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TCU aponta tendência de migração de investimentos e cargas para TUPs

02.06.2020 | | Notícias do Mercado

A Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária do Tribunal de Contas da União (Seinfra Porto/Ferrovia-TCU) finalizou auditoria operacional sobre as limitações dos portos organizados em comparação com terminais de uso privado (TUPs). O relatório concluiu que os números relativos a investimentos, licitações realizadas pelo governo e respostas aos questionários respondidos pelo setor empresarial indicam que existe tendência de fuga do porto público, com parte da demanda migrando para os TUPs. O documento apontou que, apesar de ter apresentado avanços, o processo licitatório para arrendamento portuário é complexo, rígido e moroso, incompatível com a agilidade necessária para a otimização do espaço público. O trabalho ainda será analisado em plenário, sob relatoria do ministro Bruno Dantas.

Os auditores do TCU entenderam que o modelo de contrato de arrendamento portuário não confere aos terminais arrendados e à autoridade portuária a flexibilidade necessária para permitir adaptações das operações ao dinamismo dos fluxos de comércio, gerando consequências negativas durante e após a execução contratual. Para equipe da Seinfra Porto/Ferrovia, a dificuldade de contratar e a falta de recursos das autoridades portuárias prejudicam a prestação de serviços adequados ao complexo portuário.

O relatório considerou ainda que nomeações de gestores sem qualificação técnica ou gerencial representam obstáculo à gestão profissional, orientada a resultados, transparente e eficiente de autoridades portuárias. O documento acrescentou que o monopólio do órgão gestor de mão de obra (Ogmo) sobre o fornecimento de mão de obra representa limitação imposta aos terminais arrendados. “Verificou-se que as limitações identificadas afastam investidores dos portos públicos, com prejuízos à União e ao setor portuário, com impactos negativos no comércio exterior e no Custo Brasil”, concluíram os auditores. Dessa forma, muitos agentes privados preferem implantar TUPs, quando possível. A situação agrava a ociosidade observada em portos públicos que, por sua vez, leva a uma série de outros efeitos nocivos, como perda de oportunidades para o porto e possíveis arrendatários; perda de receitas das autoridades portuárias, pela baixa ocupação, levando à insustentabilidade financeira e incapacidade de investimentos.

A Seinfra Porto/Ferrovia também citou prejuízos à União, com a subutilização da infraestrutura, dos ativos públicos do porto e necessidade frequente de aportes às autoridades portuárias; limitação ao crescimento da capacidade instalada e à atração de investimentos; perda de eficiência do sistema como um todo que, em última instância, se reflete em maior custo de movimentação de cargas e aumento do Custo Brasil. A fragilidade dos portos públicos também dificulta a inserção dos bens e serviços brasileiros no mercado internacional, aumentando o Custo Brasil, com sérios impactos negativos em nossa competitividade. “Em uma era de globalização, intenso desenvolvimento tecnológico e inserção de indústrias em cadeias globais de produção as dificuldades enfrentadas pelos portos públicos constituem importantes entraves ao desenvolvimento nacional e à geração de riqueza, frequentemente gerando perda de oportunidades”, salientou o documento.

Os auditores notaram que a experiência brasileira vai na contramão da prática internacional preponderante. Na maioria dos países referência no setor portuário, os terminais tendem a se instalar em portos organizados, no modelo de exploração conhecido como Landlord, enquanto no Brasil, a maioria dos investidores, quando possível, preferem se instalar fora das poligonais dos portos organizados. O trabalho, realizado entre agosto de 2019 e março deste ano, utilizou como referências internacionais os portos de Roterdã, Antuérpia e Houston, além de sistemas portuários da Espanha, Reino Unido, Austrália e Portugal.

A equipe de auditoria ressaltou que os TUPs não estão livres de problemas e restrições, inclusive semelhantes aos arrendados, como aqueles terminais privados localizados próximos aos canais de acesso de portos públicos com deficiências de dragagem. O relatório levantou que, nos últimos seis anos, os terminais privados investiram cerca de R$ 33,2 bilhões, enquanto o investimento resultante dos leilões realizados para arrendamento em portos públicos no mesmo intervalo chegou a R$ 3,3 bilhões, aproximadamente 10% do valor investido pelos TUPs.

A equipe de auditoria perguntou a representantes terminais de todo o país qual seria a preferência de negócios se as empresas fossem expandir as atividades com um novo terminal. Nos questionários formulados pelos técnicos do TCU, 86% dos terminais arrendados responderam que prefeririam investir em um TUP e 14% em terminal arrendado. A mesma pergunta foi feita aos terminais privados, sendo que 96% afirmaram que investiriam em TUP e apenas 4% em terminal arrendado. O relatório apontou que tal resultado revela claramente a falta de atratividade atual do porto público. Outro questionamento indagou qual seria preferência das empresas em uma expansão, caso o modelo Landlord no Brasil não tivesse as falhas apontadas, sendo mais eficiente, flexível e provendo serviços de qualidade aos terminais arrendados. Neste caso, 65% afirmaram que prefeririam terminal arrendado, enquanto 35% escolheriam o TUP. Entre os TUPs, 48% responderam que optariam por terminal privado e 52% por arrendado.

