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“É fundamental para o país que o setor ferroviário seja mais plural e com um número maior de operadores.”

10.02.2023 | | Notícias do Mercado

Foto: LinkedIn

Acompanhe a entrevista realizada pela Revista Brasileira de Transportes – RBT – Volume 2 – Número 2 – 4ª edição –  Páginas 11 a 19 – FGV Transportes – com José Luis Vidal, diretor-executivo da ANFA – Associação Nacional das Ferrovias Autorizadas.

José Luis Vidal é Engenheiro Elétrico pela Escola de Engenharia Mauá, com especializações em Economia Mundial pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto – FEP, Gestão de Risco e Tomada de Decisão Financeira pela Universidade de Chicago e Liderança na Inovação pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts – MIT (Prêmio Fire Hydrant Award). É pós- graduado em Administração de Empresas pela Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM, certificado como Conselheiro de Administração Experiente (CCA+) pelo Instituto de Governança Corporativa – IBGC e concluiu o Programa de Educação continuada em Gerenciamento de Risco Corporativo e Curso Avançado para Membros de Conselho de Administração – IBGC. Possui mais de 25 anos no setor de infraestrutura e logística e, atualmente, ocupa as posições de Presidente do Conselho Diretivo e Diretor Executivo da Associação Nacional das Ferrovias Autorizadas – ANFA e de Coordenador do Comitê de Infraestrutura e Logística da Rede Governança Brasil – RGB. É membro dos seguintes Conselhos de Administração: Santos Brasil S. A, BEMISA – Brasil Exploração Mineral S.A e WV Logistics. É membro do Conselho do Fórum Brasil Export e Coordenador do 1° Programa de Aperfeiçoamento em Governança, Compliance e Gestão de Riscos com Ênfase no Transporte e na Infraestrutura, promovido pelo Instituto Latino-Americano de Governança e Compliance Público, para os associados da CNT.

RBT – Segundo dados recentes da ANTT, o Brasil possui 29.878 quilômetros de ferrovias, mas 62,1% dos trilhos (18.554 quilômetros) encontram-se subutilizados e 23,7% (7.076 quilômetros) ociosos. Diante desse cenário, no final de 2021, surge o novo Marco Legal das Ferrovias, Lei 14.273/21, com destaque para o regime de autorizações ferroviárias para a iniciativa privada. Como esse novo regime poderá impulsionar o modo ferroviário brasileiro e contribuir para o equilíbrio da matriz de transporte de cargas?

José Luis Vidal – O Brasil, entre os países de dimensões semelhantes, é o que menos utiliza o sistema ferroviário para o transporte de cargas, com somente 21,5% do volume total de cargas sendo transportado pelas ferrovias, bem menos do que na Rússia, Canadá, Austrália, Estados Unidos e China. Na Rússia, 81% das cargas são transportadas em linhas férreas, muito à frente do índice canadense, de 46%. Na sequência, aparecem Austrália e EUA (43%), e China (37%), índices mais próximos do que poderíamos ter. No Brasil, em 2020, 68% do volume de cargas foi transportado em apenas 9% das ferrovias em operação.
Em 2020, o Brasil movimentou 365 milhões de toneladas por ferrovias. Desse total, 250 milhões foram transportados em ferrovias operadas pela VALE, EFC e EFVM, com 1.900 km de extensão. Os outros 115 milhões de toneladas foram movimentados nos restantes 18.600 km de ferrovias em operação, ou seja, 9% da malha ferroviária em operação no Brasil transportou 68% do volume de carga e, nos 91% da malha restante, circulou o terço restante das cargas (32%). É importante destacar que, do total movimentado pela VALE, EFVM e EFC, somente 8,8% eram cargas de terceiros.

A ANFA entende que o novo Marco Legal das Ferrovias e o regime de autorizações ferroviárias podem mudar esse cenário, ampliando os investimentos em infraestrutura gerando desenvolvimento econômico e social nas diversas regiões do país.

RBT – No início de 2022, foi criada a Associação Nacional das Ferrovias Autorizadas (ANFA), entidade que representa as empresas envolvidas nas implantações de ferrovias pelo sistema de autorização, com você como primeiro diretor executivo. Quais são os principais objetivos da ANFA e como será sua atuação para contribuir com a melhoria da infraestrutura ferroviária do país?

José Luis Vidal – A missão da ANFA é apoiar o setor privado na implantação de novas ferrovias, aproximando o setor das melhores práticas ESG e contribuindo com o desenvolvimento do país. Queremos apoiar o governo a desenvolver uma política de Estado, e, consequentemente, uma regulação que propicie o equilíbrio da relação entre os atuais concessionários e as autorizadas.
Outra perspectiva será fomentar a indústria ferroviária brasileira, que está praticamente parada. Sem grandes encomendas por parte dos atuais concessionários ferroviários de cargas e passageiros, os fabricantes de trens instalados no país estão vivendo de eventuais exportações e das bem menores receitas das áreas de serviços, incluindo reformas e modernizações de equipamentos já em operação.
No segmento de passageiros, a ociosidade na fabricação de trens (considerando que cada trem é composto por uma locomotiva e oito carros) está em 80%. Na área de cargas, incluindo locomotivas e vagões, chega a quase 100%. A construção e operação de ferrovias autorizadas pode ajudar a dinamizar esse setor, assim como promover desenvolvimento socioeconômico longe dos grandes centros atuais.
Somos favoráveis a um Brasil industrializado.

