Av. Paulista, 1313 - 9º Andar - Conjunto 912 (11) 3289-1667 [email protected]
pt-bren

Indústria quer abertura, mas não unilateral

18.10.2019 | | Notícias do Mercado

Para Dan Ioschpe, presidente do Iedi, questão comercial não pode ser feita de modo unilateral

 

A abertura comercial do Brasil, um dos países mais fechados do mundo, é essencial para estimular o desenvolvimento da economia e da indústria, que vivem uma crise sem precedentes, mas isso deve ser feito via
expansão de acordos com outros países, em vez de uma abertura unilateral, que pode ter efeitos deletérios inclusive
para o emprego, defende Dan Ioschpe, o novo presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
(Iedi). O governo tem sinalizado que pretende fazer uma abertura comercial unilateral.
“O Brasil precisa se relacionar melhor com o mundo. Em nossa visão, isso tem que ser feito por meio de acordos
comerciais que sejam graduais, transparentes e horizontais, sem beneficiar setores A ou B. Quando se trabalha com
processos unilaterais, dificilmente se atinge esses objetivos”, afirma Ioschpe.
Presidente dos conselhos de administração da Iochpe-Maxion, empresa que comandou de 1998 a 2014, e do
Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), Ioschpe aponta que
processos unilaterais de abertura correm risco de não entregar desenvolvimento. “Acordos comerciais que passem
por horizontalidade, gradualidade e transparência mitigam riscos, inclusive para o nível de emprego. Políticas
unilaterais rápidas, não transparentes, podem não ter sucesso.”
Em sua primeira entrevista como presidente do Iedi, cargo que ocupará até 2021, Ioschpe diz que a inovação vai ser
crucial para que a indústria brasileira saia da crise profunda e prolongada em que está mergulhada há anos. O
trabalho é das empresas, mas também do governo. E, apesar das fortes restrições fiscais e da necessidade de mais
recursos para ciência e tecnologia, o empresário diz que o país tem um arsenal importante para alavancar esse
processo. É preciso organizá-lo. “Temos a Embrapii, a Finep, os INCTs, e a Lei do Bem, que precisa de uma correção.
Num primeiro momento, já ganharíamos com um avanço maior desses mecanismos”, diz.
Em estudo concluído em agosto e apresentado ao Ministério da Economia, o Iedi, que reúne cerca de 50 grandes
empresas do setor, aborda essas e outras questões. Segundo Ioschpe, trata-se de um trabalho atualizado
periodicamente pela instituição. Em sua versão mais recente, o estudo avalia que algumas reformas cruciais foram
encaminhadas, como a da Previdência e a trabalhista, mas ainda há um longo caminho a percorrer, com as
reformas tributária e administrativa, e um maior aperfeiçoamento das regras do mercado de trabalho. A pedra de
toque de todas elas, a exemplo da abertura comercial, segundo o executivo, deve ser transparência, horizontalidade,
segurança jurídica e custos mais baixos.
Enquanto não houver maior estabilidade macroeconômica, papel do BNDES será decisivo no crédito de longo prazo”
Ioschpe, 54 anos, também preside o Fórum das Empresas Transnacionais Brasileiras (FET) da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), além do conselho de administração da Profarma. É membro dos conselhos de WEG,
Cosan, BRF e Marcopolo. Graduado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é pós-graduado
em marketing na ESPM de São Paulo e realizou o MBA na Tuck School, Dartmouth College, nos Estados Unidos. A
seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: O Iedi acaba de entregar ao Ministério da Economia um abrangente estudo sobre a situação da indústria e os
temas que atingem o setor. Qual é a mensagem principal para o governo?
Dan Ioschpe: Esse é um estudo que atualizamos regularmente. E algumas coisas ficaram mais óbvias nessa edição.
Ficou mais claro que o gasto público estava fora de controle e inviabilizava o equilíbrio macroeconômico do país.
