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Com a maior malha ferroviária do Brasil, São Paulo tem migração de modelo público para o privado

22.04.2024 | | Notícias do Mercado

Fonte: Gazeta do Povo
Data: 20/04/2024

O governo de São Paulo pretende privatizar toda a linha de trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), intenção sinalizada por Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao eleitorado desde a campanha de 2022. Recentemente, a gestão estadual concedeu a linha 7-rubi. Com abrangência em 18 municípios paulistas, as linhas estatais geridas pela CPTM incluem outras quatro: a 10-turquesa, a 11-coral, a 12-safira e a 13-jade.

A companhia de trens de São Paulo tem 57 estações e transporta cerca de 2 milhões de passageiros por dia.

Na outra ponta, são duas linhas de trem privatizadas: 8-diamante e 9-esmeralda, que agregam o transporte diário de 1 milhão de passageiros. Ambas são geridas pela empresa ViaMobilidade. A companhia garantiu a concessão das linhas em junho de 2021. O contrato prevê o controle das linhas por 30 anos e investimentos de R$ 3 bilhões para operação, conservação, manutenção, modernização e ampliação das instalações existentes, além de aquisição de novos trens.

Também por 30 anos, a concessão da linha 7 – que liga o centro da capital paulista ao município de Jundiaí – foi efetivada pelo governo Tarcísio recentemente, tendo como vencedora a C2 Mobilidade Sob Trilhosempresa que pertence ao grupo chinês CRRC. A linha 7 transportou cerca de 99 milhões de passageiros em 2023, segundo dados da CPTM.

Após o êxito no leilão da linha 7, mais de 20 estudos estão sendo realizados sob a supervisão da Secretaria de Parcerias e Investimentos (SPI) para viabilizar as novas concessões.

Presidente da CPTM confirma concessão para todas as linhas de trem

O presidente da CPTM, Pedro Moro, disse à Gazeta do Povo que o objetivo da gestão Tarcísio é concluir as obras em andamento. “O foco da CPTM tem sido terminar as obras de requalificação da infraestrutura. Estamos fazendo uma série de modernizações nas estações para poder elevar o nível de serviço. Temos contratos para modificar a sinalização das linhas, reduzir o intervalo, obras de novas subestações de energia para o trecho ficar mais robusto, equipamentos mais modernos e obras de acessibilidade”, elencou ele.

Os trens são antigos, construídos há mais de 100 anos, quando o foco era trem de passageiros de médio e longo percurso. “Nos anos 90 foi concedida toda a parte de carga e o governo do estado assumiu a parte de passageiros. Ficou estipulado que os trens de carga poderiam compartilhar as linhas da CPTM, desde que autorizados nos momentos corretos. Isso tem sido feito ao longo desses últimos 30 e poucos anos”.

Moro pontua um convênio, firmado no último ano, para reduzir os impactos dos trens de carga passando dentro das linhas metropolitanas, com custeio para uma série de obras. “O maior impacto é que esses trens são pesados e às vezes pode acontecer de ter uma falha, o que atrapalha todo o percurso da linha. Os horários mais tranquilos que temos para manutenção das linhas é na madrugada”.

Sobre as reclamações frequentes de manutenções diárias na CPTM – o que aumenta o intervalo dos trens – Moro justifica pelo pouco tempo para fazer a manutenção. “Nossa infraestrutura foi colocada pensando no tempo de funcionamento e condições climáticas que necessitam de uma manutenção mais presente e pontual. Operamos entre 4h e meia-noite, mas algumas linhas rodam até 1h30 para chegar ao destino final. Ou seja, temos uma janela de mais ou menos três horas na madrugada para trabalhar na manutenção das nossas vias. É uma janela muito pequena, por isso às vezes precisamos dessa manutenção durante o dia. Nunca fazemos isso durante o horário de pico, quando precisamos de atenção total e reduzir os intervalos”, diz.

Sobre o fluxo de passageiros, que muitas vezes não conseguem embarcar nos trens devido à superlotação, Moro pontua que, em 20 anos, o número de usuários cresceu em seis vezes. “Os governos têm se esforçado para ampliar a rede, melhorar intervalos e reduzir a lotação do serviço que acaba quase sendo inevitável. Passamos de uma condição no começo dos anos 2000 de 600 mil passageiros por dia para 3 milhões hoje. Isso só foi possível porque reduzimos intervalos, proporcionando qualidade. É um sistema rápido e eficiente, por mais que possam falar que às vezes só se consegue pegar o terceiro ou quarto trem. Mas tem a garantia que vai chegar no seu destino”, argumenta Moro.

“A CPTM é a única empresa de transporte ferroviário de passageiros de curta distância no mundo que opera com intervalos de metrô: quatro minutos”.

Presidente da CPTM, Pedro Moro

Para o presidente da CPTM, o estado está no caminho certo ao buscar concessões à iniciativa privada. “Os focos do governo são a redução do investimento que o estado faz e a melhoria dos serviços. O estado tem educação, saúde e segurança e, para conseguir ampliar o investimento em mobilidade, faz uso de concessões com a iniciativa privada. É uma alternativa válida que pode trazer benefícios aos cidadãos”.

