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Artigo – O que esperar do setor ferroviário?

17.03.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor Econômico
Por: Thiago Sombra e Eduardo Guerra*
Data: 17/03/2023

Muito se tem debatido, criticado e especulado quanto aos rumos da política econômica do novo governo. Embora os temas da vez estejam relacionados à esfera macroeconômica, como reforma tributária e aumento da faixa de isenção de imposto de renda, outros assuntos interferem na macroeconomia e são de vital importância para o crescimento econômico de um país, como ocorre com a política de infraestrutura de transportes.

Conforme o Anuário Mundial de Competitividade 2022 – IMD, o país aparece na 59ª posição, com desempenho similar no quesito Infraestrutura (53ª posição). Para se ter uma ideia deste cenário, estima-se que o custo logístico de exportação de soja é quatro vezes o da Argentina e dos Estados Unidos.

Quando se pensa no assunto, o principal gargalo logístico identificado é a baixa capacidade de transporte do modal ferroviário. Esse transporte representa apenas cerca de 15% a 20% das cargas transportadas no país (o mesmo montante da década de 90), e, antes da edição da Lei n° 14.273/2021 (Marco Legal das Ferrovias), constatava-se um cenário de retrocessão da quilometragem percorrida.

Persiste uma visão distorcida quanto à prestação e exploração de serviços públicos por particulares

A Lei 13.448/2017 (Lei de Prorrogações Antecipadas e Relicitações) e o Marco Legal das Ferrovias vieram, justamente, como estratégia regulatória para alavancar o setor de infraestrutura de transportes. A primeira, pela prorrogação antecipada de concessões que atingiram níveis de qualidade e execução desejados, com a obrigação de realização de investimentos não previstos no contrato original. O segundo, pela possibilidade de utilização do regime privado de exploração de ferrovias por particulares (denominado regime de “autorização”), dentre outros avanços, como a autorregulação.

O efeito prático e o impacto na economia dessas leis é notório. Desde a possibilidade legal de prorrogações antecipadas, quatro já foram realizadas, sendo que apenas para a ferrovia da Malha Paulista são previstos R$ 6 bilhões em novos investimentos; R$ 2,9 bilhões em valor adicional de outorga; R$ 1,6 bilhão em razão de acordo com a concessionária; R$ 4,2 bilhões em benefícios socioeconômicos; R$ 1 bilhão em investimentos para resolução de conflitos urbanos; R$ 100 milhões anuais em tributos; e geração de 7 mil empregos anuais, só nos primeiros dez anos.

Já no âmbito das autorizações, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), de agosto de 2021 a outubro de 2022, houve 95 requerimentos por 42 empresas. Nesse período, foram assinados 27 contratos

com a ANTT para viabilizar novos projetos de autorização. A Agência projeta que os recursos privados a serem alocados somam, aproximadamente, R$ 150 bilhões e 11 mil km de novos trilhos, ao longo de 15 Estados.

Tais dados são um sintoma claro do alto potencial logístico que estava sendo desperdiçado. Se tantas empresas estão dispostas a realizar investimentos dessa magnitude em tão pouco tempo, isso se deve à demanda reprimida para maior utilização dessa modalidade de transporte, em especial no setor cargas.

Mesmo assim, ainda persiste uma visão distorcida quanto à prestação e exploração de serviços públicos por particulares, especialmente quando realizada em regime privado. O Relatório Final do Governo de Transição indica que haverá uma possível reavaliação da regulamentação que afetará as autorizações ferroviárias. Tal impressão é corroborada pelas notícias que apontam a posição do atual Ministério de Transportes, no sentido de que algumas requisitantes e autorizadas não teriam condições de dar efetivo seguimento aos projetos.

Esquece o governo que é dever do Estado fiscalizar as autorizações e que existem instrumentos legais suficientes e adequados para tratar situações de negligência, abandono ou renúncia à exploração dos trechos. O que não se pode é travar importantes investimentos exclusivamente privados e de notório interesse público no setor apenas pelo receio de que as empresas não terão sucesso no empreendimento.

Por outro lado, o governo afirma que o setor ferroviário será prioridade do Ministério do Transportes. Isso é, sem dúvidas, animador. Contudo, deve-se ter cuidado com os instrumentos que se pretende utilizar para estimular os investimentos, tais como as parcerias público-privadas, PPPs (especialmente as concessões patrocinadas), e a participação acionária em operadoras ferroviárias privadas.

As PPPs são realidade desde a edição de seu marco legal (Lei 11.079/2011) e continuam sendo essenciais à realização de diversos serviços públicos, mas o seu modelo exige uma contraprestação pecuniária estatal. Nesse modelo, o Estado aportará recursos para remunerar os serviços realizados pelas operadoras ferroviárias. Tal solução pode levar ao desinteresse da iniciativa privada, devido aos riscos inerentes a essa contraprestação pública, como as constantes restrições orçamentárias. Há de se destacar que as PPPs podem durar até 35 anos e esses riscos são ponderados pelos interessados na operação das ferrovias, especialmente porque se estima que o custo de construção de 1 km de ferrovia no Brasil gira em torno de R$ 15 milhões.

Outro interesse do governo é a participação acionária em operadoras ferroviárias privadas, no âmbito de sociedades de propósito específico (SPEs). Nesse caso, além do comprometimento dos gastos públicos, pode ter o efeito contrário ao desejado se tal participação pública for obrigatória, pois as empresas privadas resistiriam a ter o Estado como sócio, pelos mais diversos fatores.

Por fim, é preciso esclarecer que aqui fazemos um necessário contraponto e rogamos por uma análise detida e pormenorizada dos impactos da eventual alteração da política setorial, de modo a que não haja um retrocesso em marcos regulatórios importantíssimos para a abertura e desenvolvimento do setor ferroviário.

*Thiago Sombra e Eduardo Guerra são, respectivamente, sócio e advogado Mattos Filho