RBT – O quadro ferroviário atual não gera interesse em novos investidores e empreendedores para o patrocínio do desenvolvimento logístico do país, visto que a matriz brasileira de transporte de cargas é dominada pelo modo rodoviário, que detém uma fatia de 65%, ficando o modo ferroviário com apenas 21%. Como as autorizações ferroviárias poderão contribuir para maior racionalidade e melhor equilíbrio da matriz de transportes de cargas, oferecendo transporte para o agronegócio, produtos industrializados, combustíveis e contêineres, além do predominante transporte de minérios e carvão?

José Luis Vidal – O Brasil tem uma baixa integração regional do seu sistema ferroviário, com a malha atual basicamente sendo a mesma dos anos 90. Isso provocou um baixo ritmo de crescimento das cargas ferroviárias: registramos 2,8% de crescimento anual nos últimos 10 anos. Um número muito modesto para um país que no mesmo período multiplicou suas exportações de grãos.
Levando em consideração apenas o transporte de grãos, vemos que o Brasil apresenta baixo percentual de transporte ferroviário, com ineficiências e sobrecustos muito significativos. Dos 305 milhões de toneladas de grãos produzidos, 69 milhões foram transportados por ferrovias, ou apenas 22,6%.
A competividade da produção brasileira passa pela necessidade de alternativas logísticas que permitam diminuir o “Custo Brasil” e aumentar
a eficiência. Esse custo pode ser reduzido com a implantação de novas ferrovias que permitam a universalização do transporte ferroviário, e
que evitem os conflitos com a carga própria. Isso poderá permitir o acesso a usuários que isoladamente não conseguem maximizar a sua capacidade pela existência de gargalos ferroviários.
A ampliação do sistema nacional ferroviário, com a integração aos outros modais, é fundamental para maximizar a performance de cada etapa da intermodalidade. As autorizações ferroviárias, de iniciativa e financiamento privado, além de altamente convergentes com as soluções ESG, são fundamentais para a necessária ampliação da participação ferroviária na matriz de transportes nacional.

RBT – As atuais concessionárias, caso sejam afetadas pela entrada em operação de alguma ferrovia autorizada, poderão migrar para o novo regime jurídico de autorização, sem prejuízo das obrigações contidas nos atuais contratos, no que se refere a investimentos e manutenção do transporte de cargas e passageiros. Qual seria o resultado prático desse eventual cenário?

José Luis Vidal – É importante que a agência reguladora e o governo federal avaliem se a migração dos atuais contratos de concessão para contratos de autorização contribuirá efetivamente para o aumento da competitividade do transporte ferroviário, sempre tendo como objetivo principal a expansão da malha, a conquista de novos mercados e o desenvolvimento de novos serviços.
Outro ponto a destacar é que o modelo de capital de uma ferrovia que foi construída pelo Estado e concedida à iniciativa privada tem uma estrutura de remuneração do capital muitas vezes diferente de uma autorizatária, que assume 100% do risco de implantação de um novo trecho.

RBT – Parece existir um consenso de que o novo regime de autorizações ferroviárias seja acompanhado de uma regulação para viabilizar
a obrigatoriedade do tráfego mútuo e direito de passagem nos novos ramais, trechos ferroviários autorizados e nas ferrovias existentes, que são operadas sob o regime de concessão. Isso é viável na prática, em termos operacionais e comerciais?

José Luis Vidal – Teremos de entender as particularidades operacionais, administrativas, financeiras e comerciais do modelo de concessão e de autorização, e desenvolver regulação que equilibre a relação de forma justa.
Essa regulação pode ser desenvolvida pela ANTT, que pode supervisionar o nível de cumprimento que os autorizatários entregarão à sociedade e as obrigações dos concessionários com foco no atendimento ao público, evitando distorções de mercado que se assemelhem a monopólios privados. É fundamental para o país que o setor ferroviário seja mais plural e com um número maior de operadores.

RBT – O decreto no 11.245/2022 foi publicado para regulamentar a lei no 14.273/2021, denominada de “Lei das Ferrovias”, e institui o programa de desenvolvimento ferroviário, cujo objetivo é criar condições para acelerar o processo de devolução de trechos subutilizados na malha ferroviária concedida. Qual é a sua visão sobre a aplicabilidade prática desse decreto?