Moro diz que o futuro da CPTM pode ser de um órgão de fiscalização e planejamento. “A linha 7 tem um trâmite para a assinatura do contrato e todo o processo administrativo tem um prazo de 18 meses. Em relação ao futuro da CPTM, é uma discussão que o governo está tendo. Temos um corpo técnico extremamente bem preparado. Para as concessões já existentes e as futuras que podem acontecer, a CPTM pode exercer fiscalização para gerenciamento de possíveis novas obras para planejamento urbano, novas ligações, novos trens intercidades”.

De acordo com Moro, a CPTM tem o menor intervalo entre trens do mundo e supera a velocidade média do metrô. “Não há nenhum sistema no mundo que opere com intervalo menor do que o nosso, entre quatro e seis minutos no horário de pico. No mundo, todos operam com grade horária. O trem sai às 11h, depois passa outro às 11h10, às 11h20 e assim por diante. Operamos com intervalo, fazemos uma operação parecida com metrô. A grande diferença entre os dois sistemas é a distância entre as estações“, afirma.

O metroviário tem uma distância média de um quilômetro entre as estações e, nos trens, a distância média é de três a quatro quilômetros, com velocidade média é maior do que no metrô. “A CPTM chega em torno de 70 km/h. O metrô deve ser de 55 a 60 km/h”, compara ele.

O presidente da CPTM reitera o processo em curso de automação da companhia está em curso, mas afirma que a figura do maquinista será sempre imprescindível. “A operação na CPTM ainda é manual. O maquinista é necessário, até para garantir segurança na abertura e fechamento de porta. Ele pode controlar de uma forma mais adequada ao fluxo. Mas a automação é inevitável e necessária para garantir mais segurança ao sistema”, aponta Moro.

Especialista diz que problema da malha ferroviária é dividir transporte de passageiros e de carga

Ciro Biderman, professor e diretor do programa de Cidades da Fundação Getúlio Vargas (FGV), analisa que os trens de São Paulo têm muito a melhorar em comparação com a malha ferroviária de outros países. “O nosso trem poderia ser muito melhor, deixa muito a desejar quando se compara com os outros. Em Paris, você pode entrar no trem e nem saber que está entrando. Parece metrô, está completamente integrado. Os trens atingem áreas muito mais amplas. Os intervalos são mais curtos que os nossos. No horário normal, trabalha com intervalo de três minutos. A CPTM, em horário de pico, está trabalhando com intervalo teórico de sete minutos. A CPTM e as outras duas linhas concedidas não conseguem te dar uma previsão. Para isso, depende de investimento”, aponta.

Uma opção cogitada por Birdeman, de melhoria inclusiva para a região metropolitana, seria avalnçar para uma integração física entre metrô e trem, uma vez que a integração tarifária já existe. Outro ponto destacado pelo especialista, como problema, é a inexistência de separação para as duas atividades distintas: transporte de passageiros e transporte de carga.

“A CPTM divide o transporte com carga e passageiros. O problema de carga e passageiros é que são dois produtos completamente diferentes. Os trens de carga são bem longos, com 200 vagões. Os de passageiros são trens curtos, que não passam de 16 vagões. As velocidades também são diferentes. E como faz para conviver com dois sistemas tão distintos? Transporta a carga à noite e opera passageiros de dia. E não tem nenhum momento para manutenção. O investimento chave que precisa ser feito é fazer trem de ferro para transportar a carga. Ficaria com a malha da região metropolitana dedicada à passageiros. Isso ficou por conta do governo federal, mas o governo estadual poderia pressionar”, opina ele.

Na comparação entre o metrô e o trem, o professor diz que tem “o primo rico” (o metrô, com mais recursos) e “o primo pobre” (o trem). “O metrô tem uma equipe técnica exemplar. A CPTM não consegue manter os técnicos, porque os salários e os benefícios são mais baixos. Até no sistema tarifário a CPTM é a última a receber os repasses do governo do estado”, afirma.

“A CPTM tem 32 anos, é herdeira da rede federal. No final do século 19, começaram a fazer esse trem. Era essencialmente de carga. Foram adquiridos novos vagões, mas não investiram em trilhos”.

Ciro Biderman, professor e diretor do programa de Cidades da FGV.

Para Birdeman, as concessões para iniciativa privada melhorariam a situação dos trens de São Paulo. “A vantagem da parceria com o setor privado são os incentivos financeiros. Para a CPTM, ainda que seja um modelo extremamente inovador, seria bom. Em outros países tem trens de intervalo de três minutos e meio com duas empresas operando e saindo num momento combinado sem encavalar. É o modelo mais inovador que existe no mundo. A diferença é que, como o setor privado tem que dar lucro, vai ter um espírito de não perder nenhuma eficiência, além de que o setor público tem mais restrições e burocracias”, evidencia.

Na região metropolitana de São Paulo, Birdeman defende a ampliação do transporte de alta e média capacidade. “Não investiria em nenhuma expansão. Melhoraria o que tem”, opina o especialista, que rechaça a ideia de trem-bala para São Paulo. “Não faria esse investimento nunca. Temos os aeroportos Santos Dumont [RJ] e Congonhas que ficam bem localizados. Não dá para competir com a ponte aérea. Teria que colocar dezenas de bilhões de investimento”, aponta.