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São Paulo está voltando aos trilhos

17.06.2024 | | Notícias do Mercado

Fonte: Revista Oeste
Data: 14/06/2024

“Os brasileiros já viajaram — e muito — de trem. Só o Estado de São Paulo chegou a ter 18 empresas ferroviárias (Sorocabana, Mogiana, Noroeste etc.). A Companhia Paulista de Estradas de Ferro oferecia um serviço comparável aos melhores do mundo. Viajar entre São Paulo e o Rio de Janeiro a bordo do Expresso de Prata era um grande programa — até o triste dia 29 de novembro de 1998, quando o serviço foi interrompido para sempre. Essa é considerada a data simbólica na qual perdemos o direito de viajar de trem.”

Oeste publicou a matéria “O direito de viajar de trem” na edição 18, de 24 de julho de 2020. Quase quatro anos depois, esse panorama sombrio está mudando. Pelo menos em São Paulo. Faltava a lendária “vontade política” para que os trens voltassem aos passageiros. Não falta mais.

Um morador de São Paulo já pode mostrar ao seu filho a experiência de viajar de trem num trajeto de quase 98 quilômetros. Operado pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), ele sai como Linha 10-Turquesa de Rio Grande da Serra. Passa por algumas das principais cidades a sudeste da capital do Estado — Ribeirão Pires, Mauá, Santo André. Chega a São Paulo pelos bairros do Ipiranga, Moóca, Brás, e adentra a histórica Estação da Luz.

A partir daí o trem continua em outra linha — a 7-Rubi. (A viagem contínua unindo as linhas 7 e 10 foi batizada de Serviço 710). Atravessa bairros tradicionais do noroeste da cidade — Barra Funda, Água Branca, Lapa, Pirituba, Jaraguá. E passa por cidades vizinhas, como Franco da Rocha e Campo Limpo Paulista, antes de chegar ao seu destino — a estação de Jundiaí.

Toda essa viagem demora menos de duas horas. Tente pegar um carro e ir de Rio Grande da Serra a Jundiaí em menos de quatro ou cinco horas passando por congestionamentos, locais perigosos e vias precárias. Quanto você gastaria de combustível para fazer um percurso desses?

Era possível fazer esse trajeto em composições precárias, numa viagem cheia de baldeações. O que mudou é que o Serviço 710 que cruza o labirinto de São Paulo sem barreiras está usando trens da Hyundai/Rotem Série 9500, criados na Coreia do Sul. Eles começaram a operar em 2017. Com sete anos de vida, ainda são “bebês” em termos ferroviários.

Os carros de passageiros são interligados e formam uma espécie de “túnel” contínuo onde todos podem se deslocar. Isso facilita a distribuição dos usuários, que enxergam o trem como um todo e podem procurar carros mais vazios. O “túnel” também ajuda na segurança dos passageiros. Todo mundo está vendo todo mundo; é melhor se comportar.

No trem no qual eu viajei, todos os carros pareciam “zero-quilômetro”: limpos, sem nenhum risco nas janelas, nenhum grafite, nenhum desgaste aparente. A CPTM submete suas composições a um ciclo de três limpezas diárias. E usa seguranças de uma empresa particular que observam todos os passageiros na entrada e na saída.

Painéis eletrônicos estão espalhados pelos carros com informações sobre a viagem, como as próximas estações. Os passageiros são muito bem informados de quando devem desembarcar.

Esse padrão de serviço vai parecer óbvio para uma empresa suíça. Mas para os brasileiros, que estavam sendo tratados como carga, esse novo respeito com o usuário tem que ser comemorado.

Existem outros sinais sólidos de que os anos de irracionalidade e destruição dos trens para passageiros estão ficando para trás. Pelo menos em São Paulo.

O caminho para o resto do mundo

Nova York é a metrópole fetiche por definição. O viajante que pousa no Aeroporto JFK chega excitado com as emoções que a cidade está para lhe oferecer.

