23.01.2025 | ABIFER | Notícias do Mercado
Fonte: Estadão Data: 22/01/2025
O nível de incerteza no cenário global está elevado, e a expectativa é de mais volatilidade à frente dadas as medidas prometidas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A avaliação é do executivo-chefe da Vale, Gustavo Pimenta, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, a primeira desde que assumiu o comando da mineradora em outubro do ano passado. A despeito da situação mais desafiadora, ele considera ainda haver espaço para a companhia avançar.
Para Pimenta, há fatores que ajudam a afastar o pessimismo em torno das questões geopolíticas. Além disso, mesmo com ofensiva do presidente americano em prol dos combustíveis fósseis e em detrimento do combate às mudanças climáticas, “os EUA seguiram implementando um volume enorme de energia renovável” e as grandes empresas não conseguirão se afastar demais da descarbonização ? área que está no foco do executivo e da Vale.O executivo destacou que, nos últimos anos, houve um movimento que definiu metas de descarbonização ultra-agressivas, mas, talvez, pouco realista. “Vários líderes estão percebendo que não é possível descarbonizar certas indústrias porque o custo é desproporcional.”
Confira, a seguir, a entrevista.
Estão quase todos os presidentes de mineradoras aqui. A pauta deste ano fala muito sobre o conhecimento em uma era inteligente, tentando mostrar os benefícios da implementação e disrupção da transição da inteligência artificial. A segunda grande temática, que segue muito presente, apesar de todos os discursos, é a questão das mudanças climáticas e o que significa para os negócios. O que percebi foi um nível de compromisso bastante grande dos líderes desses negócios para essa agenda, o que me deixou otimista, porque é uma pauta importante para a Vale.
O nível de incerteza dada a questão geopolítica é elevado. Por outro lado, o Brasil tem um posicionamento muito único de ser um país neutro. Pode capturar bastante oportunidade. Percebo muita gente falando de aproximação de Europa com Brasil e tanto os Estados Unidos quanto a China também olhando o Brasil com outro olhar.
O Trump tem sido pragmático em várias das ações e cumprido com aquilo que diz, concordemos ou não. Se a gente olhar no primeiro governo dele, acredito que o segundo vai ser semelhante. Apesar de todas as discussões relativas, por exemplo, à saída do Acordo de Paris, os EUA seguiram implementando um volume enorme de energia renovável.
No mundo empresarial, medidas de apoio, subsídios, sempre têm efeito. A trajetória (de descarbonização) vai seguir, talvez com menos apoio e mais volatilidade. Uma palavra que podemos esperar é volatilidade. Mas eu não estou negativo.
Apesar de todos os desafios e retórica, no geral, tem sinais positivos, porque as empresas estão seguindo as suas políticas, porque esses caminhos (rumo à descarbonização) são necessários. Companhias como a Vale, por exemplo, têm de ser mais resilientes no médio e no longo prazos, e a gente está aqui para operar em diferentes governos e modelos. O primeiro governo Trump teve um bom desempenho econômico, teve ali uma questão tarifária com a China, com o México, mas as economias avançaram. Eu não diria que estou otimista ou negativo. Tenho uma visão mais balanceada, que vamos seguir avançando, mesmo nesse cenário mais desafiador.
Há visões muito distintas em relação ao futuro. Eu não acho que vai ser tão negativo. Uma das razões é que são duas economias enormes, extremamente interconectadas, inclusive, com enorme interesse americano na China. Quando a gente fala das relações, a Tesla, do Elon Musk, tem uma dependência e uma importância relativa grande em relação à China. Então, não acho que vai ser uma relação que deteriore tanto, vão ter setores estratégicos, mas a agenda do (presidente Joe) Biden já era protecionista.
A China vem em um período de recuperação, mas ainda crescendo 5% com poder de ativar a economia. Tem capacidade de endividamento, política monetária para ser feita, eles conseguem baixar a taxa de juros, em um momento de deflação. Se a China tomar a decisão de incentivar a economia via fiscal tem um desafio menor, porque tem capacidade de absorver.
Para a Vale, é um cenário construtivo, não diria ultra otimista, mas construtivo.
