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Após crise, fundos de infraestrutura vivem ‘boom’

15.01.2024 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor Econômico
Data: 12/01/2024

Depois da tempestade, a bonança. No setor de crédito privado, quando a crise pós-Americanas e Light acalmou, ela veio com o retorno da captação dos fundos e a recuperação das emissões, incluindo um “boom” de ofertas de debêntures incentivadas, papéis que precisam estar ligados a projetos de infraestrutura e dão ao investidor isenção de Imposto de Renda.

Para se ter uma ideia, segundo dados da Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos, o volume emitido somente entre agosto e outubro levou o total do ano a dobrar. Os fundos focados nesses ativos, por sua vez, responderam ao interesse do mercado. Relatório do banco ABC Brasil já contabiliza 371 fundos com patrimônio total de R$ 73,7 bilhões. E, para este ano, a tendência é de um crescimento ainda maior, com a migração de recursos dos fundos fechados exclusivos, que passaram a ser taxados. Além disso, novos setores poderão lançar papéis na categoria isenta.

“Depois de um primeiro semestre difícil em 2023, com os eventos de crédito e grande abertura dos spreads, é natural que o investidor tenha passado a dar mais atenção às debêntures ligadas ao setor de infraestrutura, que é mais seguro, com fluxo de receitas mais estável”, avalia Pierre Jadoul, gestor de crédito privado da ARX Investimentos. Ulisses Nehmi, CEO da gestora Sparta, que tem R$ 9 bilhões sob gestão, prevê uma boa safra de emissões de incentivadas nos próximos meses e afirma que cresceram significativamente as consultas de gestores de fortunas por causa da taxação dos fundos exclusivos neste ano.

Seis novos setores podem, a partir deste mês, emitir debêntures isentas: educação; saúde; segurança pública e sistema prisional; parques urbanos e unidades de conservação; equipamentos culturais e esportivos; e habitação social e requalificação urbana. Até dezembro, os segmentos contemplados eram logística e transporte, mobilidade urbana, energia, telecomunicações, radiodifusão, saneamento básico e irrigação. Atualmente, o estoque de debêntures incentivadas, de acordo com Nehmi, chega a R$ 250 bilhões.

Jadoul lembra que o volume de emissões cresceu tanto em 2023 que os bancos ligados às operações tiveram que absorver os papéis. Dados da Anbima mostram que as emissões de incentivadas passaram de R$ 22,4 bilhões até agosto para R$ 58 bilhões até novembro, de um total emitido em debêntures (incluindo as corporativas) de R$ 196 bilhões, uma participação de 30%. Em 2022, a fatia havia sido de 15%.

“Para essa classe, foi um ano melhor do que o de emissões corporativas, indexadas ao CDI” — Jean-Pierre Cote Gil

Em novembro, na subscrição, 62,6% ficaram com os intermediários e demais participantes, seguidos por demais investidores institucionais e fundos de investimentos, com 15,4% e 14%, respectivamente, e somente 7,8% com pessoas físicas. Mas em maio, por exemplo, as pessoas físicas chegaram a ficar com 68,8% dos papéis. Segundo Alexandre Muller, sócio e gestor de crédito privado da JGP, a maior parte das operações envolveu grandes empresas de baixo risco, em operações orientadas para as bases de investidores de varejo.

“Nesse grupo, a disputa antecipada dos bancos pela garantia firme das ofertas comprimiu demais os spreads, gerando perda de atratividade.” Ele explica que os fundos de infraestrutura estão mais voltados às operações que envolvem projetos de maior complexidade e remuneração, que já não são absorvidos pelas bases do varejo.

O levantamento do banco ABC Brasil mostra que os fundos de debêntures incentivadas registram sete meses consecutivos de captação líquida positiva, de julho a dezembro de 2023, num total no ano de R$ 9,5 bilhões no azul. Já os de crédito privado fecharam o período machucados pela crise do primeiro semestre, mesmo com os últimos seis meses do ano de captação positiva. No total, somam resgates líquidos de R$ 40,5 bilhões, de acordo com o relatório da instituição, que considera 2.086 fundos, com R$ 1,62 trilhão de patrimônio líquido. “O ano de 2023 foi mais desafiador do que imaginávamos. Os resgates muito fortes obrigaram os gestores a se desfazerem de ativos muito rapidamente”, avalia Daniela Gamboa, chefe de crédito privado e imobiliário na SulAmérica Investimentos.

