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Ampliação da infraestrutura de transportes demanda novos modelos de parceria

30.03.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor
Data: 30/03/2023

Após a grande transferência de ativos logísticos para a iniciativa privada nas últimas duas décadas – principalmente no governo de Jair Bolsonaro –, o país tem diante de si agora o desafio de encontrar novas maneiras de captar recursos para renovar e ampliar a infraestrutura de transportes, apontam especialistas. Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Fundação Dom Cabral (FDC), nota que o programa de privatizações brasileiro foi o maior de todos os países nesse período, garantindo a modernização de rodovias e aeroportos do país, por exemplo, mas VsaelmoraRjIudar na conservação das malhas rodoviária e ferroviária em geral. Maurício Lima, do Instituto de Logítica e Supply Chain (Ilos), estima que a depreciação dos ativos logísticos do Brasil esteja por volta de R$ 100 bilhões, “depois de anos em que o governo investiu apenas 0,1% do PIB na estrutura de transportes, quando deveria investir vinte vezes mais”.

Com uma malha rodoviária de 1,4 milhão de quilômetros (km), o Brasil tem cerca de 190 mil km pavimentados, dos quais 26 mil entregues à administração privada, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Resende calcula que outros 25 mil km dessas estradas asfaltadas poderiam ser privatizados sem maiores problemas, por receberem mais de 5 mil veículos/dia. “Para conservar as que restam, bem como pavimentar novas estradas, o governo vai precisar ser criativo para encontrar recursos. Uma possibilidade é a emissão de títulos, o que já deu certo em países como os Estados Unidos e a Alemanha e está sendo cogitado no Chile”, afirma.

O governo atual ainda não emitiu nenhum sinal de que pode aceitar essa sugestão, mas já ordenou que os ministros Renan Filho, dos Transportes, e Márcio França, de Portos e Aeroportos, elaborem até o fim de abril planos para a revitalização e ampliação da estrutura logística, buscando viabilizar novas concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Nesse meio tempo, ambos estão usando a relativa folga orçamentária, garantida pela Emenda Constitucional da Transição, para entregar obras paradas – e, com isso, reforçar a marca de gestão atuante que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer imprimir nos primeiros meses de mandato. O orçamento do Ministério dos Transportes para 2023 é de R$ 23,24 bilhões e o de Portos e Aeroportos, de R$ 3,98 bilhões. Somados, representam quatro vezes mais do que os R$ 6,7 bilhões disponíveis para o Ministério da Infraestrutura no ano passado.

“Vamos investir em um ano mais do que foi investido nos últimos quatro anos”, afirmou o presidente em 10 de março, no lançamento da plataforma Mãos à Obra, que reúne os projetos que prefeitos e governadores consideram prioritários para as suas regiões, com orçamentos atualizados. “Os projetos lançados primeiro terão prioridade na análise”, avisou o ministro da Casa Civil, Rui Costa, no mesmo evento.

Antes mesmo de convidar prefeitos e governadores a expor suas reivindicações – a consulta aos administradores estaduais e municipais é outra prática que o governo quer fixar –, a recuperação de oito rodovias federais já está sendo tocada em nove

Estados desde janeiro, com promessa de entrega dos trechos renovados em abril. As informações inseridas na plataforma, diz o governo, serão consideradas nas decisões futuras.

No Ministério dos Transportes, o plano deverá prever a recuperação emergencial da malha rodoviária classificada como ruim ou péssima, que soma 13,9 mil km, e o leilão de trechos da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), cujas obras caminham lentamente. O ministro Renan Filho também apoia a construção da Ferrogrão, ligando Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), no Arco Norte, cujo projeto é contestado por ambientalistas e foi embargado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ao levar essa posição ao presidente Lula, porém, o ministro ouviu que o assunto deve ser discutido com a participação de Marina Silva, da pasta do Meio Ambiente, antes de qualquer decisão.

No Ministério de Portos e Aeroportos, a meta para 2023 é preparar a concessão de 20 terminais portuários, na expectativa de garantir R$ 3,3 bilhões de investimentos – o primeiro deles, no porto de Paranaguá, já foi licitado e captou R$ 350 milhões.

