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Transnordestina depende de novo arranjo financeiro

09.03.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Revista Ferroviária
Edição Janeiro/Fevereiro – 2023

“Nunca tivemos uma possibilidade tão grande e próxima de finalizar esse projeto como agora”, vaticina Tufi Daher Filho, presidente da Transnordestina Logística SA (TLSA), responsável pela construção da nova ferrovia Transnordestina. A companhia está estruturando um novo modelo de financiamento para a conclusão do projeto, cujo histórico, há 17 anos, é marcado por paralisações, suspensão de recursos, problemas na Justiça e obras inacabadas. Algumas reviravoltas, no entanto, trouxeram à tona a oportunidade de finalizá-las. Uma delas foi a assinatura de um termo aditivo ao contrato da TLSA, no apagar das luzes de 2022, que prolongou a concessão até 2057 e incluiu mudanças no traçado da futura malha. Isso se somou a determinações do Tribunal de Contas da União (TCU), no ano passado, que permitiram a volta do repasse de recursos de fundos públicos para a construção da ferrovia.

Aportes do Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e do BNDES estavam proibidos para o projeto da Transnordestina desde 2017, por ordem do Tribunal. Agora, todos esses (e outros) podem voltar a compor a modelagem financeira da ferrovia, segundo Daher, afirmando ainda que a empresa tentará resgatar pouco mais de R$ 1 bilhão (R$ 234 milhões do Finor e R$ 811 milhões do FDNE) contratados à época da suspensão e que, portanto, ficaram impedidos de serem utilizados no projeto. A companhia está em meio a negociações com a Sudene para liberação desses recursos. Até o momento já foram transferidos R$ 70 milhões.

Mas esses valores não chegam nem perto do que é necessário para concluir as obras. Com o aditivo ao contrato da TLSA, foi retirado do projeto o trecho de Salgueiro a Porto de Suape, em Pernambuco, mantendo apenas o traçado de Eliseu Martins (PI) até Porto de Pecém (CE) como parte da ferrovia. Dos 1.728 km do projeto original, a ferrovia passou a ter 1.282 km, sendo que destes, 627 km precisam ser construídos do zero e/ou finalizados, ao custo de R$ 7,8 bilhões. O prazo máximo para isso acontecer é até 2029, diz o documento.

A assinatura do termo aditivo encerrou um processo de caducidade do contrato da TLSA que corria na Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) havia alguns anos. A ANTT chegou a recomendar ao Ministério da Infraestrutura a caducidade da concessão por conta de descumprimento de metas de contrato, mas a solução do governo foi manter a concessão sob novas obrigações e prazos mais rígidos para a concessionária, além de mudanças no escopo do projeto da ferrovia.

Trecho de fora

A retirada do trecho de Pernambuco, que representa 30,23% do projeto, é um ponto polêmico deste novo capítulo da Transnordestina. A cisão do traçado vem recebendo críticas do governo daquele estado e articulações de senadores com pedidos para que o executivo federal volte atrás. No entanto, a decisão tem sido reforçada pelo Ministério dos Transportes como fundamental para que as obras da Transnordestina, de fato, sejam concluídas.

“Com a adaptação do contrato, será possível concluir a ferrovia sem investimento público”, afirma a pasta. A ideia de retirar o trecho do projeto veio de um estudo contratado pelo então Ministério da Infraestrutura à Mckinsey & Company Consultoria, no ano passado. A consultora, segundo o governo federal, constatou que o empreendimento só teria viabilidade econômica com a retirada do trecho, que voltará para a União. Cabe o governo federal a destinação da linha, cujo traçado faz parte de um pedido de autorização (já aprovado) da mineradora Bemisa, para a construção de uma ferrovia entre Ipojuca (Porto de Suape) e Curral Novo (PI), com 717 km.

O fato pode ser até um facilitador para a TLSA estruturar financeiramente o projeto, uma vez que deverá ser feito um encontro de contas entre o governo federal e a concessionária. De um lado, cerca de 200 km do trecho de Pernambuco (entre Salgueiro e Custódia) já foram construídos pela companhia. De outro, as linhas inoperantes da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL, operadora da Malha Nordeste) deverão ser devolvidas para União e, com isso, gerar um valor de indenização. Segundo Daher, esses trechos antigos, que somam cerca de 3 mil km e atingem todo o lado leste da malha, precisam ainda ser valorados pela ANTT. “Depois desse encontro de contas, o TCU, por meio do acórdão, se comprometeu a analisar novamente a liberação de prováveis recursos do orçamento federal para as obras”.

Embora tenha liberado o aporte de fundos públicos, o TCU manteve a suspensão do repasse de recursos diretos do Orçamento Geral da União para o projeto (por meio da Valec, hoje Infra SA, e do Ministério dos Transportes). A medida vigora desde 2017. Essa é mais uma complexidade para o caso, uma vez que a Infra SA é a segunda maior acionista da TLSA, com 36,47% das ações, atrás apenas da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), com 48,04%. Segundo fontes, a estatal aguarda direcionamento do novo governo para a venda de sua participação na empresa. O Ministério dos Transportes reforçou, em nota, que pelo acórdão do TCU “não existirá participação pública para a nova estrutura do projeto com a futura saída da Valec do acordo de acionista”.

Capital próprio

A nova estruturação financeira, a princípio, só poderá contar com fundos de investimentos e capital próprio dos acionistas da companhia. De acordo com Daher, a CSN se comprometeu, sozinha, a investir 20% do total de R$ 6,8 bilhões – já descontados os R$ 1 bilhão contratados com Finor e FDNE e que faltam ser liberados. Pelo termo aditivo, o capital próprio investido, que inclui os recursos acionários da TLSA, deverá ser de 66,6% do total do projeto, o que equivale cerca de R$ 5 bilhões.