Uma parcela da solução, a reforma da Previdência, andou bem. E tem uma outra parte a ser feita, a reforma do
Estado. Nossa estrutura administrativa não é desenhada para a eficiência e a produtividade e vai ter que ser
alterada. Na parte tributária, a não neutralidade do sistema, a falta de segurança jurídica e o custo para manejar a
tributação precisam ser resolvidos. Nem estamos abordando o tamanho da carga tributária. Não adianta reduzi-la
num momento em que as contas estão em declínio. E, mesmo após as reformas, não parece que teremos uma
redução do gasto público no futuro próximo. O sistema tributário precisa ser neutro, transparente e menos custoso.
Há a necessidade de avançar com a infraestrutura, trabalhar nas regras, no financiamento. O BNDES tem papel
fundamental no financiamento de longuíssimo prazo em moeda nacional. Na relação comercial, o Brasil precisa se
relacionar melhor com o mundo para que aumentemos as exportações. Na nossa visão, isso seria feito por meio de
acordos comerciais, como o feito com a União Europeia, que vemos com bons olhos na forma como foi construído.
Precisamos expandir essa teia de acordos com horizontalidade, gradualidade e transparência. Em pesquisa e
desenvolvimento, a falta de investimento vai nos deixar numa situação de atraso. O país precisa ser uma base de
criação de inovação, senão corremos o risco de relegar a indústria a uma ponta menos atraente do ciclo econômico.
Valor: O Iedi vê o BNDES como um instrumento fundamental no crédito à infraestrutura e à inovação. Mas o banco
tem diminuído de tamanho e o governo tem dito que quer mais ênfase ao papel do banco nas privatizações.
Ioschpe: É uma gestão recente e ainda não temos pleno entendimento do que seria a visão do governo para o
BNDES. O banco é um ótimo formulador de processos seja de PPPs, privatizações, de projetos de infraestrutura que
partem do zero e pode atuar mais em pesquisa e desenvolvimento. Não sei dizer se essa é a visão do governo. Mas
entendemos que este papel é fundamental. O financiamento às exportações, que teve muita participação do banco
no passado, também é importante. Em infraestrutura, se não houver uma condição competitiva, não vai se fazer. O
papel do BNDES é decisivo.
Valor: O governo quer que o mercado substitua o papel do BNDES em financiamentos de longo prazo.
Ioschpe: Pode ser [que isso aconteça]. Mas não temos uma moeda tão conversível e de baixa volatilidade. Se você
vai realizar projetos em reais e vai considerar recursos externos, enquanto a gente não tiver uma estabilidade maior,
dificilmente uma entidade que não tenha foco em desenvolvimento e não seja relacionada ao Estado terá condições
de financiar. Você vai fazer um projeto de 20 ou 30 anos e vai depender de uma vinculação com a moeda local.
Valor: Sobre crédito às empresas, especialmente na indústria, a concessão parece ainda andar emperrada. Muito se
fala do alto custo dos empréstimos. O senhor vê um impacto maior da queda dos juros daqui para frente?
Ioschpe: Isso faz parte de um contexto em que há uma boa condução macroeconômica. Se avançarmos no ajuste
das contas públicas, nas reformas microeconômicas e na abertura comercial, não há razão para que não tenhamos
nível de juros de empresas de países que têm as contas em ordem. Isso pode acarretar uma mudança significativa
no custo financeiro das empresas. A redução desse custo vai possibilitar que a indústria gere mais valor, realize
projetos. Estamos no meio dessa trajetória. Mas nada sozinho é determinante. O juro vai ajudar. Algumas das boas
expectativas para o ano que vem, de crescimento de 2% do PIB, provavelmente embutem o juro e um cenário fiscal
mais controlado nos próximos anos. Provavelmente isso [juro] já está ajudando a economia em geral.
Valor: A atividade lenta e a grande capacidade ociosa não têm permitido que a indústria faça investimentos. É
possível que tenhamos um parque produtivo defasado passada a crise?
