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Torço por trem-bala, apesar da grande chance de não dar certo, diz ministro dos Transportes

27.03.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Folha S. Paulo
Data: 24/03/2023

O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB-AL), aguarda ansiosamente a aprovação da nova âncora fiscal para decidir os rumos dos projetos de sua pasta.

Com a nova regra, ele espera ampliar o orçamento de quase R$ 22 bilhões em 2023 —mais do que o executado em toda a gestão de seu antecessor, o atual governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Na mesa estão obras como ferrovias, um pacote de rodovias e a modelagem de parcerias público-privadas.

Renan Filho rejeita o uso de dinheiro público no projeto do trem-bala entre Rio e São Paulo. “A chance de que não dê certo é grande”, disse.

Sua meta é priorizar ferrovias. O ministério vai gastar em grandes obras? A Fico [Ferrovia de Integração do Centro-Oeste] e a Fiol [Ferrovia de Integração Oeste-Leste] são obras estruturantes do Plano Nacional de Logística. Concedemos o primeiro trecho da Fiol, o segundo [Fiol 2] está em obra e achamos que fica de pé [a concessão]. Daria, então, para fazer Fiol 3 [com os recursos obtidos com a concessão do segundo trecho]. A Fico é uma obra em investimento cruzado com a Vale [a empresa faz a obra como contrapartida pela renovação antecipada de seu contrato].

O trem-bala é um projeto privado, mas analistas avaliam que não vai parar em pé sem dinheiro público. O governo pode entrar como sócio? Seria bom para o Brasil ter um trem-bala que liga o Rio a São Paulo de maneira rápida e barata. A chance de que não dê certo é grande, mas eu torço para que dê certo. Só que é uma obra que custa R$ 50 bilhões. O Brasil investiu R$ 5 bilhões ano passado em todo o setor.

Então, o governo não entrará nesse projeto? O governo não tem como decidir por uma despesa desse tamanho.

O sr. sempre fez muitas críticas ao teto de gastos. A nova âncora não trará limite para sua pasta? Critiquei o teto de gastos porque, na verdade, ele virou um teto de investimento, transformando o Brasil, que é uma das maiores economias do mundo, no país que menos investe. Além de tratar despesa e investimento como gasto, sem qualificá-los, ele foi descumprido todos os anos. Foi mais estourado do que pneu de Toyota Bandeirante, como a gente diz lá no Nordeste. Diante disso, foi um erro [investir tão pouco]. Aqui no ministério, investiram R$ 20 bilhões nos últimos quatro anos. Somente neste ano vamos investir mais [que todo esse período]. Serão R$ 21,7 bilhões.

A nova âncora fiscal deve atrelar despesas e investimentos ao crescimento do PIB. As regras podem comprometer o andamento dos projetos de sua pasta? Não conheço os dispositivos que serão disparados e quais os parâmetros utilizados [para definição de gastos e investimentos], mas essa dinâmica anticíclica é inteligente. Investir mais no momento em que o Brasil cresce menos ajuda o país a se recuperar. E quando a economia estiver crescendo mais, a gente pode manter o investimento anterior ou diminuir, porque outros segmentos da economia compensarão.

E se não houver acordo no Congresso para a aprovação da nova âncora fiscal? Vamos investir quatro vezes mais que o governo anterior. Agora, isso não pode virar um voo de galinha. O que precisamos do novo arcabouço é a definição de um patamar —que seja o deste ano ou um pouco inferior— para que a gente mantenha os investimentos. É assim que o cidadão faz em sua casa. A dona de casa pede aos filhos para desligar o ventilador quando for dormir, apagar a luz, economizar água, para [a família poder] comprar um saco de cimento e tijolos para construir um quarto maior para a filha, aumentar a cozinha ou fazer uma garagem. Esse mesmo raciocínio tem de ser usado pelo país. Às vezes, na ânsia de segurar a despesa do governo, tudo é qualificado da mesma maneira e é um erro.

O senhor defende mais gasto? A Índia investirá US$ 33 bilhões. A União Europeia investirá 30 bilhões de euros na infraestrutura da Espanha para melhorar o turismo. Em 2022, o Uruguai investiu R$ 5 bilhões [em infraestrutura]. O presidente Lula foi ao Uruguai e [o presidente daquele país] Lacalle Pou pediu que o Brasil fizesse uma [outra] ponte que interliga o país. Aí eu falei para o presidente que, na verdade, a gente é que deveria pedir a ponte para o Uruguai. [Então] Não estou defendendo gastar mais, mas criar um modelo que preserve a sustentabilidade sem desqualificar despesas.

O governo ainda não tem base sólida para aprovar a âncora fiscal. O que falta para chegar lá? Falta finalizar a proposta em si. O Congresso inteiro defende o arcabouço. Até a oposição. O presidente precisa mostrar base e essa questão não vai estressar. A reforma tributária, talvez.