Foi feito um movimento de definição de metas e objetivos ultra-agressivo, e talvez em alguns cenários, pouco realista, dada a realidade de algumas indústrias. Vários líderes estão percebendo que não é possível descarbonizar certas indústrias porque o custo é desproporcional.
Não vejo ninguém dizendo ‘acabaram os meus planos’, ‘eu não vou fazer’. Inclusive, bancos. O que todo mundo diz é que precisa ser realista. Não dá para a gente prometer algo que o acionista não vai aceitar porque a sociedade não vai topar pagar. Eu me sinto — e vejo que o setor também está — mais confortável em relação às metas. Descarbonização é o nosso negócio. Essa é a parte interessante do negócio da Vale.
A transição para uma indústria que a gente acredita profundamente vai levar tempo, com aço verde como base, porque é uma matriz capital intensiva. Isso talvez leve duas décadas, mas esse futuro vai chegar, porque os nossos clientes estão nessa direção, do aço verde, que vai gerar uma enorme mudança na dinâmica de produção de aço global.
E como a Vale pode ser beneficiada?
A Vale produz esse minério de alta qualidade, que para essa rota é muito favorável. A descarbonização é realmente um negócio que a gente vê com ótimos olhos, e estamos trabalhando para fazer com que os nossos clientes possam acelerar o processo de descarbonização. Muitas vezes o que eles precisam é de ajuda. Eu sempre digo isso, ninguém emite porque gosta. Você emite porque é a solução mais econômica para poder sustentar o seu negócio naquele determinado momento. A Vale está trabalhando muito intensamente para buscar soluções que facilitem essa transição e o briquete verde, que gera menos emissão na ponta, é um exemplo.
Quando olhamos o mix de produção da Vale, queremos que a participação dos produtos de alta qualidade que são favoráveis à transição energética cresça. Temos as duas plantas de briquete em Vitória e estamos olhando para coinvestimentos com os nossos clientes, por exemplo, no Oriente Médio. A ideia é criar um megahub no Oriente Médio e no Brasil, no Norte e Nordeste, onde há maior penetração de energia renovável.
Tem um pipeline lá. Estamos atuando em três mercados, Omã, onde já temos uma operação há 15 anos, Arábia Saudita e Emirados. São três mercados importantes, com disponibilidade de gás, e todos eles buscando o desenvolvimento de uma indústria a partir do gás, de aço verde ou mais verde, nesse caso. Temos tido avanços concretos como alocação de terra para a Vale na semana passada, na Arábia Saudita. E trazido nossos clientes, sejam chineses ou japoneses.
O sr. assumiu a presidência da Vale em outubro, como enxerga a Vale à frente?
Sou otimista em relação ao futuro da Vale por algumas questões. Mesmo com as incertezas, estamos muito posicionados nas commodities. Temos um portfólio muito único no níquel, inclusive do ponto de vista de posicionamento geopolítico, apesar do momento bastante ruim de preço. Produzimos no Canadá e no Brasil. A visão para cobre é muito positiva e construtiva no médio e longo prazo. Queremos crescer em cobre. Estamos fazendo 350 mil toneladas por ano e dobrar até 2035. O Brasil tem um potencial de liderar essa transição energética a partir dos minerais críticos, especialmente o cobre, de uma forma muito única, porque Carajás tem muito potencial.
A nossa vantagem é a habilidade de trazer volume com pouco capital. O capital intensivo é 20% do que é um projeto normal. Quando trouxermos os projetos de descarbonização, o nosso custo unitário, o famoso C1, vai cair bastante abaixo de US$ 20 e vamos ser um dos players mais eficientes. A Vale produzindo entre 340 e 360 milhões de toneladas será o maior produtor de minério de ferro do mundo, com a maior proporção de produtos de alta qualidade e um custo abaixo de US$ 20, é a melhor plataforma de minério de ferro do mundo, sem a menor dúvida. Conseguimos ter êxito em qualquer situação de mercado, e esse é um dos nossos grandes objetivos estratégicos. Quando eu olho o nosso mapa de ativos, isso me deixa otimista, apesar das questões macroeconômicas.
