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O voto da renovação

17.01.2020 | | Notícias do Mercado

O processo de renovação antecipada do contrato de concessão da Malha Paulista chegou ao Tribunal de Contas da União (TCU) em setembro de 2018. Foi quando o ministro relator Augusto Nardes – que tinha acabado de liberar a concessão da Ferrovia Norte-Sul – começou a se debruçar naquele que pretendia ser a primeira renovação antecipada de um contrato de concessão no setor ferroviário.

O ministro sabia da responsabilidade que tinha em mãos. Sob uma pilha de mais de 7 mil páginas de estudos e documentos, a análise foi minuciosa. À medida que avançava, mais eram necessárias reuniões com as equipes técnicas do TCU, da ANTT e da Rumo. Era preciso ajustar as imperfeições que, segundo Nardes, não foram poucas. “Muitas pessoas, de forma desconhecedora do processo, chegaram a dizer que houve uma demora, mas no meu gabinete o processo ficou em torno de quatro meses”, diz, destacando que o diálogo com diversas frentes pautou esse período e foi importante para basear seu voto.

De fato, a lista de exigências do TCU para permitir a renovação é longa e complexa. O acórdão aprovado no último dia 27 de novembro, com 286 páginas, traz um apanhado histórico do processo e discorre sobre valores de outorga, investimentos, tarifas de transporte, inventário e direito de passagem, entre outros pontos. Para Nardes, o documento é a síntese de uma nova modelagem para ferrovias no Brasil, uma quebra de paradigma que deverá servir de base, inclusive, para outras prorrogações. São cinco no total: as duas ferrovias da Vale (Estrada de Ferro Carajás e Estrada de Ferro Vitória a Minas), cujos estudos estão na mesa do Tribunal sob a relatoria do ministro Bruno Dantas, MRS, FCA e Malha Sul, esta última Nardes, embora não tenha ainda sido qualificada no âmbito do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo federal.

Nessa conversa com a Revista Ferroviária, Nardes falou sobre as principais questões incluídas no acórdão. Ressaltou também a necessidade de reformatação da ANTT, para aperfeiçoamento de processos. “Temos que ter avaliação de risco permanentemente numa Agência Nacional de Transportes Terrestres e nós temos que ter planejamento estratégico pensando não em curto prazo como vínhamos fazendo somente em planos plurianuais, mas temos que ter planejamento estratégico para 12 anos. Gostaria que estivéssemos pensando nas nossas ferrovias para 2040, 2050.”

João Augusto Ribeiro Nardes é formado em Administração de Empresas. Nasceu em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, e tem 67 anos. Foi vereador em sua cidade natal, deputado estadual e deputado federal entre 1973 e 2005, ano em que renunciou ao mandato para assumir o cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União. Tem pós-graduação em Política do Desenvolvimento pelo Institut Université d’Études, de Genebra, na Suíça, e especialização em Estatística do Trabalho pela Japan International Corporation.

 

Revista Ferroviária – De uma maneira geral, como o senhor avalia o processo de renovação da Malha Paulista?

Augusto Nardes – O processo estabelece uma nova modelagem, de fato, o diferencial é esse, uma nova modelagem de ferrovias no Brasil. Até porque é a primeira renovação e ela vai ter desdobramentos em mais cinco prorrogações que vão acontecer na sequência, da Estrada de Ferro Carajás, da Estrada de Ferro Vitória-Minas, da Ferrovia Centro-Atlântica, da Rumo Malha Sul e da MRS. Algumas já estão na mesa do TCU (EFVM e EFC). Então, a modelagem que se estabeleceu é totalmente diferente do que vinha sendo feito. Eu fui relator também da Ferrovia Norte-Sul, que viabiliza uma ligação com o Maranhão, no Porto de Itaqui, e forma um grande entroncamento do Norte à região Sudeste e depois, na sequência, para a Malha Sul e as demais malhas previstas no âmbito das prorrogações. Com a Malha Paulista também se estabelece a ligação com a Estrela D’Oeste que após a nossa decisão, já tomei conhecimento que foi contratada uma empresa espanhola (Sacyr) para fazer a complementação da Ferrovia Norte-Sul. Então, a nossa decisão libera um novo momento para as ferrovias no Brasil.

 

RF – O TCU recebeu autoridades e entidades para discutir a renovação da Malha Paulista? Como foram essas reuniões que antecederam o voto?