Nehmi lembra que a lei que permitiu a emissão das debêntures isentas é de 2011, mas, com crises econômicas e Operação Lava-Jato no meio do caminho, demorou a decolar. “O melhor exemplo do ano foi a emissão da Aegea, de saneamento, que em agosto captou R$ 5,5 bilhões. Há dois anos não se imaginava uma operação desse porte. O movimento estrutural de redução da participação dos bancos públicos no financiamento ao setor e avanço do mercado de capitais é o mais relevante nos últimos dez anos.”

Jean-Pierre Cote Gil, gestor de crédito da Vinland Capital, diz que os papéis de infraestrutura tiveram retorno melhor que o CDI em 2023. Na crise, afirma, os spreads subiram menos e voltaram com mais rapidez depois que o pior passou. “As últimas ofertas saíram por spreads de 0,3% a 0,4% acima da NTN-B [título atrelado ao IPCA] e, no mercado secundário, vemos operações entre 0,5% e 0,6%, o que corresponde a IPCA mais 6% a 7%. Para essa classe, foi um ano melhor do que o de emissões corporativas, indexadas ao CDI.”

Pela regra das incentivadas, o indexador precisa ser a inflação. Gil também ressalta que o prazo desses papéis é de 3,5 a 7 anos em média, enquanto as debêntures tradicionais são corrigidas pelo CDI e vencem em prazos de 1,5 a 3,5 anos. Ele chama a atenção para a possibilidade de a demanda subir muito, sobretudo por conta da taxação dos fundos exclusivos, e puxar uma queda forte dos spreads, reduzindo os ganhos. Gil vê no crédito privado em geral um ponto de entrada ainda interessante, mas é preciso ser mais seletivo “porque não temos mais um monte de papel barato como havia na crise”.

Para ele, não está claro o nível da retomada da atividade econômica, o que de novo leva o foco ao setor de infraestrutura, que necessita de muito investimento. “Num ambiente de juro mais baixo esses projetos ficam mais viáveis, podem acelerar e são casados com geração de caixa mais previsível.”

Paulo Bokel, chefe da área de crédito da Absolute Investimentos, também alerta para a possibilidade de a demanda vinda do dinheiro retirado dos fundos exclusivos fechados reduzir os prêmios dos papéis. “Mas depende de quantas estarão dispostas a emitir no mercado”, pondera. Stefan Castro, gestor de crédito da Absolute, vê em 2024 primeiro as empresas mais conhecidas emitindo, tanto em infraestrutura quanto em corporativas. As estreantes devem ficar para um segundo momento. “O crédito era o ‘patinho feio’ há dez anos e agora começa a ter protagonismo, com peso na carteira dos investidores”, diz Bokel.

Já Muller, da JGP, acredita que a demanda por papéis de infraestrutura seguirá elevada, com a tributação dos fundos exclusivos e o surgimento de aplicações dedicadas às debêntures incentivadas, o que tende a reduzir os spreads. Gamboa, da SulAmérica, espera presença forte do saneamento, como reflexo marco regulatório que impôs metas de cobertura de água e esgoto, além de energia e concessão de rodovias. “Tem potencial para ser a estrela de 2024.”

Vale lembrar que as debêntures de infraestrutura, criadas por lei na última quarta-feira, diferentemente das incentivadas, darão benefícios tributários aos emissores e não aos investidores. Nehmi explica que os papéis podem entrar em fundos de infraestrutura, mas são tributados em 10%. Precisam, portanto, ter remuneração suficiente para compensar o desconto. Para ele, os ativos serão alvo de interesse de outros investidores, como fundos de pensão e previdência.