Av. Paulista, 1313 - 9º Andar - Conjunto 912 (11) 3289-1667 [email protected]
pt-bren

Limitada e estagnada: entenda o cenário das ferrovias de Santa Catarina e as possíveis soluções

30.11.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: ND Mais
Data: 29/11/2023

Os grãos de milho que chegam todos os dias ao oeste catarinense percorrem um longo caminho.

São mais de 1000 caminhões que saem diariamente de Chapecó, num caminho de 2200 quilômetros que ligam os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, principais produtores do grão, ao estado de Santa Catarina.

Por ano, são realizadas mais de 100 mil viagens de carretas que transportam até 30 toneladas, o que gera um custo anual de 6 a 7 bilhões de reais em frete.

Além dos grãos vindos da região centro-oeste, Chapecó ainda importa grãos do Paraguai e Argentina.

Tais operações são necessárias para cobrir o déficit anual de 5 milhões de toneladas de milho, usado na alimentação das aves e suínos no oeste catarinense. A situação não é novidade.

Há mais de 30 anos, diversas organizações e entidades políticas debatem sobre os custos para importar o milho e exportar as aves e os suínos da região oeste — maior produtora de suínos no país e a segunda maior de aves.

As dificuldades do sistema rodoviário, como as más condições das estradas, somadas aos custos do transporte, limitam o crescimento do setor, ameaçam as operações comerciais e a continuidade das agroindústrias no médio e longo prazo no Estado.

Em épocas de chuvas, por exemplo, com a interdição de rodovias, os atrasos nas entregas de mercadoria afetam toda a cadeia produtiva, encarecendo o valor de produção e tornando o produto final menos competitivo frente aos demais produtores nacionais e internacionais.

A principal alternativa para reduzir custos e impulsionar o crescimento do setor, está na construção de novas ferrovias.

O modelo pode proporcionar uma redução de 30% nos custos de transporte de insumos e produtos alimentícios, além de ampliar a capacidade produtiva.

“Hoje nós estamos perdendo muita competitividade em função do custo do transporte dos produtos. As unidades frigorificas já diminuíram os investimentos no estado, e estão investindo mais no Paraná e na região Centro-Oeste.

Sem uma ferrovia, esses investimentos tendem a se deslocar para outras regiões, comprometendo a sobrevivência do agronegócio na região”, explica Lenoir Antônio Broch, Presidente da Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC Chapecó).

Existem dois projetos para construção de ferrovias em Santa Catarina.

A primeira é a da Ferroeste, que ligará o oeste catarinense ao Paraná, com 280 quilômetros, e a segunda é de uma ferrovia interterritorial que fará a ligação com os portos catarinenses, a chamada Ferrovia do Frango, com mais de 600 quilômetros de extensão.

Novas ferrovias ganham impulso com liberação para iniciativa privada

Desde 2021, com o Novo Marco Legal do Transporte Ferroviário (Lei 14.273), organizações privadas podem construir ferrovias, bem como aproveitar e restaurar trechos ociosos mediante autorização e leilão das partes para uso.

Entidades da região defendem criação de novas ferrovias para potencializar o agronegócio, além de reduzir os custos na importação de milho e outros insumos – Foto: Divulgação/Ferrovia Tereza Cristina

Até então, a construção era uma atribuição exclusiva do Governo, que liberava concessões para administração das ferrovias nacionais por 30 anos — como nas duas ferrovias catarinenses operadas pela Tereza Cristina e a RUMO Logística.

Com a liberação para a iniciativa privada, a construção da Ferroeste, discutida desde os anos 90, ganhou um novo fôlego.

O projeto prevê a ligação de Chapecó à Cascavel, e Cascavel à Maracajá, no Mato Grosso do Sul, formando o “corredor do milho” e ligando, assim, o sul à região Centro-Oeste.

O trajeto terá 286 quilômetros de extensão e deverá custar mais de R$6 bilhões só no trecho entre Santa Catarina e o Paraná, enquanto o projeto completo com o Mato Grosso do Sul deve passar de R$35 bilhões de reais.

Os estudos sobre a viabilidade técnica, ambiental, econômica e social sobre a construção da nova linha ferroviária, iniciaram na pandemia e seguem em andamento.

Segundo o presidente da ACIC, Lenoir Antônio Broch, a viabilidade técnica, ambiental e econômica da nova ferrovia já foi comprovada.

O que está em andamento é o estudo da viabilidade social da obra, que deve passar por comunidades indígenas, além de remover árvores de espécies nativas.

Até o próximo ano, a expectativa é que o projeto seja aprovado pelo IBAMA e pelo Ministério Público, para ocorrer o leilão de trechos da obra, bem como a busca por financiamento.

Já o projeto da Ferrovia do Frango, que irá cortar o estado, ligando o extremo-oeste aos portos catarinenses para exportação das aves e suínos, está sendo realizado pelo Governo de Santa Catarina.