AN – Recebemos integrantes do governo de São Paulo, que estiveram com a gente duas vezes, até mesmo o governador, o João Doria, o vice-governador, Rodrigo Garcia e o secretário dos Transportes Metropolitanos. Recebi também o governador do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Tive a oportunidade de receber o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e outras autoridades, como a ministra da Agricultura, cujo interesse está no agronegócio, mas também o presidente Bolsonaro, que se reuniu duas vezes conosco para tratar do assunto, e o ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em três oportunidades. Fiz audiência pública com mais de 150 pessoas, com lideranças do Brasil todo vinculadas às ferrovias e também nesse aspecto de reestabelecer um grande entroncamento de ferrovias de Norte a Sul, sendo que a mais importante é a Malha Paulista. Então, foi um diálogo muito intenso para nós, que construiu uma alternativa que praticamente vai possibilitar a retomada das ferrovias no Brasil.

 

RF – Como foi a interação entre TCU e ANTT nesse processo?

AN – A decisão do Tribunal de Contas da União que aperfeiçoa a modelagem é resultado de um avanço muito grande de nossa parte, porque quando recebemos o processo, há pouco mais de um ano, ele veio com muitas imperfeições e nós fizemos várias reuniões técnicas com as equipes do TCU e da ANTT e da própria Rumo, para fazer as correções antes da tomada da decisão. Muitas pessoas, de forma desconhecedora do processo, chegaram a dizer que houve uma demora, mas no meu gabinete foi em torno de quatro meses e eram mais de 7 mil páginas. Então, para poder aperfeiçoar eu tinha dois caminhos, um deles era mandar devolver o processo todo para a ANTT, o que atrasaria totalmente. O processo começou em 2014 e chegou ao TCU no final do ano passado, ficou no Ministério Público por quatro meses e depois ficou conosco mais quatro meses, mas durante todo esse período, a área técnica e nós vínhamos encontrando as imperfeições e chamávamos a ANTT para fazer as correções, para evitar de devolver o processo. Então, o TCU foi decisivo para o aperfeiçoamento do procedimento das novas ferrovias, da nova modelagem para o Brasil. E o que imperou aí foi o diálogo. Nós estamos vivendo uma nova fase e eu me orgulho de ter colaborado com esse contexto, de dar um novo rumo, um novo horizonte para as ferrovias no Brasil.

 

RF – Nesse período de conversas com o governo federal e ANTT o que mais foi observado?

AN – Na conversa que eu tive em meu gabinete com o presidente Bolsonaro, com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e com o próprio diretor da ANTT, Davi Barreto, enfatizei muito que a ANTT tem que ser reformatada e não pode mais continuar fazendo uma política amadora em relação a transporte terrestre. É necessário ter planejamento estratégico no que diz respeito a ligações e entroncamentos entre ferrovias, rodovias e hidrovias. Tenho trabalhado com o tema governança pública. Fui responsável pelos estudos que basearam o decreto que instituiu a Política de Governança Pública, assinado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017. Estamos criando agora um grande centro com o governo Bolsonaro, tenho feito palestras em todo o Brasil sobre centro de governo, governança pública e o desafio do país; lançamos dois livros com esse tema. Nesse contexto digo que se a ANTT não melhorar a sua governança, se não melhorar a avaliação de risco, e isso está no meu voto, nós teremos erros como tivemos ao longo desses últimos anos.

 

RF – Poderia nos detalhar melhor essa recomendação?

AN – Temos que ter avaliação de risco permanentemente numa Agência Nacional de Transportes Terrestres e nós temos que ter planejamento estratégico pensando não em curto prazo como vínhamos fazendo somente em planos plurianuais, mas temos que ter planejamento estratégico para 12 anos. A minha proposta inicial para o governo Michel Temer foi de 16 anos, temos que pensar 16 anos à frente. Gostaria que estivéssemos pensando nas nossas ferrovias para 2040, 2050, por isso que coloquei no voto também um gatilho que de cinco em cinco anos seja avaliada a tecnologia. A ANTT vai ter que avançar e o Davi Barreto assumiu um compromisso, na frente do Onyx Lorenzoni e do Tarcísio de Freitas. Eu cobrei, dizendo que é preciso modernizar, tem que utilizar toda uma política de modernização de tecnologia, de digitalização e de inovação no conjunto de trens brasileiros e por isso que eu previ uma cláusula de avanços e de gatilhos permanentes para aperfeiçoamentos tecnológicos.

 

RF – Como assim?

