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Logística do Exército mira gargalos para facilitar transporte de insumos

09.03.2021 | | Notícias do Mercado

Objetivo é definir os eixos prioritários para transportar suprimentos para qualquer área do território no menor tempo possível

 

General Laerte de Souza Santos: “Cada R$ 1 que a gente investe no Brasil, esse valor praticamente quadruplica” — Foto: Ailton de Freitas/Valor

Equiparada em números e complexidade à operação de uma grande empresa, a logística do Exército ganhou publicidade na pandemia: a força já atuava para auxiliar no combate à covid-19, quando um general da ativa, Eduardo Pazuello, foi nomeado ministro da Saúde por ser um especialista na área. Desde então, as críticas à gestão da crise sanitária acabam resvalando num setor responsável pelo manejo de suprimentos para um contingente de 217 mil militares, que não deixou em nenhum momento os integrantes da força terrestre sem material e pretende ampliar sua interação com os modais de transporte em desenvolvimento no país. Outra intenção é ampliar as compras de fornecedores brasileiros.

Pazuello tem recebido críticas, por exemplo, pelos problemas na distribuição das vacinas contra a covid-19. No último dia 24, o ministério enviou 2,8 mil doses de vacinas ao Amazonas e 78 mil ao Amapá, quando o correto seria o oposto. A pasta divulgou nota reconhecendo o erro, e na madrugada do dia 25 os imunizantes chegaram aos destinos corretos.

 

Veículos da força percorrem 50 mil quilômetros para transportar todos os insumos distribuídos

 

“Basicamente está se falando de logística de transporte em relação ao Ministério da Saúde”, disse ao Valor o general Laerte de Souza Santos, que está à frente do Comando de Logística do Exército. “A nossa logística é muito maior, fazemos toda a gestão do ciclo de vida do sistema de defesa: armazenamento, aquisição, distribuição, gestão do material. O transporte é só uma função”, afirmou, lembrando que Pazuello não pertencia aos quadros do Comando de Logística quando foi nomeado para o primeiro escalão do governo.

Para cada combatente que está na ponta da linha em uma operação, devidamente alimentado, equipado, uniformizado e instalado, há pelo menos mais quatro militares na retaguarda. Na guerra, a proporção é de 12 homens para um. No entanto, em tempos de paz, essa relação é quatro para um.

Os veículos da força percorrem 50 mil quilômetros, ou três vezes a distância entre Brasil e China, para transportar todos os insumos distribuídos. No ano passado, por exemplo, o Exército adquiriu e entregou aos quartéis quase 20 mil toneladas e 3 milhões de litros em gêneros alimentícios. Foram destinados R$ 185 milhões para a aquisição de itens de uniforme e roupas de cama e banho destinados aos cabos, soldados e alunos das escolas de formação: 260 mil conjuntos camuflados, 100 mil boinas e 260 mil pares de coturno.

A aquisição de alimentos em larga escala, como arroz e feijão, é feita a partir de Brasília. A força gasta R$ 11,65 para alimentar um soldado por dia. Mas as compras menores são feitas no varejo pelas regiões militares, e respeitam os cardápios regionais, o que movimenta o comércio do município onde está sediado o respectivo batalhão. Foram empenhados R$ 573,1 milhões para alimentação da tropa em 2020.

Durante a pandemia, o Exército tem dado suporte ao ministério para levar equipamentos de proteção e vacinas a lugares de difícil acesso, principalmente na Amazônia. Nas últimas semanas, homens dos batalhões de aviação transportaram vacinas para aldeias indígenas em pontos remotos do Acre e no Amapá. No Rio Grande do Sul, quadros da força reforçaram a vacinação de profissionais de saúde em “drive thrus”. Um módulo do hospital de campanha da base do Exército no Rio de Janeiro foi deslocado para Manaus.

A operação foi feita em uma rota conhecida e utilizada com frequência. A partir da base de apoio logístico no Rio, os suprimentos da força são transportados para as 12 regiões militares através de quatro eixos principais. Os trajetos são percorridos uma vez por semestre, totalizando 50 mil quilômetros ao fim do ano. Em 2020, foram gastos cerca de R$ 93 milhões em combustível (óleo diesel e gasolina) para abastecer viaturas utilizadas no cumprimento das mais variadas missões: foram adquiridos aproximadamente 19 milhões de litros de óleo diesel e 8,5 milhões de litros de gasolina.

