09.06.2025 | ABIFER | Não categorizado
Fonte: Valor Econômico Data: 23/05/2025
No atual ciclo da operação de ferrovias brasileiras, principalmente a partir das negociações de renovação de concessões, as grandes operadoras têm investido cada vez mais na manutenção das vias, num esforço para melhorar a qualidade e reduzir problemas futuros. Da ponta de quem fornece esses equipamentos e serviços, que têm valor elevado, a preocupação é com o fortalecimento do mercado local, seja do ponto de vista de agilidade, redução de custos e para proteção contra um câmbio cada vez mais instável.
Após um momento em que o grande foco foi a aquisição de material rodante – locomotivas e vagões -, as máquinas de manutenção e renovação de vias têm ganhado espaço. Além de crescer a quantidade de vagões, é importante elevar a velocidade média do transporte, algo que é possível com ferrovias mais estáveis.
“No momento que estamos no Brasil, a manutenção da ferrovia é mais importante. Nos anos iniciais, não se investiu na manutenção porque custa, mas agora, com as renovações, isso está transformando”, explica Göran Sjöström, diretor de vendas da Plasser &Theurer, fabricante austríaca de equipamentos de manutenção de ferrovias.
A gente acredita de fato no crescimento, tanto que fizemos ampliação” – Victor Araújo
Um dos ajustes mais importantes das ferrovias é na chamada geometria da via, ou seja, na posição de cada componente que garante a estabilidade dos trilhos. Nesse cenário, um elemento relevante é o lastro, feito de brita, onde são apoiados os dormentes e trilhos. Com o passar do tempo, a movimentação dos vagões e locomotivas, além da exposição ao clima, reposiciona essa brita e, consequentemente, toda a estrutura que fica sobre ela, o que deixa a ferrovia mais instável e reduz a velocidade de circulação.
Um dos equipamentos mais utilizados para ajuste dessa geometria é a socadora, máquina de grande porte que é utilizada para reposicionar o lastro. Apesar de ser considerada essencial, ela sofre com um custo muito alto, como outros equipamentos usados no segmento. Uma máquina nova, de modelo mais simples, custa cerca de € 4 milhões.
“O Brasil gosta de usar o ativo por bastante tempo. Então como a gente consegue criar soluções para pegar essa máquina ‘vintage’ e transformar em algo mais novo?”, questiona Victor Araújo, CEO da Plasser do Brasil, principal fornecedora de equipamentos de manutenção de via no país. “É preciso criar um pacote local para vender tudo isso, porque se se eu for trazer tudo de fora, vale mais comprar uma máquina nova.”
As reconstruções mais completas de equipamentos antigos, os retrofits, têm ganhado força na Europa, pelo custo menor, 20% abaixo de um produto novo. A prática no Brasil, entretanto, não é interessante. A aquisição de uma máquina nova costuma entrar no regime de ex-tarifário, ou seja, sem imposto de importação. Já para peças, o mecanismo não tem o mesmo efeito, o que encarece o processo.
Para reverter esse quadro, e fortalecer a operação local, a Plasser deixou seu parque mais antigo, no Rio de Janeiro, inaugurado em 1980, e foi para Hortolândia (SP), em uma área maior, com espaço para mais equipamentos.
“A gente acredita de fato no crescimento, tanto que fizemos um movimento de ampliação. Saímos de uma planta que não cabia nossas máquinas”, detalha Araújo. “As operadoras também estão se modernizando, então é algo que a gente está tentando fazer com a criação da nossa engenharia local. Criar mais independência local, engenharia de Brasil para Brasil. Não necessariamente uma solução daqui [da Europa], funciona lá.”
O setor produtivo brasileiro, até pela presença de multinacionais com produção de outros equipamentos ferroviários, acredita que é capaz de atender localmente essa demanda.
“A maioria das nossas fabricantes também está na Europa ou nos Estados Unidos, então toda a melhor tecnologia, a mais atualizada, nós temos o repasse das matrizes. E nossos técnicos da indústria local trabalham em consonância no sentido de aprimorar e adaptar para a situação brasileira”, defende Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (ABIFER).
Outros fornecedores também creem nessa capacidade de competição, e destacam que os clientes brasileiros, principalmente as maiores operadoras, têm se preocupado com a qualidade do serviço, e não apenas com preço.
Para Leonardo Alves, diretor-gerente da Thermit do Brasil, que atua com soldagem aluminotérmica, utilizado para união de trilhos, o cliente brasileiro tem sido mais criterioso que em outros países. “O mercado brasileiro é muito qualitativo, o que é uma coisa boa. É uma tendência já há algum tempo. Você consegue trazer inovação, processos diferentes, coisas novas para o Brasil e que efetivamente é possível implementar.”
A produção da Thermit é toda nacional para o processo de solda, o que, segundo Alves, mesmo que não garanta sempre o menor preço, agrega outros fatores que têm pesado para os clientes brasileiros, como agilidade no fornecimento e assistência técnica.
Outro fornecedor de grandes equipamentos para manutenção e renovação de vias, a suíça Matisa tem desenvolvido um modelo que importa as máquinas, mas que a conservação tem se utilizado de produtos locais.
“A gente tem um parceiro que fabrica peças da Matisa com controle de qualidade, homologado, e com exclusividade. O que podemos, fabricamos localmente, por uma série de questões como prazo e custo reduzido”, afirma Bruno Bonella, diretor comercial da Matisa no Brasil.
Outro ponto em favor da nacionalização é a proteção cambial. A instabilidade do real frente a moedas como o dólar e o euro tem dificultado ainda mais as negociações do setor, que costumam durar meses, em alguns casos, anos.
“A nacionalização protege a gente. A falta de estabilidade [no câmbio] impacta muito o nosso negócio, afeta inclusive as negociações de máquinas e serviços. Você acaba perdendo competitividade”, reforça Victor Araújo.