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Transporte público pós-pandemia, mais perguntas do que respostas

12.06.2020 | | Notícias do Mercado

Peter Alouche, engenheiro eletricista, professor, especialista em sistemas metroferroviários, consultor independente de transporte nas áreas da tecnologia.

A pandemia do Covid-19 foi um verdadeiro e inesperado tsunami que se abateu sobre a saúde e a vida das populações do mundo inteiro. As cidades mais populosas, despreparadas, foram as mais atingidas. Paralisadas e isoladas, sua economia desabou. O transporte público foi, em consequência, um dos setores que mais sofreu. Segundo o secretário geral da UITP, Mohamed Mezghani, houve nas cidades europeias uma queda de mais de 90% de usuários e que se prolongou por meses. Não foi diferente nas cidades brasileiras. A população perplexa e com medo de ser infectada pelo vírus preferia, quando podia, usar seu próprio veículo e evitar o transporte público.

Verdadeiros paradoxos começaram a surgir para as operadoras do transporte público. Diminuir a oferta face à queda da demanda ou aumentar a oferta para reduzir a lotação dos veículos? Medidas rígidas de controle da lotação dos veículos foram tomadas para evitar o acúmulo e a proximidade das pessoas. Economicamente, foi um golpe duro para a maioria das empresas e muitas quebraram financeiramente. Recorreram ao poder público que, submergido na crise econômica e sanitária e com total falta de recursos, não tinha como socorrer a todos.

O transporte sobre trilhos em São Paulo e Rio também foi muito atingido. Viu sua frequência cair repentinamente. E também enfrentou o dilema de aumentar ou não a oferta de trens para diminuir a lotação dos veículos. Para garantir a saúde dos seus usuários e funcionários, Metrô e CPTM, reagiram de imediato face à pandemia, tomando medidas urgentes e drásticas, como a desinfecção sistemática dos veículos e ambientes, seguindo as melhores práticas de outros sistemas no mundo. Além de adotar ações de conscientização, estabeleceram novas rotinas com os trens que passaram por uma higienização rigorosa toda noite, além de uma limpeza rápida a cada viagem.

O uso de máscara tornou-se obrigatório no transporte público. As estações e terminais foram submetidos a controles sanitários e houve um aumento de distribuição de desinfetantes e também máscaras aos usuários. O Metrô de São Paulo, sempre inovador, além dessas medidas tomou também ações institucionais, como o lançamento de chamamentos públicos para implantar na entrada das estações, postos de esterilização e totens de álcool em gel para os usuários.

Todo esse panorama criou uma crise, sem precedentes, no transporte público. Surge então a seguinte pergunta que todos se fazem: Como será o seu futuro depois da pandemia? Em curto prazo o poder público vai evidentemente tentar, a todo custo, garantir que o transporte público continue operando, como antes da pandemia, dando um apoio financeiro, pelo menos temporário às empresas operadoras. A população vai continuar a evitar, quando possível, o transporte público, preferindo o seu carro particular, a bicicleta ou mesmo os percursos a pé. Há quem ache que a frequência no transporte voltará ao “normal” porque nas grandes cidades é muito difícil enfrentar os grandes congestionamentos causados pelo uso do carro particular. Nas cidades médias e pequenas, o uso do carro particular, que é mais realista, deverá provavelmente comprometer o transporte público.

Mas no longo prazo, tudo será certamente diferente. Os comportamentos vão mudar e, por muito tempo, não se voltará à antiga “normalidade”. As próprias cidades vão se reestruturar. Os urbanistas nos seus projetos vão ter que sanar os graves problemas habitacionais e tornar os ambientes mais seguros levando em conta possíveis surtos sanitários. Serão criados espaços suficientemente vazios para evitar aglomerações. O isolamento da população mostrou que é insustentável as pessoas ficarem retidas em habitações exíguas. As calçadas serão mais largas e mais ciclovias serão construídas. O trabalho à distância, para quem pode, indicou que é preferível morar em lugares mais isolados, longe dos centros adensados, para não enfrentar longos deslocamentos.

Mas o transporte público nas grandes cidades continuará a ser vital, principalmente para a população menos favorecida. Só que ele vai ter que se reinventar. O diálogo entre os municípios das regiões metropolitanas vai ter que existir, com criação obrigatória de uma autoridade única para a gestão dos transportes. O poder público vai ter que introduzir profundas modificações na sua política, no seu planejamento e nas suas prioridades em termos de transporte. Como será? Ninguém sabe com certeza.

Equilibrar as despesas operacionais com a tarifa já se comprovou ser impossível. Por outro lado, o poder público, sem recursos, e com novas prioridades vai ter que criar novas fórmulas para garantir os investimentos necessários em trilhos e corredores de ônibus. Vai tentar apostar em recursos privados através das parcerias público-privadas (PPP) que, até agora, não tiveram muito sucesso. Terá que criar novos modelos para dar garantias jurídicas e retorno financeiro ao investidor. Como será?

Enfim, a preocupação no transporte público do amanhã é de como será a atitude dos usuários, uns em relação aos outros, em função do distanciamento social insuficiente nos veículos. A questão que se coloca é se este relacionamento pessoal voltará à “normalidade” com o respeito, a atenção aos mais idosos e a cordialidade que, em geral, sempre existiu no transporte, ou se reinará a desconfiança e a agressividade, função do medo, que Sartre definiu como “o inferno são os outros”? Há mais perguntas do que respostas.

 

Este artigo foi originalmente publicado pela revista Brasil Engenharia – Edição 02/2020