AN – Considero a tecnologia utilizada em boa parte das ferrovias brasileiras ao longo do tempo totalmente fora do contexto mundial. Eu já conheci ferrovias como a que está sendo projetada pela Hyperloop, que já tem os trens sendo feitos, projetados e testados a 1.200 km por hora. Acho que a nossa tecnologia é atrasadíssima, apesar de que a Rumo está tentando aperfeiçoar isso, mostrando seus vagões duplos (double stack), que já é um avanço, mas ainda temos muito a percorrer, especialmente para melhorar a nossa competitividade em relação aos americanos. A modelagem que está sendo implantada é inspirada na americana, avançou-se nisso, mas perde-se muito em relação à competitividade dos trens, especialmente de passageiros, como existem na Europa, Japão e China. Nos anos de 1980, quando vivi no Japão e Suíça durante quatro anos, eu viajava no TGV e no trem bala no Japão.

 

RF – O seu voto também especifica pontos relacionados ao transporte de passageiros?

AN – Sim, esse foi outro aspecto importante estabelecido no voto, que trata da necessidade de se fazer contornos em relação às ferrovias que temos hoje, especialmente em São Paulo, definir quais trechos podem ser utilizados pelos municípios ou até para se fazer o Trem Intercidades que São Paulo deseja fazer.

Passado o acórdão, tive uma reunião com o governador de São Paulo, para aprofundar essa discussão, apesar de já termos discutido em três reuniões anteriores. Então nós vamos avançar nisso. Eu considero esse voto, portanto, um grande avanço, de uma grande contribuição do TCU. Me empenhei ao máximo para fazer uma conciliação, conversei com cada ministro, procurei conversar com todos os setores para sair um voto vencedor e que pudesse estabelecer esse novo horizonte das ferrovias no Brasil.

 

RF – O senhor explicita no acórdão que o compartilhamento da malha é uma de suas preocupações. Quais são as principais mudanças em relação ao direito de passagem com a renovação da Malha Paulista?

AN – A questão do direito de passagem está mais clara, a Rumo não vai poder ocupar todo o trecho, chegando a 90% de ocupação do trecho, a empresa terá que aper feiçoar e fazer melhorias para sempre deixar o direito de passagem a outras empresas garantido, inclusive, a transportadores independentes. E também terá que ter uma política específica para transporte de passageiros e que será feita em meio a um grande interesse do governo de São Paulo. Então acredito que nós conseguimos estabelecer normas, por exemplo, uma das questões importantes é que se houver qualquer tipo de impedimento do direito de passagem, a empresa é obrigada a informar à ANTT – e nós vamos fiscalizar a ANTT – porque não deu o direito de passagem, então, automaticamente o direito de passagem passa a acontecer a todo o momento, porque tem uma cláusula que eu previ nesse sentido.

 

RF – Houve também um cláusula específica para questão do inventário da malha?

AN – Em relação à questão do inventário que é outro tema muito importante, a gente estabeleceu que o inventário deverá ser feito dentro de um prazo de um ano e oito meses, se deixar de ser feito, vão ser glosado os valores dos ativos do inventário. Claro que a decisão vai ser da ANTT, eu passei para a ANTT essa liberdade de escolha, mas ficou muito claro no voto de que é necessário ser feito o inventário para que a empresa, no caso vencedora, se não fizer, ela terá um prejuízo financeiro.

 

RF – O valor da outorga foi amplamente abordado no acórdão. Poderia nos resumir o que foi recomendado?

AN – A grande mudança que houve é que a concessionária terá que pagar anualmente conforme o movimento da ferrovia. A ANTT fará o levantamento anual de qual é o faturamento da empresa e estabelecerá um valor com base na receita ao longo do período de concessão. No estudo enviado ao TCU, a ANTT fez a estimativa/ projeção de todas as receitas a serem auferidas, para fins de cálculo do valor da outorga. A unidade técnica do TCU, porém, identificou diversas inconsistências e subestimativas nos cálculos de receitas realizados pela ANTT, o que tenderia a reduzir o valor da outorga. Tal assunto é abordado em detalhes na seção VIII do meu voto (Das receitas consideradas na modelagem econômico financeira), inclusive é detalhado como será esse novo formato que, em vez de estimar desde já o valor da outorga, com base em projeções de cenários até 2048, será incluída no aditivo uma fórmula que atualiza anualmente o cálculo da outorga em função das receitas obtidas sobre o volume real transportado e demais receitas que vierem a ser efetivamente ocorridas. Evita-se, com isso, o risco de subestimar as receitas, que acarreta prejuízos ao governo, ou de superestimá-las, o que tornaria a concessão inviável para a Rumo.

 

RF – Que inconsistências foram encontradas?

