), fornecem frameworks padronizados que ajudam organizações a mensurar e a reportar seus impactos ambientais, sociais e de governança de maneira transparente e comparável.

A adoção de uma perspectiva ESG na avaliação socioeconômica envolve uma análise sistemática dos impactos ambientais (como emissões de carbono e uso de recursos naturais), dos impactos sociais (como condições de trabalho e engajamento comunitário) e da governança (como transparência e ética). Essa abordagem integrada permite identificar e mitigar riscos, explorar oportunidades de melhorias sustentáveis e criar valor de longo prazo para todas as partes interessadas.

Por exemplo, a adoção de padrões ESG pode levar a práticas mais sustentáveis na cadeia de suprimentos, reduzir riscos associados a mudanças regulatórias e melhorar a reputação da empresa entre consumidores, fornecedores e investidores. Estudos têm mostrado que empresas com fortes práticas ESG frequentemente superam suas concorrentes em termos de retorno ajustado ao risco, o que evidencia a viabilidade econômica de integrar critérios ESG na avaliação. Além disso, a transparência proporcionada por relatórios ESG tende a aumentar a confiança dos investidores e facilitar o acesso a capital.

Dessa forma, ao combinar abordagens qualitativas e quantitativas e incorporar critérios ESG, a avaliação socioeconômica se torna uma ferramenta poderosa para promover um desenvolvimento equilibrado e sustentável. Isso permite uma visão holística e detalhada dos impactos de projetos e políticas, oferecendo insights valiosos para formuladores de políticas, investidores e demais stakeholders envolvidos no processo de desenvolvimento socioeconômico.

Para melhor exemplificar este tipo de avaliação e suas metodologias, vamos trazer na prática um exemplo para o modal ferroviário. A metodologia utilizada é a de análise de custo-benefício adaptada à avaliação de projetos de investimento com retorno socioeconômico, baseado no “Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura”, de novembro de 2022, do Ministério da Economia do Brasil. A metodologia se baseia na análise direta dos benefícios socioeconômicos avaliadas em 3 principais esferas: eficiência logística, devolução de impostos e socioambiental.

O ganho de eficiência logística com o uso do modal ferroviário é computado como um benefício socioeconômico, pois o menor custo de transporte aumenta a competitividade dos produtores locais, incentivando o aumento da produção e, consequentemente, promovendo o desenvolvimento socioeconômico local. De forma simplificada, esse ganho pode ser mensurado pela diferença entre os custos operacionais do transporte ferroviário e os custos de se contratar o modal rodoviário para realizar os mesmos fluxos (considerando os mesmos produtos, origens e destinos).

De modo geral, o modal ferroviário se destaca pela capacidade de transportar grandes volumes com alta eficiência energética, especialmente em longas distâncias. Entre os benefícios desse modal estão o baixo custo de transporte e manutenção, maior segurança devido à baixa ocorrência de acidentes, furtos e roubos, além de ser pouco poluente.

Em contrapartida, o modal rodoviário apresenta altos custos de transporte e elevado consumo de combustíveis fósseis, recursos naturais não renováveis e emissores de gases responsáveis pelo efeito estufa. Adicionalmente, este modal demanda uma ampla gama de recursos e infraestruturas necessárias, como postos de combustíveis e locais de manutenção, muitas vezes situados em áreas sem controle ambiental adequado, além de gerar impactos sociais negativos como acidentes de trânsito e congestionamentos.

Em relação à devolução dos impostos, os custos com o investimento realizado para executar as intervenções necessárias ao projeto são, em parte, compostos por impostos pagos, que os retorna à sociedade em forma de benefícios sociais. Dessa forma, retornamos ao modelo como benefício uma parcela dos custos de investimento.

Adicionalmente, o uso do modal ferroviário em detrimento do modal rodoviário traz alguns benefícios sob o ponto de vista socioambiental também. Para esta avaliação, é realizado a criação de grupos de indicadores. Neste artigo, vamos citar 3 grupos como exemplos: indicadores relacionados a acidentes de trânsito, eficiência energética e emissões atmosféricas. As tabelas a seguir apresentam os indicadores considerados em cada agrupamento.

ndicadores relacionados a acidentes de trânsito.