O preço do minério recuou, mas segue acima de US$ 100 por tonelada, o que é um bom valor. Modelando a oferta e a demanda no longo prazo, US$ 90 por tonelada é um preço de equilíbrio. Mesmo se em algum momento o preço começa a cair, vários dos players menos eficientes começam a sair do mercado e o preço sobe. Esse mercado é sempre ajustado por oferta e demanda. Então, tem muita gente que a US$ 90 por tonelada já começa a perder dinheiro. Não é o nosso caso. Conseguimos ver uma curva bastante sustentável, mesmo com o minério de ferro a US$ 90 por tonelada. Hoje, está em US$ 104. É um bom preço, conseguimos gerar um bom resultado e seguir avançando nas nossas prioridades estratégicas.
O custo do dinheiro está mais alto para todo mundo, globalmente, no Brasil não é diferente. Temos a capacidade de nos financiar em dólares internacionalmente, dada a natureza do nosso negócio, mas mesmo esse financiamento internacional está mais caro. Por termos um balanço muito saudável, uma qualidade de crédito, grau de investimento, isso nos permite ter um acesso mais amplo a capital e de forma competitiva.
Não inviabiliza investimentos?
Não é um inviabilizador dos nossos investimentos. Obviamente, gostaríamos que o custo estivesse mais barato, mas temos uma alavancagem financeira muito baixa, a nossa dívida líquida financeira é de US$ 9 bilhões, que, para o tamanho da companhia, é pouco. Conseguimos nos financiar com uma certa facilidade como fizemos no ano passado.
Não. Nós estamos com um calendário de amortização (de dívida) muito bacana. Quando assumi, olhamos todo o plano de amortização e refinanciamos tudo, fizemos dívida. No ano passado, fizemos, depois de muitos anos, uma dívida de 30 anos. Mas o time está todo dia olhando. O dia que tiver oportunidade de refinanciar e jogar para frente, faremos.
Não muda. A estratégia está posta, aprovada pelo Conselho. Seguimos na mesma direção. A Cosan teve as suas razões. Ficou muito claro, acho que o Rubens (Ometto, dono da Cosan) disse publicamente que não foi nada em relação à tese da companhia, muito pelo contrário, que ele gostaria de seguir, mas foi levado a ter que tomar uma decisão.
Do ponto de vista de iniciativa privada, a cobertura tem sido muito boa. Pela primeira vez na história, temos a Brazil House. Estamos falando com muita gente, temos sido procurados. Davos continua sendo um fórum muito relevante para nós. Claro que quanto mais representatividade, melhor. Do governo, dos seus agentes.
Quais são as preocupações que têm ouvido no Fórum sobre o Brasil?
O Brasil é sempre um país observado com muito carinho e cuidado pela sua relevância na região. E, no atual ambiente geopolítico, vários players estão olhando para o Brasil como está no momento de entrar. A Bolsa caiu bastante, o próprio valor da ação da Vale caiu bastante nos últimos 12, 18 meses. Isso aconteceu com vários dos ativos brasileiros. Então, o que começamos a perceber são vários dos investidores internacionais começando a olhar o Brasil.
Obviamente o fiscal, que é uma questão importante, é algo que eles olham, porque isso tem um impacto direto sobre câmbio e taxa de juros. Os investidores estão observando para onde o mercado vai para tomar as suas decisões. Mas, de fato, os ativos brasileiros estão baratos e a gente vem escutando isso dos investidores internacionais.
Acho que o preço caiu tanto que tem muita gente agora dando um passo atrás e olhando: será que é o momento de entrar? Os investidores sempre buscam ser contracíclico. E, de fato, acho que os ativos realmente estão em um ponto de entrada muito favorável. Eu posso dizer pela Vale. Como nessa transação da Cosan, começamos a ver um interesse internacional de fundos sofisticados que entendem de macro, de Brasil. Se a gente acertar essa direção do ponto de vista macro, o Brasil pode se posicionar e ter um bom ano.
O principal ponto é a sustentabilidade fiscal. Avançando no que está colocado, executando, acho que vai trazer de novo esse conforto para os investidores poderem apostar no Brasil e voltar a entrar. A grande vantagem do Brasil é que é um mercado enorme, com muita liquidez. Então, o investidor quando quer fazer grandes apostas, é um mercado mais fácil de entrar do que outros mercados.