Para chegar à Ilha de Manhattan, onde está todo o agito, o viajante que chega ao JFK pode optar por alugar um carro, viajar num ônibus, pegar um táxi ou um Uber. De qualquer jeito vai ter que entrar no funil da Rodovia 27 e esperar no mínimo uma hora no inevitável engarrafamento.

Ou pode pegar o AirTrain, dentro do aeroporto. Mas sem ilusões. O serviço chega apenas até a vizinha estação Howard Beach. Ali, o glamour acaba. E o passageiro, mesmo que tenha viajado de primeira classe no avião, tem que levar suas malas até o velho, feio e maltratado metrô de Nova York. Não é uma boa recepção a quem chega à cidade. E ele ainda paga US$ 8,50 pela passagem — algo como R$ 45.

Já o passageiro que vai à Holanda e pousa no Schiphol tem a facilidade de encontrar uma estação de trem dentro do aeroporto. O visitante paga 4,90 euros (o equivalente a R$ 28, ou R$ 48 na primeira classe) para entrar no simpático, mas já gasto, trem azul e amarelo de dois andares. Em 17 minutos o passageiro vai estar na Centraal Station de Amsterdã. Mas são trens VIRM (sigla em holandês de “equipamento inter-regional estendido”), comuns, da companhia ferroviária Nederlandse Spoorwegen (NS), num serviço regular. O passageiro não sabe se haverá lugar para sentar ou colocar sua bagagem.

A chegada de um visitante estrangeiro à maior cidade do Brasil sempre foi uma vergonha. O viajante deixa o Aeroporto Internacional de Guarulhos e, se tiver condições para isso, gasta cerca de R$ 2,5 mil num helicóptero para chegar ao seu destino na cidade.

Mais provavelmente o passageiro vai entrar num táxi ou ônibus. E, dependendo do horário, rodar a 20 quilômetros por hora num congestionamento cercado por paisagens degradadas, incluindo a muito feia Marginal Tietê.

Fazendo inveja a Nova York

Esse tempo vergonhoso aparentemente acabou. Agora um passageiro com destino ao Aeroporto de Guarulhos chega à estação Barra Funda e sabe que de hora em hora um trem da Linha 13-Jade vai cruzar 12,2 quilômetros e levá-lo até lá. O serviço funciona das 5 horas da madrugada até a meia-noite.

Os trens da série 2500, fabricados pelo consórcio chinês Temoinsa-Sifang, são mais novos ainda que os do Serviço 710, com apenas quatro anos de uso. São adaptados para o serviço, com maleiros em cada carro e bagageiros sobre todos os bancos. Tudo brilhando de novo, em tons metálicos. Mordam-se de inveja, nova-iorquinos!

Meu trem da Linha 13-Jade partiu às 14 horas de um domingo. O preço é de R$ 5 — mas eu não paguei nada por ter carteirinha de idoso. O trem passa por cenários muito antigos (e abandonados) da velha São Paulo e por bairros em crescimento na cidade. Faz apenas duas paradas — uma na estação da Luz, outra na Guarulhos-Cecap.

Chegou em 50 minutos à estação do aeroporto. Levou esse tempo por causa de alguns procedimentos de trânsito. O tempo normal de viagem é de 35 minutos. Os trens das séries 2500 poderiam atingir 90 quilômetros por hora, mas o estado atual dos trilhos ainda não permite essa velocidade.

Da estação, os passageiros precisam tomar um micro-ônibus gratuito que leva aos três terminais do aeroporto. Mas até esse desconforto vai durar pouco. Já está em fase de finalização uma linha de monotrilho — o APM (sigla em inglês de “transportador automático de pessoas”) — que vai ligar a estação da CPTM aos três terminais. Esse serviço será realizado não pela CPTM, mas pela administradora do aeroporto, a GRU Airport.