O executivo explica ainda que o financiamento do FDNE é dívida de longo prazo para a companhia, mas o do Finor é feito na modelagem equity, ou seja, o fundo reaverá o investimento proporcionalmente através de dividendos e participação acionária quando a ferrovia iniciar sua operação. Além da CSN e da Infra SA, o grupo de acionistas da TLSA é composto pelo BNDES (7,72%), BNDES Par (6,13%) e Finame (fundo de financiamento do BNDES destinado à produção e aquisição de máquinas e equipamentos – 1,64%).

O valor gasto nas obras é um dos pontos mais sensíveis na história da ferrovia Transnordestina. Ao todo, foram cerca de R$ 6,7 bilhões aplicados de 2006 a 2017, maior parte vinda de aportes públicos (financiamentos e recursos diretos da União). A TLSA diz, no entanto, pagar “religiosamente” as parcelas dos empréstimos contraídos do FDNE. “É o único projeto brasileiro de infraestrutura, que mesmo não estando em operação, já pagou mais de R$ 1 bilhão em juros e de parcela principal. E nós somos totalmente adimplentes”, afirma Daher.

O fato é que o volume de recursos aplicados no projeto levou à construção de apenas 600 km de ferrovia até 2017. Foi naquele ano que o TCU determinou a suspensão dos repasses de recursos no âmbito de fundos federais e OGU. A justificativa estava pautada em uma série de irregularidades constatadas pelo Tribunal, que iam desde resoluções da ANTT, que incluíram trechos no projeto sem que houvesse estudos de vantajosidade, até a falta de apresentação de projetos executivos e estudos geotécnicos pela TLSA.

Daher diz que até 2014 foram construídos 500 km de ferrovia, o que não seria possível sem estudos consistentes. “Mas fizemos uma revisão global dos projetos executivos e uma nova reapresentação dentro das resoluções da ANTT. Vários profissionais gabaritados da agência se debruçaram sobre esses novos projetos e fizeram, no final de 2019, uma aprovação de todos esses estudos, fato que, inclusive, já está publicado no Diário Oficial da União. Não há mais o que se falar sobre esse assunto na Transnordestina”, diz. A apresentação dos estudos e a consequente aprovação deles junto à agência reguladora contribuiu para que o TCU resolvesse uma parte do impasse que rondava a ferrovia, com o acórdão emitido em julho de 2022.

O presidente da TLSA diz que, até então, a última liberação de recursos para o projeto aconteceu em 2014, de R$ 800 milhões do FDNE. Após isso, as obras passaram a ser tocadas com recursos próprios da CSN. Os avanços foram poucos, porém nunca foram 100% paralisadas, segundo ele. O ritmo começou a avançar um pouco mais a partir de 2019, quando a revisão dos projetos executivos estava sendo finalizada e aprovada na ANTT. De lá para cá, Daher pontua que a CSN aplicou R$ 2 bilhões na construção de 215 km em diversos trechos entre Piauí e Ceará, concluídos no final de 2022. A intenção esse ano é entregar mais 100 km de ferrovia. “Independentemente dos recursos que vão vir nós vamos acabar até o final do ano os lotes 2 e 3, entre Iguatu e Acopiara, no Ceará”.

A TLSA pretende antecipar também a conclusão da ferrovia antes do prazo máximo estipulado pela ANTT, que é 2029. “No mais tardar, em 2027, queremos estar com tudo pronto. Isso vai depender de quê? Recursos, porque já temos projeto, licença e desapropriação. Mas estamos em conversas com a ANTT para que, eventualmente, possamos ter uma licença de operação provisória, antes de concluir a ferrovia até o porto, para o transporte de cargas no mercado interno. Temos a pretensão de já no ano que vem, começarmos a fazer essas movimentações experimentais entre os estados”, afirma Daher. Com a assinatura do termo aditivo, a TLSA também ficou responsável integralmente pelos custos da desapropriação do traçado. Segundo Daher, essa parte está 100% concluída de Eliseu Martins ao Porto de Pecém.

Demanda da ferrovia será revista

A Transnordestina Logística SA contratou um novo estudo para entender qual é a real demanda de cargas para a futura ferrovia entre Eliseu Martins (PI) e Porto de Pecém (CE). O levantamento deverá ser entregue em 60 dias. O último feito nesse sentido é de 2017.

O projeto da ferrovia remonta de 2006, quando a principal aposta, além do minério, era grãos. Mas naquela época, a demanda de produção na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), área de influência da Transnordestina, não passava de 5 milhões de toneladas de grãos. Hoje está em cerca de 30 milhões de toneladas, afirma o presidente da TLSA, Tufi Daher Filho.

“Nosso plano de negócios captura apenas uma parte disso, mas mesmo assim, a expectativa é que não tenhamos mais uma dependência tão grande do minério como estava previsto lá atrás, quando falávamos em 15 a 20 milhões de toneladas de minério. Hoje está muito mais voltado para grãos, fertilizantes, cimento, carga geral, combustíveis etc. O que vier a mais é plus, mas a grande carga da Transnordestina é grãos”, ressalta Daher, que não se aflige com os projetos de novas ferrovias que também têm no Matopiba a principal região para a captura de cargas. “Sou ferroviário há muitos anos e vejo que quanto mais possibilidade de logística de primeira qualidade tivermos, mais se estimula a competição. Quem decide para onde vai a carga é o cliente”.

Daher pontua também que a premissa da companhia é “ser pé no chão”. “Temos uma boa noção na região, a gente conversa com clientes, sabemos muito proximamente qual será a demanda. Mas precisamos mostrar isso ao mercado. Por isso, chamamos uma empresa especializada para fazer esse levantamento”, conclui.