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Governo investe em parcerias para obter recursos

04.11.2021 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor

Um programa agressivo de concessões, somado à simplificação das regras para a participação de empresas em obras e operações de infraestrutura, começa a desenhar, finalmente, um futuro de mais investimentos em setores fundamentais para o país, como os de transporte, saneamento básico e geração de energia. Só na área de transportes, a expectativa do Ministério da Infraestrutura é garantir R$ 260 bilhões de investimentos privados ao longo do atual governo, um montante quase 40 vezes maior do que o orçamento anual que costuma ser reservado à pasta – neste ano, por exemplo, foi de apenas R$ 6,7 bilhões

“Já transferimos para a iniciativa privada 34 aeroportos, cinco rodovias, duas ferrovias e 29 terminais portuários, envolvendo R$ 74 bilhões de investimentos”, enumera o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. O cálculo de R$ 260 bilhões, aparentemente otimista demais, leva em conta o interesse que o governo espera despertar com as licitações de ativos de grande retorno garantido, como a Via Dutra, a ferrovia Ferrogrão, as BRs 381 e 262 que cruzam Minas Gerais e Espírito Santo, além dos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont, que fazem a ponte aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro, deixados estrategicamente para o final da lista ainda sob a administração da Infraero.

“Esses dois aeroportos operam a quarta rota aérea mais movimentada do mundo”, lembra o ministro, que embarcou no início de mês para uma série de reuniões em Nova York com investidores e executivos de fundos financeiros e de agências de classificação de risco – aos quais pretendia influenciar. Ele já havia feito um roadshow nos Estados Unidos e na Europa em 2019 para vender as concessões brasileiras, e deveria ter feito outro no ano passado, não fosse o adiamento de projetos causado pela pandemia da covid-19. Agora, quer recuperar o tempo perdido

Paulo Resende, coordenador do núcleo de infraestrutura da Fundação Dom Cabral, acha plausível a previsão de Freitas e destaca o esforço do ministério na revitalização das ferrovias. “Abandonar as ferrovias foi um erro histórico que não se corrige do dia para a noite, mas agora, pelo menos, estamos na direção certa”, afirma. Ele cita a Ferrogrão, projetada para escoar a produção de soja e milho do Centro-Oeste até os portos do Arco Norte, num trajeto de 933 quilômetros (km) entre Sinop (MT) e Itaituba (PA), como uma obra essencial para o agronegócio. “É uma ferrovia que vai encher os vagões logo no primeiro dia depois da inauguração”, observa.

O consultor Maurício Lima, do Instituto de Logística e Suplly Chain (Ilos), concorda em parte com Resende, mas faz uma ressalva: “O governo acerta ao priorizar as concessões e desengavetar projetos ferroviários, mas precisa elevar o nível de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que é baixo demais. Isso trava o desenvolvimento de qualquer país”, argumenta. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a taxa de investimento no Brasil é de apenas 16,4% do PIB, exatamente a metade do grupo de países emergentes (32,8%) e bem inferior ao mundo em geral (26,2%) e ao conjunto de países latino-americanos (19,6%). Neste momento, porém, em que se desdobra para incluir no orçamento o Auxílio Brasil, que seria um Bolsa Família turbinado, o governo brasileiro aposta todas as fichas na participação privada para colocar de pé seus projetos de logística e infraestrutura

O leilão da Ferrogrão foi remarcado para o primeiro trimestre de 2022, quando se espera chegar a uma solução sobre os impactos ambientais denunciados por duas aldeias tapajós estabelecidas no Pará. O projeto que acabou de sair do papel foi o da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), ainda do último governo Luiz Inácio Lula da Silva, cujas obras ligando Água Boa (MT) a Mara Rosa (GO) – onde fará conexão com a Norte-Sul – foram iniciadas no fim de setembro. O investimento de R$ 2,7 bilhões nesse trecho inicial de 383 km foi assumido pela Vale, em contrapartida à renovação antecipada da Estrada de Ferro Vitória a Minas, operada pela mineradora. Os trechos seguintes, 505 km de Água Boa a Lucas do Rio Verde (MT) e 646 km desta cidade a Vilhena (RO), continuam sem previsão.

