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Rota para superar os desafios

04.04.2022 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor Econômico
Data: 31/03/2022

 

Obrigado a se adaptar, dois anos atrás, para suprir um país subitamente colocado em isolamento para o combate à covid-19, o setor de transportes se vê agora diante de um novo desafio, igualmente perturbador: superar os aumentos sucessivos do petróleo no mercado internacional, em consequência do desabastecimento provocado pela guerra na Ucrânia.

Como o desfecho desse conflito permanece imprevisível, assim como a extensão dos seus efeitos nos próximos meses – ou anos –, resta aos operadores logísticos brasileiros administrar as dificuldades conforme elas vão surgindo. “Não há outro jeito. Temos de ficar atentos aos acontecimentos e ir adotando as medidas necessárias no dia a dia”, afirma Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog). “Mas tenho certeza de que alguma saída para o setor será encontrada, até porque estamos em um ano eleitoral”, conclui.

Entre os operadores no mercado internacional, a expectativa é a mesma. “Vamos acompanhar de perto a situação entre Rússia e Ucrânia para tomar as decisões de forma mais assertiva. Temos ciência de que os mercados de algumas matérias-primas e consumo poderá ser afetados com a alta do petróleo”, afirma Damian.

Morando, diretor da Asia Shipping, multinacional brasileira que lidera a movimentação de contêineres entre o Brasil e outros países.

Enquanto a cotação do petróleo oscilar nervosamente, com viés de alta, a dificuldade imediata do setor é encontrar meios de reduzir o impacto do aumento do diesel no transporte de carga dentro do Brasil, trazendo de volta ao debate as propostas de sempre: alívio nos impostos que incidem nos combustíveis, adoção temporária de subsídios e pressão para a mudança na política de preços da Petrobras.

Seja qual for a solução adotada, ninguém acredita que seja capaz de evitar um realinhamento de preços nos produtos em geral e um repique da inflação – o que já está acontecendo, aliás. “Se não repassarmos imediatamente esses aumentos no valor do frete, colocaremos em risco a sobrevivência de muitas transportadoras, que são fundamentais para o desenvolvimento do Brasil”, avisa o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa. “Com o diesel mais caro, o país pode entrar em recessão de novo”, arremata o diretor da Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres (AbriLivre), Rodrigo Zingales.

De acordo com estudo do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), apurado no início de março, a cotação internacional do barril de petróleo subiu 90% nos últimos 12 meses, enquanto o preço do diesel nos postos de combustível brasileiros aumentou 41% no mesmo período – menos da metade. Ou seja, havia uma defasagem que fatalmente seria corrigida mais tarde, como de fato foi e deixou o país inteiro em suspense à espera de medidas salvadoras.

Assim como acontece nas guerras, porém, as crises também costumam reforçar a importância da logística no reerguimento dos países. Foi assim em 2020, quando a movimentação de cargas no país, considerando todos os modais, chegou a registrar um leve crescimento, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, na direção contrária, encolhia 4,1% nesse primeiro ano de pandemia. Em boa parte, isso se deveu à explosão do e-commerce, que compensou as restrições à venda em lojas físicas e, segundo a CNT, aumentou em 15% o lucro das transportadoras rodoviárias em 2020. O agronegócio, que seguiu crescendo enquanto outros setores da economia despencavam, foi outro fator fundamental.

O fato é que a estrutura logística brasileira deu seu maior salto nos últimos anos, em todos os modais. O agressivo programa de leilões e concessões do Ministério da Infraestrutura (Minfra) transferiu para a iniciativa privada, de 2019 até hoje, 81 ativos logísticos, garantindo R$ 89,9 bilhões de novos investimentos em aeroportos, portos, ferrovias e rodovias. Neste momento, dezenas de obras estão sendo tocadas para ampliar a estrutura logística no país, sem contar com nenhum centavo do governo.

A par disso, iniciativas governamentais importantes também destravaram modais que estavam subestimados há décadas, como o ferroviário e a navegação de cabotagem. No primeiro caso, o Programa de Autorizações Ferroviárias, o Pro Trilhos, lançado no fim do ano passado, colocou de pé um ovo de Colombo esquecido desde os tempos do barão de Mauá: a possibilidade de implantação de ferrovias privadas mediante a simples autorização do Estado, após avaliação da viabilidade econômica dos projetos. Em poucos meses, o Minfra recebeu 79 propostas e aprovou 27 delas, que deverão agregar cerca de 10 mil quilômetros (km) de estradas de ferro à acanhada estrutura ferroviária brasileira, que hoje não chega a 30 mil km. Os investimentos esperados são de R$ 133 bilhões.