José Luis Vidal – A lei aprovada pelo Congresso moderniza o setor e gera mais empregos, possibilitando o investimento privado em ferrovias. O novo marco cria condições para aumentar a eficiência, promovendo a diminuição de sobrecustos por sobreutilização do transporte rodoviário, estipulando a autorregulação, reprimindo as práticas anticompetitivas, permitindo o múltiplo acesso às ferrovias e criando o agente transportador ferroviário.
O instrumento das autorizações já apresentou resultados muito significativos no setor portuário com a atual Lei de Portos (Lei 12.815/2013) e, mais recentemente, no setor aeroportuário (Aeroporto Catarina, em São Roque). Estima-se que o mesmo ocorrerá no setor ferroviário, uma vez que as autorizações apresentam um regime jurídico mais ágil e menos burocrático em comparação com
as concessões.
Atualmente, estão estimados investimentos de R$ 240 bilhões, nos próximos 10 anos, ou seja, quinze vezes mais do que os R$ 16 bilhões investidos no setor, nos últimos 10 anos. Em um momento em que o Estado brasileiro precisa priorizar o combate às carências sociais, e, simultaneamente, ampliar a infraestrutura, sempre precursora do desenvolvimento, a criação de soluções combinadas são essenciais para o contínuo crescimento do país. As autorizações ferroviárias, de iniciativa e financiamento privado, além de altamente convergentes com o conceito ESG, são fundamentais para a necessária ampliação da participação ferroviária na matriz de transportes nacional.

RBT – O decreto no 11.245/2022 estipulou prazos para que as autorizatárias cumpram as etapas para o início da implantação das vias. São três anos para obter a licença prévia, cinco anos
para a licença de instalação e 10 anos para a de operação. Esses prazos são adequados? Quais são os principais projetos prontos para serem implementados?

José Luis Vidal – A ANFA entende que o modelo de autorizações pode ajudar a acelerar o desenvolvimento do país, ampliando a movimentações de cargas e apoiando a redução do Custo Brasil. O grande número de autorizações solicitadas reforça que há, de fato, grande demanda reprimida para movimentação em ferrovias.
Inicialmente, os prazos são viáveis, mas, para que os projetos comecem a ser implementados, é importante a criação de uma normatização adequada, que garanta segurança jurídica para atração do investidor privado, seja doméstico ou internacional.
Também é importante destacar que o contrato de autorização ferroviária é o passo inicial para o desenvolvimento do projeto e que, com a realização dos estudos de engenharia, por exemplo, muitas vezes é necessária a revisão do traçado definido inicialmente no contrato.

RBT – Atualmente, as autorizações ferroviárias totalizam 22 mil quilômetros de novos trilhos em todo o país, com projeção de investimentos de mais de R$ 258 bilhões de recursos 100% privados. Mesmo assim, os investimentos públicos no setor ferroviário ainda serão necessários?

José Luis Vidal – Entendemos que o sistema ferroviário brasileiro deveria ser composto por mais de um modelo de gestão. Os investimentos privados em ferrovia substituirão, em parte, a necessidade de investimentos públicos no setor, já que as ferrovias, como todas as infraestruturas de logística e transportes, são investimentos de grande monta e indutores do desenvolvimento, e novas fronteiras econômicas podem ser abertas no Brasil com um transporte ferroviário eficiente e econômico, como a vasta experiência mundial demonstra há mais de um século.

Importante lembrar que o Brasil é composto de inúmeras realidades diferentes, isso deve servir para nos mostrar que os modelos de cada região têm suas particularidades e devemos buscar modelos se aproximem ao máximo destas realidades. Que operar commodities minerais e ou agrícola é absolutamente diferente de operar carga geral e que, por tal, os compromissos de investimentos, as taxas de retorno, a gestão dos ativos, entre muitos outros pontos, têm de ser considerados de formas particulares e pontuais.

RBT – Por fim, como você analisa o mercado ferroviários brasileiro, em termos de demanda, atratividade comercial, segurança operacional, qualidade de serviço, regulação, eficiência energética, geração de empregos, controle ambiental e viabilidade financeira?

José Luis Vidal – O comprometimento com o meio ambiente não é mais uma opção e sim um pré-requisito de sobrevivência nessa nova forma de fazer negócio. As ferrovias autorizadas podem contribuir para o desenvolvimento de uma visão sistêmica do transporte brasileiro que possibilite o equilíbrio da matriz de transporte, propiciando a redução no consumo de energia fóssil, contribuindo para a diminuição das emissões de CO2. Com a ferrovia, a redução nas emissões de poluentes na atmosfera, comparada com o uso da rodovia, é estimada em cinco vezes, (fls. 24/27, Boletim de Logística – A Retomada dos Investimentos Ferroviários para Aumentar a Eficiência da Matriz de Transportes). Com isso, a ampliação da malha ferroviária contribui com o cumprimento das metas globais assumidas pelo Brasil, reduzindo as emissões de CO2 e colaborando para o controle do clima.