Indicador
1 Acidentes por carga movimentada (Acidentes/bilhões tku)
2 Óbitos por carga movimentada (Óbitos/bilhões tku)
3 Acidentes por distância efetiva do modal (Acidentes/km)
4 Óbitos por distância efetiva do modal (Óbitos/km)

A análise de indicadores relacionados a acidentes de trânsito revela um dos maiores impactos sociais dos transportes ferroviário e rodoviário. Em áreas densamente povoadas, essa variável se torna ainda mais significativa devido ao maior risco para as populações circunvizinhas. Estes indicadores têm o objetivo de realizar uma análise mais profunda destes números, realizando a comparação entre os modais por volume de carga movimentada e por distância efetiva de cada modal, trazendo a proporcionalidade para cada esfera, de acordo com as suas grandezas efetivas.

Indicadores de Eficiência Energética

Indicador
5 Consumo de energia por carga movimentada (tep/bilhões tku)
6 Consumo de energia por distância efetiva do modal (tep/km)
7 Consumo de óleo diesel por carga movimentada (m3/bilhões tku)
8 Consumo de óleo diesel por distância efetiva do modal (m3/km)

Indicadores de Emissões Atmosféricas

Indicador
9 Emissão de CO2 por carga movimentada (ton/bilhões tku)
10 Emissão de CH4 por carga movimentada (ton/bilhões tku)
11 Emissão de N2O por carga movimentada (ton/bilhões tku)

A utilização e queima de combustíveis derivados do petróleo trazem consigo, além do impacto da minimização deste recurso natural, a emissão de gases responsáveis pelo aumento do efeito estufa. Os principais gases relacionados a este aumento são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Estes indicadores têm como objetivo calcular a emissão destes gases a partir do volume movimentado e da distância percorrida por cada um dos modais.

Como cada indicador apresentado possui efeitos específicos e não diretamente comparáveis, é atribuído um peso e uma nota para cada indicador, que pode variar de 1 a 5. O produto destes dois fatores, nota e peso, resultará no Índice de Qualidade Socioambiental (IQSA), o qual tem como objetivo compilar os resultados dos indicadores em um único índice de forma a dimensionar a qualidade socioambiental que eles representam

Por fim, deve-se realizar a mensuração financeira de cada um destes indicadores, de forma a transformá-los em números que possam ser contemplados e inseridos no modelo matemático. Após a mensuração financeira, existem diversas formas de se avaliar seus resultados. Uma delas se dá pelo indicador de benefício vs. custo. Esse indicador basicamente divide o benefício socioeconômico pelo seu custo, ambos medidos em valor presente do fluxo por todos os anos de projeto. Para um indicador benefício vs. custo maior do que um, o projeto é considerado socioeconomicamente viável.

Indicador Benefício vs. Custo = VPL do Benefício Socioeconômico / VPL do Custo Total

Esperamos que tenham gostado do tema. Entendemos que a avaliação socioeconômica é essencial para a formulação de políticas e projetos que promovam o desenvolvimento sustentável e inclusivo. Ao transitar de uma abordagem qualitativa para uma também quantitativa, utilizando modelagem matemática, é possível obter uma análise mais precisa e objetiva dos impactos socioeconômicos. Além disso, a integração de critérios ESG enriquece essa avaliação, oferecendo uma visão abrangente e transparente dos efeitos ambientais, sociais e de governança das iniciativas analisadas.

Sintam-se à vontade para comentar nas nossas redes sociais e deixar eventuais dúvidas por lá: nosso maior objetivo é fomentar a discussão em prol da disseminação deste tipo de conteúdo. E deixo sempre aquele convite especial para conectar-se comigo (@carlosheitorcampani) para acompanhar todo o meu trabalho. Busco compartilhar bastante conhecimento para contribuir positivamente com todos vocês.

Um forte e respeitoso abraço.

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, CNPI, Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças, Sócio da CHC Consultoria e da Four Capital, além de Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros.