04.12.2023 | ABIFER | Notícias do Mercado
O governo colocou na proposta de lei orçamentária anual (PLOA) de 2024 uma nova rubrica para aportes em projetos ferroviários. A ideia, segundo disse ao JOTA o secretário nacional de transporte ferroviário do Ministério dos Transportes, Leonardo Ribeiro, é usar o conceito de Viability Gap Fund (VGF), um tipo de parceria público-privada (PPP). Nesse modelo, a União coloca recursos em projetos que não teriam viabilidade sem a participação pública.
Para abastecer esse novo fundo, que em 2024 deve começar com R$ 600 milhões, uma das fontes de recursos deve ser a renegociação das renovações de concessões de ferrovias feitas no governo passado. O Ministério dos Transportes está em uma queda de braço com as empresas concessionárias que renovaram seus contratos, questionando os valores calculados para a renovação e o cumprimento dos termos dos contratos celebrados.
Essa é uma receita ainda incerta, embora esteja no bolo de previsão de arrecadação com concessões para o próximo ano, porque depende de um desfecho favorável ao governo nas negociações com as empresas. Uma delas ocorreu recentemente, com a Rumo, na concessão da Malha Paulista. Um acordo no TCU prevê o pagamento de mais R$ 670 milhões ao governo federal.
Ribeiro enfatiza que essas renegociações estão pautadas em um processo de revisão de política pública (spending review), conceito fiscal do qual ele é um dos maiores entusiastas entre os economistas especializados em contas públicas no país. A ideia, explica, é abrir espaço orçamentário com as renegociações, no caso, arrecadando mais para que o ministério tenha recursos próprios adicionais para executar os investimentos federais.
Atualmente, as ferrovias representam 17% da carga transportada do país. A intenção da pasta é que esse modal chegue a 35% contratados em 2035. Para que esse caminho seja pavimentado, contudo, Ribeiro explica que é necessário articular recursos públicos e privados.
Nesse sentido, o secretário destaca que os investimentos federais em ferrovias nos anos de vigência do teto de gastos foram diminuindo progressivamente. Isso ocorreu porque o limite de despesas, dada a alta rigidez orçamentária, foi impondo cortes onde era mais fácil, os investimentos. E nesse quadro, o diagnóstico é que os gastos privados também perderam fôlego.
Levantamento da pasta mostra que entre 2010 e 2016, antes do teto criado no governo Michel Temer, os investimentos públicos da União no setor tiveram uma média de R$ 3,16 bilhões, enquanto os privados somaram R$ 8,39 bilhões. Nos primeiros anos do teto de gastos, os federais caíram para R$ 795 milhões ao ano e os privados para R$ 5,99 bilhões.
No governo Bolsonaro, ainda sob o teto, os gastos públicos com ferrovias foram ainda mais baixos: R$ 464 milhões em média ao ano, mas os privados se mantiveram praticamente estáveis, em R$ 5,90 bilhões. Nesse período de 2019 a 2022, houve maior ênfase em investimento cruzado, quando o governo, pela baixa disponibilidade orçamentária, reduz a arrecadação que teria aceitando que o setor privado faça diretamente investimentos que seriam do setor público.
Ribeiro avalia que os dados evidenciam que o setor privado se move com mais intensidade quando o setor público faz mais investimentos. “A expansão da ação governamental, seja na forma de aporte financeiro, seja na forma de obra pública, depende de fonte de recursos”, salientou, completando que uma “boa precificação do ativo amplia a margem para investimentos”.
Dessa forma, avalia o titular da secretaria de Ferrovias, é premente avançar na revisão de políticas públicas. “Não conseguiremos ampliar a participação do setor ferroviário na matriz de transporte sem essa revisão. Estamos seguindo a experiência internacional, com ações parecidas que foram feitas no Reino Unido e na Espanha na área de transporte. Uma coisa é avaliar política pública, outra é revisar com o objetivo de ampliar espaço fiscal para investimentos, fazendo a ligação com o processo orçamentário. É algo inédito no país”, diz Ribeiro.
O secretário rejeita a tese de que as renegociações em curso seriam algum tipo de quebra de contrato. Por razões de sigilo das negociações ele evita entrar em detalhes no tema, mas garante que há previsões contratuais para que esse diálogo esteja sendo feito, sem que regras estejam sendo violadas.
Sobre a nova ação orçamentária que a PLOA está trazendo, com previsão inicial de R$ 600 milhões para 2024, Ribeiro salienta que esse modelo de VGF vai permitir uma alavancagem maior do gasto público ao longo do tempo. E que isso vai ampliar sensivelmente os investimentos em um segmento que ainda tem a vantagem de ter alta correlação com a agenda verde do governo e do mundo.
No texto do orçamento, há ainda mais detalhes sobre o mecanismo. “A ação visa à inclusão de investimentos em ferrovias federais na estrutura do contrato de concessão celebrado entre a União e a iniciativa privada… com objetivo de viabilizar, do ponto de vista econômico, projetos de concessão de ferrovias, configuradas como patrimônio público da União… Os investimentos serão depositados em Conta vinculada à Concessão, prevista nos próximos contratos a serem firmados, podendo implicar redução de custos do projeto e, consequentemente, maior viabilidade dos projetos, quando: (i) da indicação de valores de VPL negativos; (ii) da execução de obras de grande complexidade ou risco de engenharia, mas com grande importância social ou estratégica”, diz a ementa, destacando que a conta terá movimentação restrita e somente com autorização da ANTT.
Ribeiro lembra que o modelo não implica em deixar de usar mecanismos de investimento cruzado e as obras tradicionais com dinheiro orçamentário. Mas é sim um caminho que pode acelerar a participação privada e a expansão mais acelerada da malha ferroviária do país.
Há muito tempo se fala no Brasil de ampliar esse tipo de modal. Alguma coisa aconteceu nas últimas duas décadas, mas ainda estamos muito longe do ideal. Basta se comparar não só com países desenvolvidos, mas também com alguns emergentes.
Se o plano sair do papel, tem chances de ser bem-sucedido e diminuir uma importante deficiência produtiva do país. Apesar das restrições fiscais, investimento público é necessário. Mas o ministério também precisa cuidar da percepção sobre as renegociações em curso. Afinal, o setor privado também se move pela percepção de segurança jurídica.