Ioschpe: O investimento ocorreu, num nível menor, em modernização, na maioria dos segmentos industriais.
Pessoalmente, não gosto da tese da indústria sucateada. A indústria não cresce porque o país não cresce. Ao
mesmo tempo, a maior parte dela tem se preparado fazendo investimentos naquilo que pode. Temos tido avanço
da porta para dentro, mas isso se perde da porta para fora, com o custo de prestação de serviço tributário,
insegurança jurídica e própria segurança patrimonial, que hoje é um dos grandes custos das empresas. Esse custo,
que muitos países não têm, é enorme no Brasil. Até por essas características, temos que ter gradualismo na
abertura comercial.
Já temos um arsenal de mecanismos em inovação, como a Embrapii e a Lei do Bem,
que precisam ser mais difundidos”
Valor: O governo já expressou diversas a vontade de fazer uma abertura unilateral do comércio exterior…
Ioschpe: A direção [do governo] em relação a uma abertura comercial parece clara. Mas defendemos a realização
de acordos que passem por horizontalidade, gradualidade e transparência. Isso mitiga os riscos, inclusive para o
lado dos empregos. Não ajuda entrar num processo de destruição de empregos, ainda que temporal. Políticas
unilaterais, não graduais e rápidas, podem não ter sucesso. E temos que reconhecer que as tarifas de importação
são nominais e estão longe das tarifas efetivas, que são mais baixas. Em relação à indústria, talvez em alguns setores
existam níveis elevados [de tarifas de importação], mas, na média, as tarifas efetivas, que subentendemos porque
não temos acesso à informação precisa, são bem inferiores, por causa de regimes especiais, políticas não
horizontais. A redução de tarifas nominais teria que estar casada com o fim dessas políticas. De qualquer forma,
acordos são mais transparentes e permitem que as empresas se preparem num tempo adequado.
Valor: O acordo UE-Mercosul será bom para a indústria brasileira?
Ioschpe: A abertura comercial é importante para participar de outros mercados. É um jogo de riscos e
oportunidades. Um acordo dessa magnitude não é um passeio, mas a outra opção, que é ficar fechado, é pior. No
fim do dia, o saldo tende a ser positivo. E após o trabalho feito com a União Europeia se formou um grupo técnico
que possibilita o aumento da velocidade no fechamento de acordos comerciais com outras regiões do mundo.
Valor: Falando de reforma tributária, as duas propostas que estão colocadas até agora, do deputado Baleia Rossi e a
do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, são boas para a indústria? O Iedi tem defendido a junção dos impostos federais,
municipais e estaduais em um só…
Ioschpe: Não estamos apoiando projeto A ou B, por enquanto. Nossa visão é de que tudo aquilo que for feito para
simplificar, reduzir o custo de prestação do tributo, a insegurança jurídica e trazer neutralidade é importante. Em
linhas gerais, essas propostas caminham parcialmente nessa direção. Quando falo de neutralidade, falo também em
termos setoriais. Hoje, a indústria tem uma contribuição para os impostos muito maior do que sua parcela do PIB. A
indústria está sobreonerada em relação a outros setores. O Brasil vai ter que ajustar essa equação. Uma indústria
sobretaxada não vai funcionar, especialmente num ambiente de abertura, em que terá que competir com outras
indústrias do mundo.
Valor: Por que a indústria não consegue se recuperar, enquanto outros segmentos, como varejo, têm tido
desempenho melhor? Há algo mais estrutural além da crise da Argentina?
Ioschpe: Há segmentos da indústria muito importantes e que vão pesar mais, como o setor automobilístico, muito
afetado pela crise da Argentina. E temos alguns segmentos que estão sofrendo muito há mais tempo. Não houve
uma recuperação do PIB na linha que se esperava, depois da queda de nove pontos percentuais em 2015 e 2016.
Em vários setores se construiu capacidade para uma economia que era maior e que hoje está ociosa. Foi uma crise
