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Trem de SP a Campinas terá dois modelos de vagões e tarifa subirá durante a obra

18.05.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Folha S. Paulo
Data: 16/05/2023

Na estação Piqueri, na zona norte de São Paulo, os trens passam em dois sentidos, porém há três trilhos. Essa terceira via costuma ficar ociosa, mas as coisas podem mudar. Se os planos do governo do Estado derem certo, aquele terceiro trilho poderá ser o caminho de algo que sumiu do Brasil há décadas: os trens intercidades.

No fim de março, o governo de São Paulo lançou um edital para a criação de um serviço de trens entre São Paulo e Campinas.

Em nota, a Secretaria de Parcerias e Investimentos disse que a proposta recebeu interesse de grupos brasileiros e de países como França, Espanha, China e Coreia do Sul. Em junho, a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) fará um roadshow para divulgar a proposta.

Se tudo ocorrer como previsto, o leilão será em novembro. Depois, serão cerca de oito anos de obras, e as primeiras viagens devem partir em 2029, nas linhas paradoras. O trem expresso estreará em 2031.

O plano é criar três serviços. O principal será um expresso, da estação Barra Funda até o centro de Campinas, com parada apenas em Jundiaí. O trem poderá chegar a 160 km/h e percorrer o trecho todo em cerca de uma hora.

O segundo, chamado de TIM (Transporte Intermetropolitano), conectará Jundiaí a Campinas, com cinco paradas. E o terceiro já existe: é o ramal 7-rubi da CPTM, que liga cidades da Grande São Paulo e bairros da zona norte de São Paulo, como o Piqueri, ao centro da capital.

No entanto, a linha 7 será encurtada: passará a ir apenas até a Barra Funda. O ramal recebeu 10,8 milhões de embarques em suas estações em outubro de 2022, segundo a CPTM. Na média, foram cerca de 350 mil pessoas por dia.

O governo determinou que a tarifa máxima para a viagem de São Paulo a Campinas seja de R$ 64. No entanto, segundo a proposta de contrato, este valor será reajustado anualmente, mesmo durante a fase de construção, a partir de uma conta que considera as variações do INCC (Índice Nacional de Custo de Construção), do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) e das tarifas de energia. Assim, o valor a ser pago pelos passageiros quando a linha começar a operar levará em conta a inflação acumulada durante o período de obra.

O custo total do contrato foi estimado pelo governo em R$ 12,47 bilhões. O governo do estado se propõe a pagar cerca de R$ 6 bilhões ao longo dos sete anos previstos para as obras. É o chamado aporte máximo.

Além disso, depois que a obra estiver pronta, o governo prevê pagamentos anuais de R$ 500 milhões à empresa que vencer a licitação e operar as linhas, totalizando R$ 13,7 bilhões. O valor é chamado de contraprestação, a ser pago por 30 anos após o início da operação.

Vencerá a licitação quem der o maior desconto a estes pagamentos anuais. Caso os concorrentes optem por abater 100% do valor nesta categoria, a segunda fase da disputa terá como base os descontos dados ao aporte máximo, o de R$ 6 bilhões.

Este modelo de disputa foi usado na concessão do Rodoanel Norte, leiloado em março.

De acordo com o edital, o serviço operará com dois trens diferentes. A linha TIM (de Campinas a Francisco Morato) usará trens similares aos da série 9500 da CPTM, que rodam na linha 7-rubi. Eles possuem oito carros, com poucos assentos: a ideia é que só 22% dos passageiros viajem sentados quando o trem está cheio.

Já o expresso terá de levar de 800 a 1.100 pessoas sentadas. As poltronas terão de ter ao menos 50 cm de largura, espaço para esticar as pernas, tomada e mesa dobrável, o que permitiria ir trabalhando no computador ou comendo um lanche durante a viagem.

Atualmente, a prefeitura de Campinas estima que cerca de 40 mil pessoas se desloquem diariamente entre a cidade e a capital. Elas vão de carro ou ônibus, em uma viagem que pode durar de duas a três horas, se tiver trânsito. O trem promete fazer o mesmo trajeto em cerca de uma hora.

O governo do Estado estima que o trem expresso poderá atender até 61,2 mil passageiros por dia, em sua capacidade máxima. Já os outros dois serviços devem transportar 632 mil viajantes por dia.