Além das concessões de velhos e novos projetos ferroviários, o governo acaba de desenterrar, com um século de atraso, uma medida para estimular o investimento privado nesse modal: a simples autorização para que empresas possam construir e operar ferrovias que sejam do seu interesse. Esta é a principal mudança trazida pelo novo marco legal das ferrovias, que acaba de ser aprovado no Senado e enviado à Câmara. Com a ratificação desse projeto, o governo abrirá mais espaço para a iniciativa privada providenciar o que ele não tem condições de fazer, por absoluta falta de caixa. “Já temos R$ 80 bilhões em pedidos de autorização e isso deve abrir uma nova janela de investimentos sem precedentes nos últimos anos”, comemorou Tarcísio de Freitas. O interesse dos investidores surpreendeu o próprio ministério, que esperava algo em torno de R$ 30 bilhões com o anúncio do novo marco legal.

Assim como no caso das ferrovias, as novas legislações simplificando a operação do transporte de cabotagem, em análise final no Senado, e incentivando a expansão do saneamento básico, que está em vigor, têm tudo para viabilizar novos investimentos em logística e infraestrutura. No primeiro caso, foram retiradas um sem-número de restrições para a participação de embarcações estrangeiras no frete marítimo; no segundo, é facilitada a formação de consórcios entre prefeituras de menor porte para a implantação de redes de água e esgoto que atendam às populações desassistidas. Cerca de 35 milhões de brasileiros ainda não recebem água potável e cem milhões não têm acesso à coleta de esgoto – com o novo marco legal, a meta é estender o serviço de água para 99% da população até 2035 e o de esgoto para 90%, neste mesmo período.

Um estudo da Neoway, maior empresa da América Latina de big data analytics, mostra que os investimentos em infraestrutura no país têm, de fato, avançado nos últimos dois anos, interrompendo uma sucessão de quedas que vinha desde 2013. No período compreendido entre 2013 e 2018, por exemplo, as obras confirmadas no país – que estavam em andamento ou que haviam sido iniciadas e interrompidas temporariamente – somavam R$ 494 bilhões, volume que foi despencando progressivamente até atingir o ponto mais baixo com o pacote de obras programado para os anos de 2019 a 2024, que somaram apenas R$ 55 bilhões.

A retomada, segundo a Neoway, veio no período de 2020 a 2025, com a confirmação de R$ 75,2 bilhões de investimentos em infraestrutura, e no levantamento atual, válido para o período de 2021 a 2026, que aponta para R$ 89,6 bilhões de obras. O montante referente a obras projetadas, mas que ainda não saíram do papel – incluindo aquelas que estão em fase inicial de estudos –, também aumentou, totalizando R$ 882,3 bilhões entre 2021 e 2026. Enquanto não se torna realidade, a maior parte dos R$ 260 bilhões que o ministro Tarcísio de Freitas espera garantir com todas as concessões planejadas pelo atual governo se refere a esta última conta.

O estudo revela ainda que as obras em andamento no país somam R$ 72,2 bilhões (eram R$ 57,9 bilhões no levantamento do ano passado) e as iniciadas nesse período e paralisadas envolvem R$ 17,4 bilhões de investimentos previstos (montante ligeiramente menor do que o auferido no período de 2020 a 2025, de R$ 18,3 bilhões). O setor de transportes/vias urbanas representa quase metade (47,1%) das obras em andamento, seguido pelo de energia (22%), pelos investimentos na implantação/ampliação de indústrias (19,2%), saneamento básico (7,3%) e óleo e gás (3,5%). “Vale destacar o grande número de projetos de geração de energia eólica em execução, que fazem da região Nordeste a segunda com mais investimentos, depois da Sudeste”, observa Jamila Rainha, gerente de produtos da Neoway.

