14.04.2025 | ABIFER | Notícias do Mercado
Fonte: Valor Data: 14/04/2025
Depois de décadas de baixo investimento, o modal ferroviário brasileiro vive uma fase de expansão, impulsionada pela prorrogação antecipada de concessões e por novas políticas que favorecem a atuação do capital privado. Em 2024, os aportes das concessionárias somaram R$ 14,4 bilhões, 55% a mais que no ano anterior, e em 2025 devem chegar R$ 16,8 bilhões, estimam as empresas do setor. O governo prepara o lançamento do Plano Nacional de Ferrovias, que prevê a concessão de quase cinco mil quilômetros de linhas e o aumento de 24% para 40% da participação das ferrovias no transporte de cargas até 2035. Espera-se mobilizar R$ 100 bilhões em investimentos, dos quais 20% em contrapartidas públicas.
Apesar do contexto favorável, especialistas apontam fragilidades em estudos de viabilidade e na definição de conexões logísticas. Também existem dúvidas quanto à capacidade do Estado de dar continuidade aos projetos. “É fundamental que o país tenha um plano de transporte apartidário, com regras claras e fontes orçamentárias definidas”, opina Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, da Fundação Getulio Vargas. “Sem isso, a cada novo governo, corre-se o risco de rever prioridades ou de favorecer iniciativas sem sustentação técnica.”
O diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Barreto, também defende previsibilidade e racionalidade nas políticas públicas: “O Brasil precisa escolher bem onde investir, pois projetos ferroviários são caros, exigem maturidade técnica e coordenação”, afirma. “Não podemos repetir erros do passado, em que obras começaram sem viabilidade comprovada e ficaram paradas por anos.”
Uma das críticas é sobre a indefinição nas obras do porto Sul, em Ilhéus (BA), um elo logístico considerado essencial para viabilizar a concessão da Fiol. O projeto do porto, de R$ 4,6 bilhões, enfrenta obstáculos financeiros, ambientais e judiciais. Suas obras estão paralisadas e representantes de associações do setor cobram do governo uma posição clara sobre quem será o responsável pela construção. Em novembro, 17 organizações do terceiro setor publicaram um manifesto contra o empreendimento, alertando para o risco de danos irreversíveis à Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e à população local. Sem que a questão do porto seja definida, potenciais investidores consideram que o risco da concessão da Fiol é elevado.
O aparente descompasso entre o planejamento logístico e o ambiental também se manifesta nas regras de financiamento. Na avaliação de empresários do setor, o Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima precisa ser ajustado para facilitar a transição energética. Essa linha de crédito a juros baixos, criada para viabilizar os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, contempla apenas projetos de eletrificação de trens, o que é considerado um contrassenso para os transportadores de carga. A ANTF solicitou ao comitê gestor do fundo a inclusão de locomotivas híbridas e a biocombustível entre os projetos elegíveis, argumentando que o modal ferroviário emite 85% menos CO2 que o rodoviário.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) vai abrir um chamamento público neste mês para identificar o interesse de operadores na reativação de trechos paralisados. Segundo o superintendente de transporte ferroviário da ANTT, Alessandro Baumgartner, vários prefeitos e governos estaduais têm feito consultas sobre projetos de uso turístico e de integração logística regional.
“A ferrovia autorizada não precisa ser a estrela do sistema ferroviário, mas é uma ferramenta adicional da qual o Brasil não pode abrir mão para impulsionar o desenvolvimento da infraestrutura”, diz o presidente do conselho da Associação Nacional das Ferrovias Autorizadas (Anfa), José Luís Vidal. Ele ressalta a agilidade do modelo, em comparação com o processo de concessão.
Um exemplo é a autorização da ANTT à Eldorado Papel e Celulose para construir um ramal ferroviário de 89 quilômetros entre sua fábrica em Três Lagoas (MS) e a malha da Ferronorte em Aparecida do Taboado (MS). O contrato de adesão foi firmado em janeiro de 2022, a declaração de utilidade pública da área saiu em abril de 2024 e as desapropriações começaram em dezembro. Com o investimento de R$ 890 milhões, a empresa pretende melhorar o escoamento de 1,7 milhão de toneladas anuais de celulose.
O Ministério dos Transportes e o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Casa Civil da Presidência da República foram procurados pela reportagem, mas não se manifestaram.