“A estimativa de demanda é fundamental para o sucesso do projeto. Tanto que as empresas interessadas costumam fazer seus próprios estudos, em vez de se basear apenas nos dados do governo”, comenta Marcos Quintella, diretor da FGV Transportes.

“Provavelmente vai ter demanda. Agora se essa demanda é suficiente para sustentar o projeto é outra história, porque os investimentos são altos”, pondera Quintella.

Embora a rota já tenha trilhos, será preciso eletrificar o trecho de Jundiaí a Campinas e fazer adequações ao longo do caminho. O edital prevê outras mudanças, como remanejar o pátio de trens no bairro da Lapa.

Outra alteração a ser feita é a construção de uma nova linha férrea, paralela ao traçado atual, para o transporte de cargas. A concessionária MRS concordou em fazer essa obra no ano passado, e tem até julho de 2029 para concluí-la.

CIDADES COM EXPECTATIVAS ALTAS

As cidades do interior que serão atendidas pelo projeto esperam que a obra traga mais empregos, moradores e valorização dos imóveis.

“Um reflexo que vamos ter é uma transformação para o setor imobiliário, com um amplo desenvolvimento em torno das estações”, espera Luiz Fernando Machado (PSDB), prefeito de Jundiaí.

Machado espera que a nova linha estimule a vinda de novas empresas para a cidade, assim como a realização de mais eventos lá.

Em Campinas, a prefeitura tem um projeto para conectar o novo trem ao aeroporto de Viracopos, por meio de outra linha férrea, que terá parte do traçado em via elevada. Segundo Vinicius Riverete, presidente da Emdec (Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas), ao menos duas empresas já demonstraram interesse no projeto.

As cidades da região fizeram acordos com o governo estadual para resolver questões locais que poderiam travar a criação da nova linha, como desapropriações de áreas vizinhas aos trilhos e melhoria de pontos de cruzamento da ferrovia com as ruas. Em Jundiaí, foram feitas 17 intervenções do tipo.

As prefeituras contam que as conversas com o governo estadual sobre a linha são feitas há alguns anos, desde a gestão de João Doria (então no PSDB) e Rodrigo Garcia (PSDB), que governaram de 2019 a 2022.

Especialistas em transporte apontam que as dificuldades do trânsito nas rodovias Anhanguera e Bandeirantes devem fazer com que as pessoas optem pelo trem, mesmo que ele seja um pouco mais caro que o ônibus.

“Um dos principais gargalos é a chegada na Marginal Tietê, algo que as concessionárias das rodovias não têm como resolver”, diz Creso Peixoto, especialista em transportes e professor da Unicamp.

Em metrópoles do hemisfério norte, como Nova York, Paris e Madri, é comum o modelo de trens de subúrbio, serviços intercidades e expressos circulando lado a lado. O modelo existe há décadas. Na Europa, houve melhorias como a adoção de trens de alta velocidade, que chegam a 300 km/h, em países como França e Espanha.

No Brasil, os trens intercidades chegaram a transportar 80 milhões de passageiros por ano, segundo a ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos). No entanto, a modalidade entrou em declínio a partir dos anos 1950, conforme os governos passaram a priorizar a abertura de estradas e o uso do carro.

“Em São Paulo, nem sempre os projetos saem com velocidade, mas várias linhas de metrô foram entregues nos últimos anos. Não é assim em outros estados. Em Belo Horizonte e Porto Alegre, temos projetos de expansão há anos que não saem do papel”, avalia Joubert Flores, presidente do conselho da ANPTrilhos.

A rota São Paulo-Campinas foi uma das primeiras ferrovias do Brasil, a Santos-Jundiaí, que entrou em operação em 1867. A extensão até Campinas passou a operar em 1872.

A ligação ferroviária foi muito importante para acelerar a economia de São Paulo, pois transportava café do interior do estado ao Porto de Santos e, no sentido contrário, levava imigrantes recém-chegados para as fazendas. Hoje, os trens da linha 7-rubi levam diariamente milhares de trabalhadores das periferias ao centro. Quando as portas se abrem na estação Piqueri, no horário de pico, muitas vezes é preciso empurrar os outros para conseguir embarcar.