Outros 11 terminais de uso privado (TUPs) também devem ser autorizados, representando investimentos de R$ 840 milhões. Já a concessão integral de portos públicos – como ocorreu no ano passado com os de Vitória e Riacho Fundo, no Espírito Santo, rompendo uma resistência histórica de sucessivos governos – não deve ser repetida na administração atual.

No caso das ferrovias, não há dúvidas sobre a conveniência – ou mesmo necessidade – de manter a política de leiloar todas as concessões possíveis. Com o trecho inicial da Fiol, entre as cidades baianas de Ilhéus e Caetité, já concedido à mineradora Bamin, do Cazaquistão, que explora minério de ferro na região, a aposta do governo é conseguir interessados em assumir os dois trechos seguintes, que levam a Barreiras – maior polo do agronegócio na Bahia – e depois a Figueirópolis (TO), uma das paradas da Ferrovia Norte-Sul. O trecho até Barreiras tem mais da metade das obras concluída pela estatal Infra S.A., o braço empreiteiro do governo, e a ideia é leiloá-lo junto com o trecho final, que ainda não saiu do papel.

A Fico começa em Mara Rosa (GO), também na Norte-Sul, e vai no sentido oeste até Água Boa (MT) – as obras estão sendo construídas pela Vale, em contrapartida à renovação antecipada da concessão da Estrada de Ferro Vitória a Minas para a mineradora. Os trechos seguintes da Fico, até Lucas do Rio Verde (MT) e depois a Vilhena (RO), talvez dependam da conclusão das obras da Vale para ter as concessões viabilizadas.

Uma ferrovia que também avança com capital privado é a tocada pela Rumo Logística no Mato Grosso, ligando Rondonópolis a Cuiabá e Lucas do Rio Verde, num modelo de concessão estadual. A Rumo é a maior operadora de ferrovias do país, com 14 mil km de linhas férreas – metade da malha existente – conectando regiões produtoras de grãos, combustíveis e produtos industriais aos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR), São Francisco do Sul (SC) e Rio Grande (RS).

Já a Ferrogrão tem acumulado críticas tanto pelas soluções de engenharia apresentadas quanto pelo risco de violações ambientais e de ter sido subavaliada. “É um projeto que não para em pé, porque passa por uma região que fica alagada em parte do ano, além de cruzar um parque nacional e áreas indígenas. Seu traçado teria de ser revisto, o que custaria bem mais do que os R$ 21,5 bilhões anunciados”, analisa o consultor Claudio Frischtack, da Inter.B. Outro fator que concorre contra a Ferrogrão é a existência de uma rodovia recém-privatizada, a BR-163, que já faz o trajeto entre Sinop e Miritituba.

Paulo Resende, da FDC, um entusiasta do transporte ferroviário, discorda. “Se há problemas no projeto, a saída não é arquivá-lo, e sim aperfeiçoá-lo. O Brasil tem a matriz de transportes mais desequilibrada do mundo, com uma concentração absurda no modal rodoviário. A Ferrogrão encherá os vagões logo no primeiro dia e trará benefícios ambientais muito maiores do que os que estão sendo apontados, pois reduzirá a emissão de CO2 na atmosfera”, sustenta. Nas projeções que faz para a FDC, Resende estima que o transporte de carga por ferrovias deverá crescer 4,2% ao ano até 2035, enquanto o hidroviário avançará 3,5%/ano e o rodoviário, apenas 1,1%/ano.

Essas previsões se baseiam na expansão da malha ferroviária com as novas concessões a serem feitas, somadas às autorizações do programa Pro Trilhos, lançado em 2021, que abre a possibilidade de implantação de ferrovias particulares sem a tutela governamental – os projetos só precisam indicar as fontes de financiamento e ser avaliados dos pontos de vista técnico e ambiental. Dos 90 projetos apresentados até agora, 33 já foram aprovados – inclusive o mais ambicioso deles, orçado em R$ 50 bilhões, que prevê a ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro por trem-bala, ressuscitando um sonho antigo.