AN – Falando especificamente sobre a Malha Paulista, a ANTT projetou, de um lado, as despesas de investimento (Capex), as despesas para manutenção (sustaining) e as despesas operacionais (Opex) e, de outro lado, fez uma previsão para as receitas. A diferença entre as despesas totais e as receitas estimadas totais representa a outorga, que no caso, foi de R$ 2,2 bilhões. Porém, ao longo da auditoria – antes da conclusão da equipe técnica do TCU –, a ANTT já havia providenciado algumas correções, o que elevou esse valor para R$ 2,6 bilhões. Esse é o valor que está sendo mencionado no voto. A regra geral nas concessões e também na Malha Paulista prevê o pagamento parcelado dessa outorga.

 

RF – E a outorga variável?

AN – Porém, em vez de fazer projeções de receitas da concessionária, o que, por sua imprecisão, gera inevitavelmente risco de subestimativa ou superestimativa, propus criar uma “outorga variável”, ou seja, anualmente a ANTT deve verificar qual a receita real auferida pela concessionária e atualizar o cálculo da outorga. Com isso, o ‘piso mínimo’ a ser pago de outorga será o valor que a ANTT calcular após os ajustes determinados pelo acórdão: despesas de investimento para aumento de capacidade de carga + despesas de investimento para conflitos urbanos + despesas de manutenção + despesas operacionais – receitas totais previstas. Além disso, anualmente será revisto esse cálculo para considerar as receitas reais da concessionária. Se as receitas reais forem inferiores à projetada mantém-se inalterado o valor da outorga; se as receitas reais superarem as projetadas pela ANTT, há um ajuste no valor da outorga e parte desse aumento das receitas se converte em outorga adicional.

 

RF – E a questão da reversão da outorga para obras de solução de conflitos urbanos?

AN – A reversão da outorga para realização de investimentos em obras para solução de conflitos urbanos era a proposta da ANTT e do Ministério da Infraestrutura. Contudo, considerei ilegal esse mecanismo, conforme detalhei na seção V (Dos investimentos previstos para mitigação de conflitos urbanos). Na referida seção, digo que não é possível a concessionária internalizar para si o valor da outorga para aplicação em investimentos imprecisos. Em vez disso, a ANTT deve definir exatamente quais serão os investimentos em conflitos urbanos que devem ser realizados, elaborar os respectivos projetos e orçamentos, e incluí-los na modelagem econômico-financeira da concessão. O saldo dessa modelagem deve ser pago pela concessionária a título de outorga, que, como disse anteriormente, terá seu valor revisto anualmente.

 

RF – Então os investimentos em conflitos urbanos devem ser incluídos no Capex…

AN – Sim. Os investimentos em conflitos urbanos deverão ser incluídos no Capex e o saldo receitas–despesas pago a título de outorga. Essa outorga será parcelada. Anualmente esse valor de outorga será revisto para considerar as receitas efetivas da concessionárias e, havendo ágio, ajusta-se o valor da outorga de modo a “dividir” esse ágio com o governo. Suponhamos que a ANTT defina que esses investimentos em conflitos urbanos totalizem R$ 2 bilhões (a ANTT ainda não tem todos os projetos, mas já está prevendo que tais investimentos totalizarão essa ordem de grandeza). Logo, restaria um saldo de R$ 0,6 bilhão (R$ 2,6 bi – R$ 2 bi), que deverá ser pago a título de outorga.

 

RF A expectativa era assinar o termo aditivo ainda em 2019, mas foi um processo longo e bem detalhado. O TCU fez uma série de exigências, que inviabilizam essa expectativa…

AN – Houve contradição de um ministro que solicitou que fosse retirado o processo da pauta, o que inviabilizou a assinatura em 2019, apesar de todos os apelos que eu fiz para aprovarmos na primeira seção, no dia 20 de novembro, já que a matéria vinha sendo discutida há muito tempo. Fiz o meu voto com 15 dias de antecedência. Eu lamentei, porque atrasa um pouco. Poderia, sim, ter sido assinado, se não houvesse essa falta de compreensão por um dos ministros do Tribunal que pediu para retirar o processo. Mas de qualquer forma conseguimos aprovar o processo por unanimidade, de maneira positiva. Podemos dizer quer foi uma decisão consensual.

 

RF – O TCU também determinou a entrega de um relatório com 15 dias de antecedência da data prevista de assinatura do contrato. O que o senhor espera desse relatório?

AN – São vários fatores que nós colocamos, por exemplo, o pagamento de dívidas passadas da Rumo, que ela terá que demonstrar esta quitação. Esse é um dos pontos entre tantos outros mais, pela informação que eu tenho, que a própria empresa forneceu à ANTT, eles já estão providenciando para cumprir isso dentro do prazo.

 

RF – Há um consenso no mercado priorizando o modelo vertical e o TCU indicou que quer a abertura da malha para possíveis operadores ferroviários independentes. Isso contraria o que é esperado pelas concessionárias. Como o senhor observa essa mudança?