Conduzirá programa de concessão ou o foco será somente obra pública? Vamos seguir nas concessões, autorizações nas ferrovias, e o governo quer atuar também em PPPs [parcerias público-privadas]. Precisa ampliar isso para atração de capital privado. Uma obra de R$ 10 milhões pode ser viável se o governo colocar R$ 3 milhões e o privado, R$ 7 milhões. Isso vale para obra grande e pequena. Vamos imaginar que o novo arcabouço permita que a gente mantenha o orçamento deste ano ou o próximo e o governo tenha em quatro anos R$ 100 bilhões de investimento. Podemos pegar R$ 15 bilhões desse total e alavancar outros R$ 50 bilhões com PPPs.

Mas por que até hoje as PPPs só avançaram nos estados? Porque o privado não acredita que o público coloque o dinheiro. Porque no passado não colocou. A gente tem de criar um modelo crível.

As PPPs então não substituirão as concessões? Não. Serão [feitas] para os contratos sem viabilidade de serem concedidos 100% pelo poder público.

O retrocesso na privatização do porto de Santos afetará a capacidade de transporte das ferrovias? No porto de Santos não teve retrocesso. O governo está dando uma olhada em qual é o melhor modelo. Um exemplo: todo o suco de laranja exportado pelo Brasil hoje sai pelo porto de Santos. E se o porto [privatizado] não quiser mais exportar suco? Nosso produto pode ficar mais caro [saindo por outro porto]. O porto funciona bem. A dificuldade é chegar em Santos.

Os concessionárias ferroviários falam em desequilíbrio contratual se a ampliação da capacidade de escoamento do porto via privatização não sair. Eles estavam mais interessados no porto de Santos do que nas ferrovias deles. Essa é a grande verdade. O porto de Santos é a cereja do bolo.

O senhor quer dizer que eles queriam comprar o porto? Certamente. Todos os concessionários são muito fortes e os principais agentes [interessados]. Por isso, defendem a conexão das duas coisas. Ninguém quer decidir o caminho. Não tem sentido começar a fazer o que o outro [governo] vinha fazendo. Ora, ele perdeu a eleição.

Como o senhor pretende atrair a iniciativa privada diante um cenário de inflação e juros em quase 14%? Aprovando o arcabouço fiscal que permita a redução da taxa básica de juros no Brasil.

Só isso reduz a taxa? Vai ajudar.

O presidente Lula dá sinais de que o presidente do BC boicota o governo segurando os juros em patamares elevados. O senhor concorda? A inflação está abaixo da média internacional e a taxa de juros, muito acima. Se aprovar a âncora, o BC não terá mais argumento. Se baixar de 13,75% para 9,75% já reduz o pagamento de juros [da dívida pública] em R$ 100 bilhões.

O senhor avalia que há atuação política do presidente do BC? Acho que o presidente do BC, por mais corajoso que seja, não faria isso. Mas se o Brasil aprovar esse arcabouço e as expectativas forem ancoradas, os juros não caírem não farão mais sentido.

Uma emenda constitucional impôs à União aceitar pagamento de concessões por meio de precatórios. A AGU, na prática, suspendeu. O que o senhor pensa disso? Tem que aprovar o arcabouço porque, da mesma forma que não se pode obrigar o governo a gastar mais por decreto, também não pode obrigá-lo a arrecadar menos.

Mas é constitucional. O governo acabou de assumir e não tem regulamentação. No Brasil, infelizmente, aprovaram uma lei para não se pagar precatório no governo passado. Ela diz o seguinte: o governo tem um precatório de R$ 100 e vai pagar respeitando uma fila. Um sujeito com o precatório de R$ 100 topa vendê-lo para um concessionário por R$ 30 desde que receba hoje. Paga R$ 30 e usa um título de R$ 100 para quitar uma outorga. Isso significa reduzir receita para o governo. Do mesmo jeito que o governo não pode aumentar a receita indiscriminadamente, não se pode reduzir a arrecadação. Causa insegurança fiscal para o país. O mesmo privado que cobra sustentabilidade, quando é o caso específico dele, quer pagar menos por uma outorga. Eu acho que não deveria poder. Mas isso é lei e já foi judicializada. É plausível que o STF reconheça a Constituição e que o governo estabeleça um caminho para se pagar a outorga [com os precatórios].

O senhor já teve um embate político com a presidente do PT envolvendo a modelagem das concessões das rodovias do Paraná. Como está lidando com a ingerência do PT? Não tive embate com a presidente do PT. Ela atua nesse projeto como deputada do Paraná. Ela tem uma preocupação porque o estado pagava o mais caro pedágio do Brasil. Estabeleceram-se obras no contrato que não foram feitas. Ela só fez uma ressalva: que o modelo [de concessão] garanta que as obras sejam feitas, porque o estado cresce muito, com o menor pedágio possível. Aliás, é a mesma coisa que o governador, eu, a Casa Civil e o presidente Lula querem. Nós estamos conversando sobre o modelo, que está na fase final. Ele prevê aportes de recursos caso o concessionário queira dar descontos como forma de garantir que haverá dinheiro para investimentos necessários. Se der certo, servirá de modelo para outras rodovias estaduais, como em SC e MS. O BNDES já está estruturando. São mais de 15 mil km de rodovias.

RAIO-X

Renan Filho, 43 anos

Ministro dos Transportes. Formado em Ciências Econômicas pela UnB. Já foi prefeito de Murici (2005-2010), deputado federal (2011-2015), governador de Alagoas (2015-2022) e foi eleito senador em 2022.