Mesmo assim, o Comando de Logística do Exército também tem olhado para outros modais e já começou a dialogar com o Ministério da Infraestrutura com o objetivo de se identificar os gargalos que dificultam o transporte dos insumos. Isso porque, em geral, as rodovias suportam os blindados de 55 toneladas e cargas elevadas, mas há trechos intransitáveis, como túneis antigos na Via Dutra. Futuros editais poderiam contemplar algumas necessidades. “O objetivo é definir os eixos prioritários que possam receber aportes de carga mais pesados e transportar suprimentos para qualquer área do território no menor tempo possível e em condições de combate”, disse o general.

A ampliação dos modais ferroviário, fluvial e marítimo (com a nova lei da cabotagem), que tem sido conduzida pela pasta da Infraestrutura, deve aprimorar a logística da força. É a expectativa do general porque o transporte rodoviário, principal meio de deslocamento, é mais caro e leva menos carga. Não se descarta a retomada das conversas, no futuro, sobre a possibilidade de o Exército utilizar aviões em suas operações logísticas. Houve uma tentativa recente que foi adiada, depois que o presidente Jair Bolsonaro desistiu dessa liberação em razão da resistência das outras forças.

Devido à dependência das rodovias, a greve dos caminhoneiros em 2018 prejudicou, mas não paralisou o Exército. Os depósitos armazenam os suprimentos por meses, mas houve falhas em outras áreas, como o abastecimento de querosene em Brasília. Foi necessário recorrer aos estoques de Betim (MG).

O patrimônio da força terrestre é estimado em R$ 11 bilhões, mas o desafio do Comando de Logística é acompanhar a evolução tecnológica. Antigamente, para manter um jipe, era só limpar o carburador, diz o general. Agora, até o blindado evoluiu: antes era uma arma de destruição em massa, que saía atirando aleatoriamente. Hoje é uma arma de precisão, que atira pontualmente, em movimento, e é capaz de acertar o alvo a 4 quilômetros de distância.

“Tudo isso é custo elevado para manter uma tecnologia embarcada. Só a manutenção de um canhão de 5 mil tiros da viatura antiaérea Gepard custa em torno de € 65 mil”, observou o general Marcelo Carvalho Ribeiro, responsável pela diretoria de Material.

Neste contexto, Ribeiro ressaltou que a força busca “independência tecnológica”, porque não basta comprar o equipamento do exterior, é preciso ter os acordos de fornecimento em dia, zelar pela manutenção. Em busca dessa independência e do barateamento dos custos de manutenção, o Exército mantém contatos com instituições de ensino superior, como universidades de Santa Maria (RS) e de São Carlos (SP).

Outra meta é reposicionar o Brasil no trilionário mercado global de defesa. “Caímos muito da década de 80 pra cá: já fomos o 13º mercado fornecedores, hoje somos o 33º ”, diz Ribeiro. As compras militares em todo o mundo são feitas por um sistema único, padronizado. Atualmente, o Brasil é líder na “catalogação de coisas”, e se firmou como o terceiro fornecedor mundial de suprimentos de automotivos. “Estar no sistema de catalogação significa que você pode exportar o equipamento, estamos falando de um mercado de US$ 1,5 trilhão.”

Ribeiro lamentou que a sociedade desconheça a importância do mercado de defesa, que não visa apenas à guerra. “É oportunidade de pesquisa, de desenvolvimento, porque a defesa é a ponta de lança dos Estados modernos e atua para vencer as barreiras tecnológicas.”

O foco do Ministério da Defesa é incrementar a base industrial de defesa. “Cada R$ 1 que a gente investe no Brasil, esse valor praticamente quadruplica, porque vai gerar serviços, emprego e renda, atuando em toda a cadeia produtiva”, disse o general Laerte. Às vezes, entretanto, o preço dos insumos é tão elevado, que o Exército tem que fazer a compra no exterior. Tem sido assim com capacetes e coletes, sendo que os capacetes têm que ser substituídos a cada cinco anos.

Em paralelo, esse mesmo setor do Exército está lidando com o aumento da demanda pelo cadastro de armas de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), em decorrência dos decretos que facilitaram a sua aquisição. Hoje, 36% das ações são automatizadas, mas em março serão 90%, estima a instituição.

 

Fonte: Valor

Data: 08/03/2021