Curiosamente, o ano de 2020, marcado pela pandemia, que fez o PIB brasileiro recuar 4,1%, não só registrou mais investimentos em obras do que em 2019, como também acelerou o transporte de cargas pelo país. Dados do Ilos mostram que pela primeira vez, desde que a apuração desses índices passou a ser feita, houve redução do PIB, ao mesmo tempo que os modais de transporte, sobretudo o rodoviário, foram mais movimentados. “Se por um lado a pandemia afetou a produção industrial, por outro estimulou as entregas do e-commerce. Além disso, houve uma safra recorde e o escoamento de produtos agrícolas dependeu ainda mais do transporte rodoviário”, nota Maurício Lima. Segundo o Ilos, as rodovias, responsáveis por 67,6% de tudo que era transportado em 2004 e vinham lentamente perdendo essa preponderância até 2018, quando responderam por 59,8% da carga movimentada, voltaram a ser mais utilizadas. Em 2020, o índice de transporte rodoviário foi de 61,4% e espera-se para este ano que chegue a 62%.

À primeira vista, o crescimento do transporte rodoviário não é uma boa notícia quando se olha para o consumo de combustível, a emissão de poluentes e o cumprimento da agenda ESG, que cobra boas práticas ambientais, sociais e de governança das empresas envolvidas. Há, porém, que se considerarem fatores positivos. “Muitas coisas também evoluíram para melhor nesse processo”, pondera Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog). “A entrega de produtos na última milha incentivou o transporte por bicicletas nas cidades, que continua em franco crescimento, e a criação de pontos de distribuição mais próximos do consumidor. Outro efeito positivo foi a abertura dos empresários para o compartilhamento de frota e de armazéns, o que antes da pandemia nem era cogitado”, afirma.

O surgimento das logtechs, startups dedicadas a racionalizar o transporte de cargas, também contribui com a agenda ESG, acrescenta Moreira. “Dá pra notar que são cada vez mais numerosas por suas filiações à Abralog”, afirma. Uma dessas logtechs é a TruckPad, que conecta embarcadores com motoristas e monitora toda a jornada em tempo real, por meio de um aplicativo – a empresa afirma ter 1 milhão de condutores cadastrados, espalhados por todo o país

Para o ministro Tarcísio de Freitas, o melhor que o ministério pode fazer no cumprimento da agenda ESG é justamente buscar um maior equilíbrio entre os modais, embora isso só mostre resultados ao longo de anos. “À medida que tornamos nossa matriz mais sustentável, investindo em ferrovias, cabotagem e transporte hidroviário, retiramos CO2 da atmosfera”, diz. Se os governos futuros mantiverem essa política, Freitas acredita que o predomínio do transporte rodoviário poderá baixar para algo entre 52% e 55% até 2035, enquanto o ferroviário aumentaria sua participação para cerca de 35%. Os demais modais, na avaliação dele, permaneceriam com índices parecidos com os atuais.

Apesar da sua importância e da demanda em ascensão, o transporte rodoviário de carga tem enfrentado grandes desafios neste ano, a começar pelos sucessivos aumentos no preço do diesel. Numa carta pública divulgada no fim de setembro, a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), que reúne cerca de quatro mil empresas do setor, cita o reajuste de quase 50% do diesel em 2021, ressaltando que esse combustível representa 46% do custo direto para o transportador. E alerta os associados a exigir pagamentos de frete à vista, incorporar na formação dos preços o custo real de financiamentos e incluir nos contratos cláusulas de recomposição de tarifas a cada aumento do diesel.

No início de outubro, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) divulgou um estudo para demonstrar que muito pouco, de tudo o que o governo arrecada com concessões de ativos logísticos, é reinvestido na área de transportes. Segundo o levantamento, dos R$ 233,57 bilhões (valores corrigidos pela inflação) recebidos entre 2001 e julho de 2021, apenas 1,8% (R$ 4,1 bilhões) foi aplicado no setor. A maior parte do capital foi consumida no pagamento da dívida nacional (R$ 65,5 bilhões), em encargos especiais de indenizações e restituições (R$ 41,71 bilhões) e em compensações ao Regime Geral de Previdência Social (R$ 17,70 bilhões). “Descompassos de investimento prejudicam as empresas e o crescimento do país”, ressaltou no documento o presidente da CNT, Vander Costa. Ou seja: premido por pendências do passado, o governo – este e os anteriores – deixa de investir no futuro, transferindo esta responsabilidade à iniciativa privada