O relatório ponderou que o trabalho não tem finalidade de estender as amarras e dificuldades encontradas nos portos públicos aos terminais privados, e sim buscar dar luz aos principais problemas e amarras que prejudicam os portos públicos. A conclusão é que, com planejamento adequado, TUPs e terminais arrendados podem coexistir em um ambiente harmônico e competitivo. “Espera-se contribuir para melhor desempenho do setor portuário, aumentando a taxa de ocupação do espaço no porto público e incentivando a gestão mais eficiente desses locais, o que, em última instância, diminuirá o Custo Brasil e facilitará a integração do país no comércio global”, destacou.

O TCU recomendou que o Ministério da Infraestrutura, com apoio da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), avalie a conveniência e oportunidade de propor alterações legislativas ou adotar procedimentos administrativos, como a edição de diretrizes ou normativos infralegais. O tribunal orientou a utilização de procedimentos simplificados para a seleção de arrendatários em casos específicos, inclusive por meio de dispensa (inexigibilidade), mediante a adoção de critérios objetivos e transparentes, sem que comprometa o interesse público, a vantajosidade para a autoridade portuária e a aderência às diretrizes da política portuária vigente.

A Seinfra Porto/Ferrovia demonstrou a necessidade de criar mecanismos contratuais que viabilizem a exploração das áreas operacionais dos portos organizados em casos específicos para os quais o arrendamento não seja adequado, a exemplo de contrato de uso temporário. O trabalho da secretaria sugeriu flexibilizar e simplificar os contratos de arrendamento, aproximando-os das melhores práticas internacionais. Entre os pontos de melhoria identificados está a retirada das cláusulas de reversibilidade dos bens dos contratos de arrendamento portuário, quando técnica e economicamente justificável, e estabelecendo a obrigatoriedade de o arrendatário devolver a área, ao término do contrato, da mesma forma que a recebeu, salvo se for do interesse da autoridade portuária que alguma eventual modificação ou investimento realizado seja mantido. Outra recomendação vai no sentido de admitir a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro apenas em casos excepcionais, caso demonstrado que os ganhos auferidos pela autoridade portuária justifiquem algum tipo de compensação.

O relatório também recomendou que as autoridades portuárias fomentem o desenvolvimento de estruturas internas capacitadas para o desenvolvimento e gerenciamento de projetos, incluindo a elaboração de EVTEAs (estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental), dando mais agilidade e eficiência aos processos de arrendamentos. O TCU também orientou o Minfra e Antaq a avaliarem a possibilidade de proposta legislativa visando ao fim do monopólio do Ogmo no fornecimento de mão de obra portuária e à transição para um sistema que permita ganhos de eficiência ao setor e estimule a capacitação e a especialização dos trabalhadores.

O documento solicita que o ministério e agência reguladora considerem requisitos previstos no na Lei 13.306/2016 para a nomeação de cargos intermediários de gestão nas autoridades portuárias sob administração federal, e que seja conferida a devida transparência aos critérios motivadores da escolha de cada gestor. Recomenda ainda que desenvolvam um modelo de regulamento próprio de licitações e contratos adequado às contratações de obras e serviços necessários ao bom funcionamento dos portos organizados, e coordene sua implantação pelas autoridades portuárias sob sua supervisão, levando em consideração as peculiaridades de cada uma.

A Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) avalia que o TCU reconheceu que terminais arrendados estão sendo prejudicados pelas amarras criadas, principalmente a partir da Lei 12.815/2013. O presidente da ABTP, Jesualdo Silva, acredita que o relatório confirmou que a atividade de exploração portuária é privada e de alta concorrência, o que permite que terminais portuários no Brasil disputem cargas entre eles e também com portos de outros países da América Latina. “O Brasil vai precisar quebrar muitas amarras para essa retomada. Hoje, portos organizados têm ociosidade de 56%”, analisou.

Silva observa que o empresariado prefere começar do zero e arcar com acessos, quando o porto organizado deveria ser o local natural, com infraestrutura disponível, para atrair os investidores. Ele compara as condições atuais a um ciclo vicioso, que começa na ociosidade do porto, gerando tarifas caras e dependência de recursos do governo federal, impedindo que as administrações portuárias sejam autossustentáveis. Para Silva, é preciso destravar o ambiente regulatório a fim de garantir liberdade e celeridade de investimentos. “Precisamos mudar o arcabouço legal e dar profissionalismo como o mundo inteiro faz. Vamos ter que colocar esforços e criatividade para atrair capital externo”, defendeu. Ele reconhece que os TUPs também são impactados e a importância de os dois modelos existirem.

A Associação de Terminais Portuários Privados (ATP) avaliou que o diagnóstico do relatório foi bem feito e não trouxe surpresas, ressaltando que os TUPs também possuem questões complexas. “Não vivemos num céu de brigadeiro. Existe uma série de questionamentos como empreendimento privado, com riscos de de natureza regulatória”, ponderou o presidente da ATP, Murillo Barbosa. Ele citou o processo de licenciamento que os terminais de uso privado precisam começar do zero nos projetos greenfield.

Barbosa disse que a principal crítica da ATP está relacionada à assimetria regulatória. Ele defende que nem tudo que se aplica ao arrendatário pode se aplicar ao TUP, que tem investimentos totalmente privados. Segundo o presidente da associação, enquanto o arrendatário tem no contrato de arrendamento reequilíbrio econômico, os TUPs estão ao seu próprio risco. “Não pode haver controle sobre preços. Nosso plano de negócios tem que considerar momentos de pouca demanda e ter estrutura financeira para resistir”, afirmou.

 

Fonte: Portos e Navios

Data: 01/06/2020