20.10.2025 | ABIFER | Notícias do Mercado
Fonte: O Estado S. PauloData: 17/10/2025
Os ministérios dos Transportes e o de Portos e Aeroportos (MPor) iniciaram uma discussão para evitar disputas sobre a gestão de ferrovias localizadas dentro de áreas portuárias, tecnicamente chamadas de poligonais. O governo identificou que um dispositivo da Lei das Ferrovias (14.273/2021) abre margem para interpretações divergentes sobre a titularidade e a administração desses trechos. Há, por parte do setor ferroviário, temor de forte impacto financeiro a depender do que prevalecer.
O ponto de controvérsia está no artigo 56-A da Lei dos Portos, incluído pelo novo marco ferroviário, que determina que as infraestruturas ferroviárias dentro das poligonais dos portos não constituem ferrovias autônomas e devem ser administradas pela respectiva autoridade portuária, sem necessidade de outorga específica.
Na prática, o texto abre espaço para que portos assumam a gestão dos trilhos dentro de seus perímetros, mesmo que esses trechos estejam sob concessão ferroviária.
Não há, até o momento, casos de disputa pela titularidade dos trechos. Porém, o temor do Ministério dos Transportes é de riscos para projetos que estão sendo consolidados para serem oferecidos à iniciativa privada. Ainda, porque a lei permite que, se a área de um porto for ampliada e incluir parte de uma malha ferroviária existente, essa área seja automaticamente transferida à autoridade portuária, gerando perda de receita e valor para a concessionária ferroviária.
“O grande ativo da ferrovia é entregar a carga dentro do porto. Se ela perde esse controle e entrega a carga a um terceiro antes da área portuária, o valor do ativo diminui”, aponta o secretário executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro. O secretário afirma que os diálogos iniciais foram no sentido de esforço conjunto para pacificar o tema, sem favorecimento de um setor em detrimento de outro.
O Brasil tem 235 instalações portuárias, públicas e privadas, entre marítimas e fluviais. Os de maior relevância são os portos públicos organizados, que totalizam 37. Entre esses, 28 já têm trilhos que chegam em suas áreas de influência de portos. Outros nove têm projetos em execução ou ainda no papel.
A ligação entre portos e trilhos é um gargalo histórico da logística brasileira. O ideal considerado é que cada grande porto receba duas ferrovias, o que é a exceção no cenário atual.
O Ministério de Portos e Aeroportos diz que a questão tem sido tema de debate com o setor e não apresenta oposição a que gestão dos trilhos dentro das poligonais seja de titularidade dos portos. “Tal medida permite às autoridades portuárias a gestão e o planejamento dos seus acessos, flexibilizando o modelo de exploração”, afirma o ministério. Por nota, a pasta diz que há uma série de vantagens potenciais.
“Expectativa de ganhos de eficiência operacional, maior rapidez para a realização de investimentos essenciais, sem aporte de recursos públicos, e redução de custos logísticos; superioridade dos parceiros escolhidos; pertinência e compatibilidade de projetos de longo prazo, materializados nos investimentos mínimos, adicionais e complementares previstos; e complementaridade das necessidades, já que os próprios interessados em acessar a ferrovia interna serão responsáveis pela sua gestão, operação, manutenção e expansão.”
Um dos exemplos já consolidados é a Ferrovia Interna do Porto de Santos (Fips), que, em outubro de 2023, celebrou o contrato de cessão da malha ferroviária do Porto de Santos, sob a administração da nova cessionária, que reúne a Ferrovia Centro Atlântica (VLI), a MRS Logística S/A e a Rumo S/A.
A concessionária é responsável por gestão, operação, manutenção e expansão da ferrovia dentro do porto por um prazo de 35 anos e terá de investir, no mínimo, R$ 1 bilhão em cinco anos para ampliar a capacidade ferroviária local.
O secretário executivo do Ministério dos Transportes afirma que a separação dos ministérios de infraestrutura acarretou maior dificuldade para alinhamento de pautas, o que pode ter atrasado o diagnóstico. “Antes, quando os ministérios eram unificados, qualquer questão envolvendo porto e ferrovia era resolvida de forma integrada. Agora, precisamos definir quem conduz a decisão quando uma linha ferroviária interfere na poligonal de um porto.”
Para o representante da pasta de Transportes, o potencial ganho logístico tende a não se concretizar se houver conflito entre os setores. “Se alguma autoridade portuária entender que pode obter receitas adicionais com trechos ferroviários, corre-se o risco de prejudicar o próprio fluxo de cargas, porque os operadores podem escolher outros destinos. As decisões no setor são racionais, se houver restrições ou
Em relação à possibilidade de as autoridades portuárias assumirem o controle de ferrovias dentro das poligonais, o Ministério de Portos e Aeroportos afirma que a decisão dependerá de análises técnicas e logísticas sobre viabilidade e interesse econômico. “Não é possível afirmar de forma tácita que haverá interesse em todos os casos. Cada porto deverá avaliar a capacidade e a conveniência de gerir esses ativos”, diz em nota.
Associações de portos e de ferrovias foram procuradas pela reportagem. Ambos os setores estão cautelosos sobre manifestações públicas, aguardando desdobramentos dos diálogos do governo.