15.12.2025 | ABIFER | Notícias do Mercado
Fonte: Valor Data: 15/12/2025
O destino da Ferrogrão deve chegar a um desfecho em 2026, após 14 anos de discussões. A ferrovia, um projeto greenfield de 933 km de trilhos entre Sinop (MT) e os portos fluviais do rio Tapajós no distrito de Miritituba, em Itaituba (PA), deverá ter seu edital de licitação no próximo mês de junho e leilão em setembro, conforme novo cronograma disponibilizado pelo Ministério dos Transportes. O projeto está em fase final de elaboração na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que já anunciou que o irá encaminhar ainda em dezembro para a análise do Tribunal de Contas da União (TCU).
De acordo com o Ministério dos Transportes, o capex, ou seja, o custo para a implementação da ferrovia, está estimado em R$ 33,3 bilhões e o opex, que são as despesas operacionais, é previsto em R$ 103,8 bilhões. Os trilhos serão de bitola larga, com 1,60 m, e a ferrovia contará com três locomotivas e 170 vagões. O contrato de concessão será de 69 anos. A estimativa do ministério é que a ferrovia, quando estiver em maturidade operacional, transporte por volta de 66 milhões de toneladas por ano.
Desde que veio a público, em 2012, o projeto enfrenta questionamentos sobre viabilidade econômica e impactos socioambientais. Por outro lado, governo federal e produtores do Centro-Oeste definem a obra como fundamental para o escoamento agrícola. “O Mato Grosso é o principal produtor de grãos do país e o norte do Estado, região que será atendida pela Ferrogrão, é a que apresenta a maior expansão na produção”, diz Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica de infraestrutura e logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Na safra 2023/24, a produção de soja e milho no Estado alcançou 88 milhões de toneladas. A estimativa é que chegue a 144 milhões de toneladas na safra 2033/34, projeta o Ministério da Agricultura e Pecuária. “Vamos precisar construir não uma, mas várias ferrovias para atender a produção agrícola do Centro-Oeste”, diz Paulo Resende, especialista em logística da Fundação Dom Cabral (FDC). “Sem a Ferrogrão, temos uma alternativa pior, que é o transporte rodoviário. Mas vamos precisar de uma estrada larga, de três faixas de cada lado, para dar conta da produção que terá que ser escoada em dez anos”, diz Resende.
Os defensores da Ferrogrão destacam ainda que o transporte por ferrovia reduz em aproximadamente 50% as emissões de gases de efeito estufa em relação ao transporte rodoviário. “Cada comboio de 12 vagões retira da estrada 400 caminhões”, diz Lopes.
Atualmente, os grãos produzidos nas regiões central e norte do Mato Grosso são transportados pela rodovia BR-163 até os portos de Miritituba. Em abril, o custo do percurso de cerca de mil km estava em US$ 50 por tonelada, segundo a CNA. Esse valor poderia ser reduzido em até 30% com a ferrovia, calculam especialistas.
Para os ambientalistas, o impacto da obra pode ser de grandes proporções. Documento do Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra) estima que a ferrovia pode gerar um desmatamento de 2 mil km2 de florestas e promover a especulação fundiária na região, com a expulsão – à força ou negociada – de moradores tradicionais para abrir espaço para a expansão do plantio de grãos.
O traçado da Ferrogrão também corta um trecho de 49 km do Parque Nacional do Jamanxim (PA), onde vivem povos indígenas. Em 2016, uma lei alterou os limites do parque, com a supressão de 862 hectares da área, para possibilitar a implementação da ferrovia. O PSOL, porém, ingressou em 2021 com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a medida. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Flávio Dino.
O governo refez o projeto, dispensando a supressão da área, mas manteve o traçado no parque, ocupando exclusivamente a faixa de domínio da BR-163, que já atravessa o Jamanxim, e é uma área federal. A União está confiante que sairá vitoriosa do julgamento; o Ministério dos Transportes já programa para o início de 2026 um road show internacional para apresentar o projeto a investidores.
O consultor Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, por sua vez, avalia como improvável o sucesso da licitação. “A Ferrogrão só seria viável com forte subsídio estatal, mas o governo não tem recursos disponíveis para isso”, diz.
Segundo Frischtak, há alternativas para escoar a produção mato-grossense com melhor viabilidade econômica e menor impacto ambiental. A opção mais viável, afirma, é a conclusão da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico) entre Lucas do Rio Verde (MT) e Mara Rosa (GO), onde se conecta à Norte-Sul (FNS), acompanhada da implementação da extensão em 530 km da FNS entre Açailândia (MA) e Barcarena (PA), com acesso ao porto de Vila do Conde. “São ferrovias que podem ocupar áreas já antropizadas, com baixo impacto ambiental”, diz o consultor.