brutal, sem precedentes. Os sinais para que os investimentos sejam retomados ainda não estão claros. A
infraestrutura, que gera demanda para a indústria, também não andou.
Valor: Qual o impacto que a briga comercial-tecnológica entre Estados Unidos e China pode ter sobre a indústria do
Brasil? As estimativas de crescimento e comércio mundiais estão em queda.
Ioschpe: Neste momento, é mais um gerador de incertezas e de redução das perspectivas de crescimento. No curto
prazo traz quase que uma perspectiva recessiva que a gente não tinha antes. A nossa expectativa é que isso
encontre um caminho. É pouco provável que EUA e China levem isso mais adiante por muito mais tempo porque
que tende a ser um jogo de perde-perde. É ruim para todos. Os países envolvidos são perdedores e também os
periféricos. Pode haver atividades que ganhem, mas a médio prazo, de forma horizontal, francamente não vejo
nenhum ganhador.
Valor: O Iedi tem defendido um aumento do orçamento do governo para ciência e tecnologia. Vimos um grande
corte nessa rubrica este ano. Como fazer isso em tempos de ajuste fiscal?
Ioschpe: Já temos mecanismos interessantes que precisam ser mais utilizados e mais difundidos e alguns deles
melhorados, como a Embrapii, os INCTs [Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia], a Finep [Financiadora de
Estudos e Projetos], a Lei do Bem. A gente não precisa necessariamente criar algo, mas fazer um bom uso do que já
se tem. Nesse primeiro momento ganharíamos com um maior avanço nesses mecanismos.
Valor: O que seria exatamente esse avanço?
Ioschpe: A Lei do Bem, por exemplo, com poucas melhorias, deixaria de ser uma iniciativa de que pouquíssimas
empresas participam. Provavelmente, o efeito fiscal de muitas empresas participando seria positivo. Geraria mais
empregos, investimento, mais consumo com base nesses projetos. É uma lei vista como insegura, porque a
probabilidade de autuação é muito grande. Como o benefício fiscal tem que ser usado no primeiro ano
subsequente ao esforço de inovação é de difícil utilização. Sempre foi baixo o número de empresas que utiliza o
incentivo concedido. É a nossa principal lei de inovação. O espirito geral dela é muito bom, mas precisa melhorar.
Valor: O senhor quer dizer que a inovação não precisa necessariamente de mais recursos, mas uma melhor
operacionalização?
Ioschpe: Num primeiro momento, sim. Uma melhor operacionalização, difusão e também uma correção na Lei do
Bem são importantes. Mas, sim, são necessários recursos. A Embrapii, uma iniciativa muito bem-sucedida num
modelo muito produtivo, ágil e adequado não deveria parar por falta de dinheiro. É preciso que os recursos e os
esforços sejam constantes. E neste momento uma ação de difusão tem que ser grande. Os INCTs, por exemplo, o
são qualificados e não estão sendo usados em sua totalidade, têm capacidade excedente. Há um grande
desconhecimento da capacidade desses institutos. Precisamos fazer um esforço de divulgá-los. Temos que falar
muito da manufatura 4.0 para que todo o tecido das empresas, das entidades, dos governos entre nessa seara. Se
não falarmos disso todo dia e se não tomarmos medidas todo dia, no sentido de fazer essa difusão, vamos ficar
para trás.
Valor: Qual a sua avaliação do governo Jair Bolsonaro até aqui?
Ioschpe: Em linhas gerais estamos num direcionamento positivo para as questões que tratamos aqui. As
expectativas eram maiores no início do ano. Mas, sendo realista, a situação é bem complexa diante do tempo
corrido de alguns problemas do país, a Previdência é um exemplo. Todo governo tem um período de aprendizado.
Mas o governo é apenas um dos entes. Temos um conjunto de poderes que caminha para uma direção de
melhoria. Nem tudo é perfeito nem tudo é ruim. Se a gente supor que o crescimento de 2020 será maior, que
algumas questões são construtivas para isso, como os juros, é uma boa direção.

 

Fonte: Valor Econômico
Data: 16/10/2019