A proposta é ligar Chapecó à Correia Pinto, interligando com a Malha Sul a partir de uma nova bifurcação, até aos portos. Essa ferrovia irá facilitar as operações de exportação das aves e suínos de Santa Catarina.

Ferrovias Tereza Cristina e Malha Sul enfrentam desafios na operação de cargas

Mas apesar do novo cenário favorável de investimentos na construção de ferrovias no país, impulsionado pelo novo Marco das Ferrovias e pelo crescimento no setor pós-pandemia, Santa Catarina enfrenta uma série de desafios na operação das atuais malhas ferroviárias.

“As operadoras catarinenses têm muitos problemas com os ruídos dos trens, que foram construídos em um período em que não havia urbanização.

Hoje, as más condições das ferrovias, os limites de velocidade em áreas urbanas e a baixa demanda de transporte em alguns pontos, como em Mafra, não deixam atrativas as ferrovias de Santa Catarina”, explica o Coordenador do curso de Engenharia Ferroviária e Metroviária da UFSC, Yesid Asaff, Até então, existem apenas duas ferrovias: a Tereza Cristina e a Malha Sul.

A Ferrovia Tereza Cristina possui 164 km de extensão, fica localizada no sul do estado e passa por 14 municípios, sendo responsável pelo transporte de carvão mineral e cerâmicas.

Já a RUMO Logística, maior operadora ferroviária nacional, é responsável pelas operações da Ferrovia Malha Sul, que liga Mafra a São Francisco do Sul e passa por Lages, com 1300 km em uso.

Ambas estão no processo de renovação das concessões, que prevê tanto a operação quanto a manutenção das malhas ferroviárias.

Em nota ao ND, a RUMO Logística indicou que já protocolou o Plano de Negócios para a renovação antecipada da Malha Sul, que se encontra em análise pela ANTT – Agência Nacional dos Transportes Terrestres para possíveis aprimoramentos no caderno de estudo.

O processo de renovação da concessão precisa cumprir uma série de etapas junto ao órgão regulador e demais entidades.

Entre essas etapas, constam audiências públicas com a sociedade e entidades para discutir as melhores soluções. Somente após essas rodadas, será possível estabelecer qual será o investimento total das contrapartidas previstas na renovação.

Tamanho da malha ferroviária brasileira está estagnada desde os anos 60

O Brasil possui 28.218 quilômetros de malha ferroviária, sendo que 9 mil km estão abandonados e 8,6 mil km estão deteriorados, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Tamanho da malha ferroviária brasileira está estagnada desde os anos 60 – Foto: Divulgação/Ferrovia Tereza Cristina

Na prática, apenas 20% do transporte de cargas é realizado pelas ferrovias, enquanto quase 70% das cargas são transportadas pelas rodovias e 10% por sistemas aquaviários e outros meios.

Diferente do crescimento global, o tamanho da malha ferroviária brasileira não evoluiu nas últimas décadas.

Nos anos 60, o Brasil tinha uma das maiores malhas ferroviárias do mundo, com cerca de 30 mil km. Porém, por questões políticas e o investimento nas rodovias, o setor parou de crescer.

Diversos trechos foram desativados e várias operadoras deixaram de atuar no país. Hoje, os Estados Unidos têm a maior malha ferroviária do mundo, com aproximadamente 300 mil km.

Na Rússia, os trens representam 81% do transporte de cargas do país, com 86 mil km, enquanto no Canadá, há 34% de densidade da malha ferroviária, com 77,93 mil km. Já na China são 141,40 mil km, o que representa apenas 14% do transporte de cargas.

Enquanto na Austrália essa proporção é de 55%, com 33,34 mil km de ferrovias. Entretanto, ao comparar o tamanho das malhas ferroviárias entre os países é importante considerar os fatores geográficos e a proporção de cada país.

O estado de Santa Catarina, por exemplo, tem o tamanho semelhante ao da Hungria, enquanto São Paulo, que possui uma das maiores malhas ferroviárias de transporte de passageiros, tem um tamanho próximo ao Reino Unido.

“O Brasil é gigantesco se comparado a outros países. Por isso, é importante olhar para quantidade de passageiros que precisam de transporte aqui e o quanto já transportamos.

Só a população de São Paulo já é muito maior do que vários países da Europa. Ou seja, transportamos mais pessoas aqui do que lá.

Então, olhando para os nossos parâmetros podemos identificar que, sim, estamos atrasados no transporte de passageiros e também de cargas, o que é um problema histórico”, explica o professor Yesid Asaff.

Mas vale destacar que, apesar do atraso na oferta de ferrovias, o Brasil se destaca mundialmente em relação à parte tecnológica de transporte de cargas.

A Rodovia da Vale, por exemplo, é reconhecida como uma das melhores do mundo.

As companhias ferroviárias também utilizam novas tecnologias nos trens de carga, como o uso de locomotivas híbridas de bateria e diesel, uso de dois contêineres, sanfonas nos trens, vagões articulados e outras inovações.