O “aerotrem” terá 2,7 mil metros de extensão e capacidade para transportar 600 passageiros em três veículos. Está prometido para ainda este ano. Aí, sim, teremos uma recepção ao visitante comparável às melhores do mundo. (Mas não a mais rápida. O trem por levitação magnética que liga Xangai ao seu aeroporto é o mais veloz do planeta: 431 quilômetros por hora).

O trem para Campinas

O atual objeto de desejo dos paulistas que querem voltar a viajar de trem atende pelo nome TIC. A sigla quer dizer “Trem Intercidades”, modelo muito usado na Europa. A Alemanha tem seu ICE (InterCity Express), que exerce seu papel com magníficos trens brancos fabricados pela Siemens: ligar as grandes cidades do país numa rede de alta velocidade de até 300 quilômetros por hora.

O TIC brasileiro vai andar bem mais devagar — 100 quilômetros por hora — e, mesmo assim, vai ser o mais rápido do Brasil. A prioridade agora é esticar a ligação entre São Paulo e Jundiaí até Campinas. A empresa TIC Trens S.A. foi criada no início de maio.

A previsão é que o chamado Trem Intercidades Eixo Norte tenha 101 quilômetros de extensão e ligue três estações — Barra Funda, Jundiaí e Campinas. O tempo de duração estimado é de 64 minutos, com tarifa média de R$ 50.

Um serviço paralelo, o Trem Intermunicipal (TIM), vai ligar Campinas a Jundiaí, com paradas nas cidades de Louveira, Vinhedo e Valinhos. O preço da tarifa vai ser de R$ 14,05, com viagem calculada em 33 minutos. Fora isso, a Linha 7-Rubi continuará ligando São Paulo a Jundiaí parando em 17 estações em 61 minutos, com tarifa de trem metropolitano — R$ 5.

Vontade política

Alguns críticos de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, dizem que ele é um “tocador de obras” que não se envolve tanto quanto deveria em assuntos políticos. Para a população paulista que precisa de obras, essa característica é provavelmente uma vantagem.

Seu programa São Paulo nos Trilhos envolve 13 projetos de trem, metrô e VLT (veículo leve sobre trilhos) e soma 890 quilômetros, com investimento inicial de R$ 130 bilhões. Ao contrário de promessas anteriores, essas obras estão sendo concretizadas.

O Eixo Sul deverá voltar a conectar pelos trilhos a capital a Santos. Uma notícia ainda melhor é que já estão em estudo extensões dessas linhas até Taubaté, Ribeirão Preto e Araraquara

“O Estado de São Paulo cresceu, e suas grandes cidades nasceram às margens dos trilhos”, resumiu o governador no lançamento do projeto, no fim de maio. “Há um grande esforço do governo do Estado de retomar o transporte ferroviário, que é urgente e importante. As rodovias estão cada vez mais congestionadas, e nós precisamos de uma solução sustentável e aderente ao que o mundo faz. Se vamos começar a retomada do transporte ferroviário de passageiros no Brasil, isso tem que acontecer em São Paulo. Temos um futuro ferroviário que está renascendo. Nós vamos fazer a ferrovia renascer no Estado de São Paulo, e o paulista vai voltar a andar de trem.”

Para depois do Eixo Norte (São Paulo-Campinas) estão propostos outros três projetos de ligação de cidades paulistas. O conceito não é uma novidade. Mas faltava a tal vontade política. As obras estão sendo tocadas através de parcerias público-privadas, como o consórcio C2 Mobilidade.

O Trem Intercidades Eixo Oeste deverá ligar São Paulo a Sorocaba. O TIC Leste vai de São Paulo a São José dos Campos. O Eixo Sul deverá voltar a conectar pelos trilhos a capital a Santos. Uma notícia ainda melhor é que já estão em estudo extensões dessas linhas até Taubaté, Ribeirão Preto e Araraquara.

Aos paulistas, fica a esperança de que desta vez os projetos ferroviários não serão atrapalhados por ações destrutivas de sindicatos e decisões políticas de juízes, como aconteceu até agora. Tomara que continue assim.