Embora o futuro aponte para um renascimento ferroviário, depois de mais de meio século de sucateamento, os últimos quatro anos – marcados pela pandemia de covid-19 – registraram um recuo na quantidade de carga transportada por trens e um aumento na distribuída por rodovias. De 2018 a 2022, a participação das ferrovias na matriz de transportes brasileira caiu de 23,3% para 19,1%, enquanto a de rodovias cresceu de 59,8% para 62,6%. No mesmo período, o transporte aquaviário passou de 13,4% para 14,6% do volume transportado e o dutoviário variou de 3,4% para 3,6%. O frete aéreo, bem menos usado, seguiu com menos de 1% de participação.

“O avanço das rodovias está ligado ao aumento das entregas na última milha, que passaram a ser feitas diretamente para o consumidor com o isolamento imposto para controlar a disseminação da doença. Quando as medidas de segurança foram relaxadas, o e-commerce já estava estabelecido e continuou crescendo”, argumenta Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog).

Em 2022, observa o consultor Maurício Lima, houve uma inversão nas taxas de crescimento do transporte de carga e do PIB, o que é raro. “Geralmente é o transporte de carga que puxa a economia, mas no ano passado a movimentação de mercadorias cresceu apenas 1,8%, abaixo dos 2,9% do PIB. Neste ano essa peculiaridade não deve ocorrer de novo: as previsões são de um aumento de 3% na movimentação de carga, ante um crescimento de apenas 0,9% da economia em geral”, afirma. As quedas de 12% no transporte de minérios e de 8% na distribuição de álcool hidratado responderam pelo avanço tímido nos transportes em 2022, segundo ele.

Um ponto preocupante, que persiste, é o alto percentual dos custos logísticos no Brasil, que vêm em ritmo crescente desde 2014 e representaram 13,7% do PIB nacional em 2021 – o dobro da taxa americana, por exemplo. “É algo a ser combatido em várias frentes, desde a adoção de tecnologia até a melhoria das condições das vias de transporte e dos galpões logísticos”, diz Lima.

O uso de tecnologia para agilizar as entregas foi um dos temas mais debatidos na última feira Intermodal, em São Paulo, que teve cerca de 500 expositores da área logística e recebeu mais de 40 mil visitantes no início de março. Um dos palestrantes, o belga Bart De Muynck, CIO da Project 44, startup americana especializada em projetos para empresas de supply chain, ressaltou a importância dos dados no planejamento do transporte. “Inteligência artificial, machine learning, automação, IoT [internet das coisas] e big data são ferramentas que devem ser usadas sobretudo para produzir dados. Os dados é que são a chave do sucesso, pois é por meio deles que conseguimos obter respostas que nos ajudem na tomada de decisão. Monitorados em tempo real, são ainda mais estratégicos.”

Vasco Oliveira, CEO da nstech, vai mais longe ao destacar a logística como um diferencial competitivo fundamental. “Quando um consumidor entra numa loja para comprar uma roupa, por exemplo, essa guerra já foi ganha semanas antes. Ter o produto que o cliente quer, disponível na hora certa, no canal de vendas que ele escolher, ao menor custo possível, é a diferença entre uma venda realizada e uma perdida, entre o lucro sustentável e o prejuízo”, afirma.

Definida como um “ecossistema de tecnologia para logística e mobilidade”, a nstech acaba de lançar uma plataforma que agrega dezenas de soluções para os clientes, amparadas na tecnologia. Uma delas, por exemplo, indica o percurso mais rápido para entregas em 50 cidades. Outra é a possibilidade de agendar a descarga de grãos no terminal da Rumo em Rondonópolis. “Quem não faz isso pode esperar até três dias na fila. Com o agendamento, a espera cai para duas horas”, afirma.

As ferramentas para melhorar a operação logística já existem há anos, basta saber usá-las, diz o empresário. “O ponto de virada aconteceu em 2007, com o surgimento do iPhone, das mídias sociais, do armazenamento em nuvem e do big data. Tudo isso está disponível hoje no smartphone do operador logístico e do motorista, junto com outras tecnologias que surgiram depois. A tecnologia foi crucial na pandemia e continuará sendo cada vez mais, pois sempre haverá novos desafios”, afirma.

Apesar disso, nota Pedro Moreira, da Abralog, há muito o que melhorar. “Os caminhões brasileiros ainda viajam vazios em 40% do tempo e precisamos emitir muitos documentos em papel para desembaraçar as entregas.”