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Faltam trilhos e sobra carga

30.03.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor
Data: 30/03/2023

Entra governo, sai governo e o setor de transporte de carga ferroviária no país não engata. Não se trata de escassez de carga geral, mas de insuficiência de trilhos para movimentar a diversificação de mercadorias. A expectativa do aumento efetivo da malha — que hoje representa menos de 20% da matriz brasileira — está longe de ser solucionada no curto prazo. Aliás, desde 2004 não se observa expansão das ferrovias. Salvo investimentos que já estão engatilhados, como é o caso da Rumo

ALL, subsidiária da Cosan, não deverá haver outros aportes significativos em ampliações. Primeira a assinar o aditivo de renovação, há quase três anos, a operadora temum portfólio consolidado de projetos em execução como o aumento de capacidade da Malha Paulista e a conclusão da obra do ramo central da Ferrovia Norte-Sul, prevista para abril.

Luis Henrique Teixeira Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut), observa que “o cenário não mudou nada até agorae não há espaço para capacidade adicional de transporte de outras mercadorias, levando- se em conta que 70% são abocanhados por minério de ferro”. Ele afirma que há inclusive uma redução dos trilhos: “Dos 30 mil km instalados, apenas um terço está em operação e quase dois terços, abandonados, subutilizados ou devolvidos à União”.

Baldez não acredita em expansão da malha, apesar das prorrogações dos contratos iniciados em maio de 2020. O que deverá ocorrer, diz, serão projetos e decisões, e nada mais. “Trilho mesmo, não devemos ter nenhum aumento de capacidade nos próximos cinco anos, exceto por parte da Rumo e em menor proporção da Vale”, afirma.

Segunda concessionária a assinar o aditivo para prorrogação de duas ferrovias em 2021, a mineradora, em contrapartida, investirá cerca de R$ 24,7 bilhões, dos quais R$ 11,8 bilhões referem-se ao pagamento da outorga pelas duas ferrovias. Outros R$ 8,7 bilhões irão para a construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico) e R$ 3,9 bilhões para ampliação do serviço do trem de passageiros e obras de melhoria.

Na análise de Baldez, dos mais de R$ 30 bilhões provenientes das renovações das malhas por mais 30 anos, boa parte seráabsorvida, principalmente, em manutenção de linhas. “É o caso da MRS Logística”, exemplifica o presidente da Anut.

Diogo Rocha, gerente de finanças e relação com investidores da MRS, diz que “o histórico dos últimos anos mostra o crescimento de investimentos em manutenção corrente e expansão”. “Com o aditivo ao contrato de concessão, temos um compromisso regulatório que inclui R$ 11 bilhões ao longo da nova vigência do contrato.”

De acordo com ele, esse Capex adicional está segregado em três pilares: ampliação da capacidade e atendimento aos parâmetros de desempenho; mobilidade urbana; e obras de interesse público, como a segregação de via com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

A MRS contabiliza alta de 4,98% na movimentação de produtos no ano passado sobre o anterior: 178,2 milhões de toneladas foram transportados no período. “O resultado deve-se às mercadorias agrícolas, celulose e recuperação de minério”, detalha Rocha. Para ele, este ano será bom, graças a alguns mercados, como agronegócio, celulose, siderurgia e mineração. “São clientes que têm ampliado a demanda e consolidado o ferroviário como solução logística.”

No caso da Rumo – que administra 14 mil km –, parte dos investimentos feitos já reflete na elevação do volume de carga, que em 2021 atingiu mais de 60,4 milhões de toneladas por km útil (TKUs) e no ano seguinte saltou para 67 milhões, alta de 10,9%. “Esse crescimento resulta de investimentos para atender o agronegócio e a indústria com uma logística integrada e planejada para o futuro”, relata Pedro Palma, vice-presidente comercial da Rumo.

A companhia transporta de produtos agrícolas a industrializados, além de cargas conteinerizadas e cargas refrigeradas. Os aportes a serem realizados pela operadora somam mais de R$ 6 bilhões em obras, trilhos, vagões e locomotivas. Com isto, a Malha Paulista aumentará sua capacidade de transporte dos atuais 35 milhões para 75 milhões de toneladas, podendo chegar futuramente a 100 milhões de toneladas. A concessionária também planeja concluir a obra do ramo central da Ferrovia Norte- Sul no próximo mês.