No segundo caso, a BR do Mar, legislação que flexibiliza o afretamento de embarcações estrangeiras no transporte de cabotagem, promete dar o impulso que faltava ao transporte marítimo na costa brasileira – depois de aprovadas no Congresso, as novas regras foram sancionadas pelo governo em janeiro último.

“Com o Pro Trilhos, nossa expectativa é elevar a participação das ferrovias na matriz de transporte brasileira para um patamar próximo dos 40% até 2035”, afirma o secretário-executivo do Minfra, Marcelo Sampaio. De acordo com o Ilos, o modal ferroviário responde hoje por apenas metade desse índice (20,2%), enquanto as rodovias transportam três vezes mais (61,4%), contrariando a lógica na imensa maioria dos países. A carga restante é movimentada no país por hidrovias ou cabotagem (14,6%), dutos (3,8%) ou via aérea (menos de 1%).

Relegadas durante muito tempo ao transporte de minérios, as ferrovias ganharam um empurrão fundamental nos últimos anos com o crescimento do agronegócio, que fez ressuscitar projetos adormecidos para ligar as lavouras no Centro-Oeste a portos das demais regiões brasileiras. A produção de grãos também estimulou a navegação no Arco Norte, com a chegada do asfalto até o porto de Miritituba, em Itaituba (PA), na barranca do rio Tapajós, de onde os embarques de soja e milho ganham o Atlântico.

“Poderíamos usar muito mais o transporte hidroviário se tivéssemos tido o bom senso de incluir eclusas nos projetos de nossas barragens. O Brasil tem 63 mil quilômetros de rios e mais de 700 centrais geradoras de eletricidade, mas apenas 17 barragens do país possuem eclusas para permitir a transposição das embarcações”, nota Manoel Reis, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, especialista no tema. Nossa maior hidrovia, lembra Reis, é a Tietê-Paraná, com 2,4 mil quilômetros navegáveis, mas que esbarra na falta de eclusas em Itaipu. “Não fosse esse descaso, poderíamos chegar à bacia do Prata”, lamenta.

A outra ponta que faz a logística brasileira crescer, independentemente do apoio ou da omissão governamental, é o comércio eletrônico, que desde o início da pandemia passou a crescer em ritmo forte, incentivando o chamado transporte na última milha, feito não só com caminhões, mas também com furgões, carros particulares e até bicicletas. Para apoiar as entregas em domicílio, galpões logísticos de todos os portes foram – e continuam sendo – construídos a toque de caixa.

“No ano passado, foram erguidos 3,6 milhões de metros quadrados de galpões de alto padrão, uma marca histórica. Neste ano o ritmo caiu um pouco, mas devemos fechar o primeiro trimestre com 600 mil metros quadrados adicionais”, informa Abiner Oliveira, diretor da Colliers International, uma gigante do setor imobiliário. Segundo ele, a disponibilidade de galpões em geral chega a 190 milhões de metros quadrados no Brasil, dos quais pouco mais de 10% são de alto padrão, caracterizados pelo pé-direito acima de 12 metros, dispositivos contra incêndios e isolamento térmico, entre outros quesitos.

Apesar da atual situação econômica desafiadora, o país segue ampliando a sua capacidade de armazenamento, até porque o e-commerce também continua crescendo, embora não com o mesmo ímpeto do ano passado. De acordo com a empresa Neotrust, que apura dados de vendas on-line, o comércio eletrônico cresceu 26,9% em 2021, alcançando um faturamento de R$ 161 bilhões. Neste ano, as vendas pela internet avançaram 20,5% em janeiro e 11,2% em fevereiro, mas a Neotrust prevê índices menores no resto do ano, projetando um crescimento de 9% e uma receita total de cerca de R$ 174 bilhões em 2022 – o que continua sendo muito significativo, pois representaria mais de 12% de todo o varejo nacional.