AN – O modelo vertical se dá porque o governo está sem recursos, porque o país praticamente quebrou, nós tivemos uma queda em 2014, 2015 e 2016 de 8,4% do PIB. Com isso deixaram de circular quase R$ 2 trilhões em três anos, 8,4 % negativo. O país está inviabilizado economicamente para fazer investimentos com recursos da União, mas por outro lado é preciso retomar o crescimento. A nossa decisão que estabelece a máxima ocupação até 90% e a cada vez que chega aos 90%, a concessionária é obrigada a fazer obras reparadoras para viabilizar a passagem de terceiros possibilita a inclusão de transportadores. Mas o ideal é que tivéssemos um sistema horizontal, o que requer do governo dinheiro para investir, mas como não há recursos, nós somos dependentes das empresas. Isso tem acontecido ao longo da história, o sistema ferroviário sempre aconteceu dessa forma. Os trens, ao longo da história nos EUA, no Brasil, no passado, quando Dom Pedro fez toda a abertura de ferrovias no país, foi feito desta forma, com direito de exploração de uma empresa para chegar ao desenvolvimento.

 

RF – O acórdão tem pontos que ressaltam essa necessidade de ampliação da capacidade de investimento da concessionária?

AN – Eu acho que é um novo momento, apesar de estarmos falando de uma empresa muito competente, que é a Rumo, eu crio uma série de cláusulas para viabilizar a capacidade de investimento da empresa, já que o governo federal não tem um sistema horizontal. O governo optou pelo sistema vertical, mas eu sugiro também no voto, que seja estudado num outro momento econômico que o Brasil tenha condições de examinar futuramente o sistema horizontal, para modernizar e criar uma competitividade de passagem maior e não somente o sistema vertical que praticamente dá esse direito a uma empresa, embora o direto de passagem esteja garantido, conforme relatei no voto.

 

RF – O senhor recebeu, durante o processo, estudos e sugestões de entidades ligadas ao setor de transporte?

AN – Sim. A Confederação Nacional de Transporte esteve conosco em duas oportunidades. O presidente Vander Costa nos trouxe uma série de sugestões muito pertinentes, especialmente em relação à questão da horizontalidade e para viabilizar mais a competição. Foi muito importante, o que me fez recomendar no voto que isso fosse avaliado futuramente, por isso eu propus que a proposta da CNT fosse avaliada nas próximas prorrogações. Eu entendo que o ideal é que pudéssemos ter um sistema misto entre vertical e horizontal.

 

RF – A atual situação da indústria ferroviária também foi um ponto de reflexão para a sua tomada de decisão?

AN – Acho que esse ponto é um divisor de águas para a retomada das ferrovias, especialmente para produção de vagões, porque em visita a São Paulo encontrei uma empresa que tinha 1.500 funcionários e hoje está somente com 40, e outra já funcionando com a perspectiva da Ferrovia Norte-Sul e da Malha Paulista voltarem, então o nosso voto viabiliza novamente a retomada da indústria ferroviária no Brasil. Considerei também muito importante a participação da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária, na figura do Vicente Abate, que fez uma série de sugestões para mim. Recebemos também a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos. Vários ajudaram até chegarmos aqui.

 

RF – A análise do processo de renovação da Malha Paulista vai ajudar na renovação dos outros contratos? De que forma?

AN – Vai ajudar sim, porque houve uma votação aceitando essa modelagem. Eu não sou o relator dos outros processos que já chegaram ao Tribunal, mas o que eu posso afirmar é que a nossa decisão facilita ou abre uma discussão já com uma modelagem que pode ser bem conseguida para os demais, mas isso vai depender de cada relator. Eu estou a par de que vamos ter cinco ferrovias pleiteando prorrogação, mas eu não posso falar nada além disso, porque não cabe a mim. Eu sou o relator da Malha Paulista e da Norte-Sul. No momento os processos da Vale já estão com o ministro Bruno Dantas, que será o relator, mas os outros processos ainda não chegaram. Não posso falar do que ainda não está aqui.

 

RF – Ainda tem espaço para as próximas trazerem novidades em termos regulatórios e de investimentos das concessionárias?

AN – O mundo está em constante evolução e as inovações acontecem permanentemente, então é claro que vão ter avanços e podemos aperfeiçoar, mas o importante é que foi tomada uma decisão que estabelece uma nova modelagem especialmente de cobrar sobre o movimento da ferrovia, o que eu acho um fato inovador.

 

Fonte: Revista Ferroviária – Ed. Nov/Dez 2019 – Pág. 10/16