A maior expectativa para este ano diz respeito às obras de infraestrutura, como a conclusão da Malha Central (Ferrovia Norte-Sul), que hoje opera entre Rio Verde e Santos. “Estão em fase de finalização as obras no trecho III, entre Rio Verde e Anápolis. Desde que entrou em operação em 2021, passamos a atender novos mercados e contribuímos de forma direta para escoar a produção agrícola do centro do país”, acrescenta.

Outro ponto de destaque são as obras da nova ferrovia de Mato Grosso. “A construção do viaduto ferroviário em Rondonópolis foi o pontapé inicial de um projeto que receberá entre R$ 14 bilhões e R$ 15 bilhões de investimentos em obras que serão executadas em direção a Campo Verde, Cuiabá e Lucas do Rio Verde”, diz. O investimento 100% privado irá elevar o patamar da economia de Mato Grosso, gerar emprego e renda, com potencial para atrair ainda mais investimentos em diferentes setores de produção.

Dados da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) sobre movimentação de mercadorias no ano passado apontam para uma retração de 0,4% sobre 2021. Fernando Paes, diretor-executivo da ANTF, explica que 2022 foi pontuado por adversidades climáticas, que impactaram alguns fluxos, além da retração do transporte de minério de ferro, associada à queda também do preço do produto no mercado internacional. Mesmo assim, o ano fechou em 371,1 bilhões de TKUs transportados.

A carga geral, ao contrário, aumentou 11,7%, totalizando 122,5 bilhões de TKUs, com volume consistente de produtos como celulose, combustíveis, açúcar e milho. Boa parte da mercadoria foi transportada por contêineres, segmento que apresentou um aumento de 4,4% na comparação entre 2022 e 2021.

Ao contrário de Paes, da ANTF, o presidente da Anut acredita em um incremento de 2% na economia mundial e entre 5% e 6% no mercado chinês. “A previsão é que o volume de carga ferroviária possa crescer até 2% em 2023”, afirma Baldez. Ele frisa que o aumento da carga geral, no ano passado, se deu justamente pela redução do minério, em função da retração da economia chinesa. “Isso não é algo permanente, pois, além da queda do minério, há uma montanha de carga geral esperando a expansão das linhas de ferro”, garante. Quando o nível do minério retomar, não haverá capacidade para a movimentação de carga geral e o produto voltará a ocupar a posição que sempre ocupou, de 70%.

O governo, por sua vez, promete para 2023 o aprimoramento do marco legal das ferrovias – aprovado em 2022 – e um plano de ação para “modernizar a logística, reduzindo custos e contribuindo com o setor produtivo”. Para o diretor da ANTF, há várias frentes “que demandam atenção”. Entre elas, destacam-se a definição do governo do seu pipeline, como trechos ainda não concedidos da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e o projeto da Ferrogrão, que tem edital no Tribunal de Contas da União (TCU), porém encontra-se com o processo suspenso por determinação do Supremo Tribunal federal (STF).

Outra preocupação de Paes diz respeito aos planos de investimentos das concessionárias com prorrogações antecipadas “A questão é ter a certeza, sob o ponto de vista regulatório, de que esses investimentos serão realizados como estão planejados”, diz.

O questionamento do executivo fundamenta-se na necessidade de um reconhecimento formal do governo federal e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de que houve uma elevação dos custos dos insumos, seja pela pandemia, seja pela guerra na Ucrânia, totalmente imprevisíveis e acima do IPCA, que orienta a maior parte dos contratos. Paes diz ainda que é preciso oferecer um “conforto” para que as concessionárias possam dar sequência aos investimentos sem correr o risco de desequilíbrio nos contratos.

Projetada para ser a principal linha ferroviária da região Nordeste, servindo como canal de escoamento de grãos e minério de ferro, entre outros produtos, a Transnordestina colecionou inúmeras interrupções e foi construída pela metade, ou seja, o trecho que passa pelo Ceará, sob comando da CSN.

A ferrovia foi concebida ainda no primeiro mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a estimativa era que fosse concluída 12 anos atrás. No atual governo, a estrada de ferro deve ganhar novo fôlego. A estimativa é que até o fim de 2027 a maior parte da obra seja concluída. O projeto prevê a construção de 1.753 km de malha ferroviária, envolvendo três Estados: Ceará, Pernambuco e Piauí, com responsabilidade do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) pela modelagem de um novo funding para financiamento das obras da ferrovia.