Segundo analistas do mercado imobiliário, poucos negócios foram tão rentáveis nos últimos anos como a construção de galpões ou de condomínios logísticos para locação. “Foi um dos investimentos de maior retorno, surfando no boom do ecommerce. Em alguns casos, o aluguel de galpões no Brasil chegou a superar o preço por metro quadrado de escritórios em alguns mercados dos Estados Unidos”, compara Fábio Bergamo, diretor de operações do fundo imobiliário JLP Asset, presente em mais de 50 países. “O mercado logístico brasileiro segue sendo atrativo para os grandes grupos investidores, mantendo estável uma taxa de capitalização de cerca de 7,8%”, revela Carlos Vaz, CEO da Conti Capital, referindo-se ao índice que representa a arrecadação anual de uma locação em relação ao valor de mercado do imóvel.

A maior demanda por galpões logísticos, puxada pelas vendas do e-commerce, está estampada também na redução progressiva do índice de vacância nesses espaços: era de 18% no primeiro trimestre de 2019, caiu para 17,5% nesse mesmo período de 2020, para 13,3% no início de 2021 e está agora em 10,3%, segundo a Colliers.

Além de viabilizar grandes obras e atrair investidores de peso, o setor logístico está motivando ainda o surgimento de startups – as chamadas logtechs –, que contribuem com a racionalização das operações, evitando desperdícios e conectando o mercado transportador com as melhores práticas ambientais, sociais e corporativas, representadas pela sigla ESG. Uma dessas logtechs é a Fretebras, plataforma que conecta empresas a transportadores autônomos para a negociação de fretes. “Acabou aquele drama de caminhoneiros exibirem plaquinhas em terminais de transporte para oferecer carreto, correndo o risco de retornar com o caminhão vazio. Hoje é só acessar a nossa plataforma”, afirma Bruno Hacad, cuja empresa, criada 13 anos atrás em Catalão (GO), está em via de se tornar um unicórnio, atingindo o valor de mercado de R$ 1 bilhão.

Dos dois milhões de caminhoneiros que existem no país, a Fretebras afirma ter 600 mil cadastrados, assim como 17 mil empresas que necessitam regularmente de transporte, a maior parte delas ligada ao agronegócio. “As empresas perceberam que é mais vantajoso contratar terceiros do que manter uma frota própria, por isso pagam uma mensalidade para publicar em nossa plataforma as cargas que querem transportar. Já os caminhoneiros têm acesso gratuito às ofertas do nosso site e esperamos dobrar o número deles até o fim do ano”, revela Hacad, que também quer entrar no mercado de crédito aos operadores de transporte, antecipando o recebimento dos fretes.

Dos cerca de 700 funcionários da Fretebras, quase metade é da área de TI, empenhados em checar os bons antecedentes dos caminhoneiros e dar suporte às empresas contratantes. “Nosso melhor produto é oferecer segurança nas contratações”, afirma Hacad. “Afinal, quase sempre há algum caminhoneiro envolvido em roubos de caminhão ou de carga.”

A Fretebras, evidentemente, não atua sozinha nesse nicho. A CargoX, com 250 mil caminhoneiros cadastrados, tem uma posição consolidada na oferta de crédito aos transportadores. E a NSTech, criada em 2021 pela gestora de investimentos SK Tarpon, planeja cumprir esse mesmo papel, queimando etapas com a aquisição de várias startups de transporte.

A dinâmica vigorosa do mercado logístico pode ser sentida ainda nos eventos setoriais realizados anualmente. O maior deles, a Intermodal, aconteceu agora em março em São Paulo, reunindo, na estimativa de Hermano do Amaral, diretor da empresa organizadora, “representantes de 60% do setor”. A cada ano surgem novos parceiros de negócio, destaca Amaral. “Tivemos de fazer os dois últimos eventos de forma virtual, por causa da pandemia, e isso ajudou na participação de empresas mais distantes do eixo Rio-São Paulo. Por isso, ao retornarmos ao modo presencial neste ano, não desativamos os canais digitais”, relata.

O consultor Maurício Lima, do Ilos, também aposta no dinamismo do mercado para superar eventuais dificuldades. “Além disso, a história mostra que países produtores de commodities reagem melhor em crises de abastecimento. Nossa desvantagem pode virar uma vantagem”, pondera.