Entre as 33 propostas, está crédito amplo e a juro zero para empresas de pequeno porte
Três meses depois de ter prometido um plano para a retomada da economia no pós-pandemia, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Von Doellinger torna público hoje o Plano Brasil Pós Covid-19, com 33 propostas apresentadas ao ministro Paulo Guedes no sábado.
Misto de respostas à crise e medidas para a década, o documento reitera a premência das reformas e a impossibilidade de o governo investir em escala. Há um esforço para diferenciar-se de ideias heterodoxas, como as do Pró-Brasil, do ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, que desagradou a equipe econômica e tomou para si o apelido “Plano Marshall”, originalmente cunhado por Doellinger. “Pelo amor de Deus, nem me fale nesse nome [Marshall]”, diz o economista indicado ao Ipea por Guedes.
“É um ponto de partida. Cada proposta será expandida em notas técnicas. O ministro já viu e recebemos uma série de pedidos. É um trabalho contínuo”, afirma ele, que havia prometido o plano em entrevista ao Valor. O primeiro eixo fala sobre reconstrução de cadeias produtivas, com foco em empresas de pequeno porte, que foram mais de 99% das 1,3 milhão de empresas que pararam ou fecharam até junho, segundo o IBGE. Entre as propostas, destaca-se a criação de linha de crédito a juro zero para essas empresas que faturam até R$ 4,8 milhões. As operações teriam carência de um ano e prestações proporcionais às receitas dos tomadores vinculadas à tributação. A contrapartida seria a manutenção dos empregos por seis meses após a pandemia.
Os recursos, apurou o Valor, viriam da emissão de títulos da dívida pelo Tesouro que, ao receber os pagamentos, seria onerado somente pela Selic a um custo estimado em R$ 72 bilhões. Com garantia soberana e intermediado por qualquer instituição financeira, a ideia é definida por fontes do Ipea como um “choque de volume e condições de crédito”, quando o percentual de aprovação pelos bancos nas linhas atuais ainda é baixo.
O Ipea sugere, ainda, o uso de compras públicas junto a essas empresas; criação de linhas de crédito para produtores e startups da Saúde e a recomposição do orçamento de subvenção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para R$ 400 milhões nos próximos dois anos. Consta, também, o fomento a uma indústria de reciclagem automotiva que ofereça crédito ao consumidor pela devolução de veículos antigos para, a médio prazo, alcançar 30% da americana, que movimenta US$ 25 bilhões ao ano e emprega 100 mil pessoas.
Voltado à medidas de inserção internacional, o segundo eixo recomenda a facilitação de garantias e seguros à exportação por instrumentos de Estado, atração de capital estrangeiro via PPPs e ampliação do financiamento por bancos multilaterais que o Brasil integra. Na terceira seção, vêm propostas para infraestrutura, como a criação de um programa de manutenção emergencial de rodovias intensivo em emprego, a difusão da construção de ferrovias privadas por autorização e o fomento à cadeia produtiva de painéis solares.
Dedicado às populações vulneráveis, a última parte do documento recomenda subsídio estatal temporário à contratação de mão de obra, a prorrogação das autorizações para a redução de jornada e a unificação de benefícios em um único programa focado na infância, ideia que ganha espaço entre especialistas mas que nasceu ainda no ano passado, dentro do Ipea.
O Ipea prevê queda de 6% no PIB este ano, mas recuperação em “V”, com alta de 3,6% no PIB de 2021 – que poderia chegar a 4,7% com reformas. “Teremos uma saída em ‘V’, mas [próximo da marca] Nike, com a segunda perna esticada. Um ‘V’ perfeito exige crescer 8% ano que vem”, diz. Com o investimento em 15% do PIB, ele afirma, o crescimento não passará dos 3%. “Mas o governo está exaurido pelo orçamento de guerra. Então, teremos de apelar ao investimento privado com o governo como garantidor.”
Fonte: Valor
Data: 22/07/2020