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Brasil pode criar até 1 milhão de empregos ‘verdes’ por ano

06.10.2025 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor
Data: 03/10/2025

O processo de descarbonização da economia no Brasil tem potencial para gerar entre 846 mil e 1 milhão de “empregos verdes” em diferentes setores por ano até 2050, mostra o novo relatório executivo do Programa de Transição Energética (PTE), antecipado ao Valor. A estimativa representa uma faixa entre 22 milhões e 28 milhões de novas vagas no período acumulado de 25 anos. O cálculo não considera vagas potencialmente subtraídas, como as relacionadas a setores fósseis.

Liderado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em parceria com o BID e financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (BNDES), o PTE identifica medidas para a neutralidade de carbono do Brasil até 2050 por meio de modelagens integradas. A metodologia é desenvolvida por institutos de pesquisa vinculados a universidades, como a Coppe-UFRJ e o Fipe-USP, junto à Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Nos modelos, por exemplo, define-se um limite total de emissões que o Brasil pode liberar até 2050 para alcançar a neutralidade, a partir do qual são projetados caminhos de menor custo para que se alcance o objetivo. Em paralelo, são analisados os impactos econômicos da transição, usando dados do IBGE para medir os efeitos sobre os setores produtivos e o Produto Interno Bruto (PIB).

A estimativa de geração de empregos verdes é ambiciosa e significa que as vagas representariam quase um terço dos postos de trabalho criados em um ano de emprego aquecido. Em termos comparativos, o mercado de trabalho brasileiro encerrou 2024 com 101,83 milhões de pessoas ocupadas, ou 2,77 milhões de pessoas a mais que no fim de 2023.

O emprego avança desde 2022, inicialmente pelo setor informal no pós-pandemia, mas depois com destaque para o setor formal. Pelos dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao trimestre encerrado em agosto, o país tinha 102,4 milhões de pessoas ocupadas, 1,8 milhão a mais que em igual período de 2024.

O quadro sugere que há espaço limitado para a geração de novas vagas. O mercado de trabalho tem se mostrado resistente mesmo com uma política monetária apertada e economistas afirmam que o país vive hoje uma situação de pleno emprego.

A coordenadora do PTE e sênior fellow do Cebri, Rafaela Guedes, explica que os cálculos mostram a geração de empregos em setores “mais limpos”, mas não conseguem medir com precisão quantos postos são perdidos em indústrias em declínio. Apesar de reconhecer que o modelo tem limitações, Guedes afirma que as projeções são fundamentadas em estudos complexos para orientar rotas eficientes. “Os números não devem ser lidos como certezas, mas como tendências que ajudam a indicar caminhos”, diz.

O novo PTE, que será apresentado nesta sexta-feira (3) no Museu de Arte Moderna do Rio, atualizou e aprofundou três cenários normativos de descarbonização que foram apresentados na primeira fase, em 2023. “Os cenários não têm a ambição de dizer exatamente o que vai acontecer, mas sim o que o Brasil precisa fazer se ele for atingir a neutralidade em 2050”, explica Guedes.

O relatório indica que até 2030 é possível alcançar o objetivo de reduzir 50% das emissões em relação a 2005, conforme as metas apresentadas pelo Brasil na Convenção-Quadro da ONU. O setor de uso da terra (Afolu) será fundamental, servindo como sumidouro líquido de carbono a partir de 2040. Para isso, será necessário zerar o desmatamento ilegal e restaurar 12 milhões de hectares de florestas.

Guedes destaca que o setor de agricultura, florestas e uso da terra responde por até dois terços das emissões do país. “Sem o setor de Afolu, o Brasil não atinge neutralidade”, afirma. Ela explica que o desmatamento e o mau uso da terra estão no centro do problema, principalmente em regiões como Norte e Nordeste, onde a pecuária extensiva ocupa grandes áreas com baixa produtividade. Segundo ela, mudanças relativamente simples já poderiam gerar ganhos expressivos em produtividade e redução de emissões, sem exigir grandes inovações tecnológicas.

A diretora de transição energética e mudança climática do BNDES, Luciana Costa, afirma que o estudo é fundamental para definir políticas públicas e entender quais são as rotas tecnológicas e setores mais estratégicos. “É super importante para definir onde a gente investe o dinheiro”, afirma.

O primeiro cenário, chamado de Transição Brasil (TB), é o ponto de partida e busca o “custo ótimo” para cumprir integralmente a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira: reduzir 50% das emissões até 2030 em relação a 2005 e alcançar emissões líquidas zero em 2050. O cenário projeta um PIB médio de 3% ao ano no PIB entre 2025 e 2050 e geração de 923 mil postos de trabalho “verdes” anuais.

Esse quadro explora vantagens competitivas nacionais, como energias renováveis, bioenergia e reflorestamento. Nesse contexto, a participação de renováveis na oferta primária atinge cerca de 61% em 2050, com destaque para solar, eólica e bioenergia, enquanto petróleo e gás ainda têm espaço. O principal risco é a forte dependência do uso da terra, o que exige políticas eficazes contra o desmatamento ilegal.

Com classificação de viabilidade média, o segundo cenário, de Transição Alternativa (TA), mantém as metas da NDC e a neutralidade em 2050, mas funciona como “teste de estresse” ao incluir precificação de carbono, impactos climáticos sobre hidrelétricas e exigências mais rigorosas para biocombustíveis e eletrificação. Esse caminho projeta o maior crescimento econômico entre os cenários, com PIB médio de 3,2% e 28 milhões de empregos até 2050.

O último cenário, denominado Transição Global (TG), impõe um limite de carbono restritivo, alinhado à meta do Acordo de Paris de limitar o aumento das temperaturas globais até 1,5ºC. Esse caminho exige cortes de emissões mais rápidos, neutralidade antecipada em 2045 e saldo negativo na última década. Ou seja, o Brasil teria que remover mais gases de efeito estufa da atmosfera do que emitir entre 2040 e 2050. O quadro demandaria o abandono do petróleo e gás no consumo doméstico, por isso tem baixa viabilidade, conforme classificação do estudo.

Nesse cenário, a necessidade de reduções aceleradas e uso de tecnologias caras, como bioenergia com captura de carbono (BECCS) em larga escala, resulta em um menor crescimento econômico, de 2,8% ao ano entre 2025 e 2050, e menor geração de empregos, representando 846 mil vagas “verdes” anuais.

Ainda de acordo com o estudo, o mercado regulado de carbono, chamado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), terá um papel-chave. Para alcançar os resultados, o relatório aponta que, nos próximos cinco a dez anos, são necessários investimentos em infraestrutura e coordenação público-privada.

Apesar de a transição energética gerar estímulos importantes, as desigualdades regionais e sociais tendem a se manter, segundo o relatório. O estudo macroeconômico indica que as regiões do centro-sul (Sudeste, Sul e Centro-Oeste) seguem com renda per capita superior às do Norte e Nordeste. Para fechar esses gargalos, o relatório recomenda uma política industrial territorializada, centrado nas oportunidades de cada região.

O PTE também propõe a criação de um fundo de transição justa para regiões dependentes de petróleo, financiado por receitas temporárias de carbono (como leilões de créditos ou taxa de carbono), para apoiar a diversificação econômica.