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Mais influente, Marina enfrenta o desafio de projetos sensíveis

03.04.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor Econômico
Data: 03/04/2023

Considerada figura-chave no compromisso do governo brasileiro com a agenda global de combate às mudanças climáticas, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, está mais influente do que em sua primeira passagem pela pasta, há 20 anos. Ministros de outras áreas têm pisado em ovos para levar adiante obras consideradas sensíveis em relação ao impacto ambiental, cientes do capital político de Marina junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do potencial de que a ministra mude os rumos de projetos.

A exposição da tragédia humanitária no território Yanomami colocou mais um ponto de atenção sobre os projetos de infraestrutura que passam por terras indígenas. Há, entre os ministérios envolvidos com grandes obras, a percepção de que um amplo debate com os órgãos ambientais será vital e de que Lula tenderá a apoiar Marina em caso de disputa, diferentemente do que ocorreu no passado.

Ministra do primeiro governo Lula, ela deixou o cargo em 2008, após perder uma queda de braço interna sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O megaprojeto era defendido à época por Dilma Rousseff, então ministra- chefe da Casa Civil. Marina deixou o governo e o PT e se candidatou três vezes à Presidência da República. A reaproximação com Lula só aconteceu recentemente e as tratativas para ingressar o governo vieram após garantias de autonomia na política ambiental.

Desde que venceu as eleições, o presidente tem reforçado os principais eixos do seu terceiro mandato: democracia, combate à fome e sustentabilidade ambiental. Ciente de sua importância nessa tríade, Marina deu a primeira demonstração de força já nos primeiros dias do governo, quando houve uma controvérsia política sobre qual pasta deveria abrigar as atribuições da Agência Nacional de Águas (ANA).

Em sua cerimônia de posse, quando ainda pairavam dúvidas sobre o destino da ANA, a ministra garantiu que ficaria com o Meio Ambiente. Não foi questionada. A agência terá atuação importante, por exemplo, no novo arcabouço regulatório do saneamento básico. Por causa disso, havia uma disputa entre os ministérios das Cidades, da Integração Nacional e do Meio Ambiente. Marina venceu, mas outras divergências já se avizinham.

Há duas semanas, a ministra se manifestou pessoalmente contrária ao projeto de exploração de petróleo e gás na margem equatorial – do Amapá ao Rio Grande do

Norte. “A Petrobras deve transitar para ser uma empresa de energia e não apenas de exploração de petróleo”, afirmou ela, ao defender que esforços para a transição energética “devem ser acelerados” para a produção de energia de fontes renováveis.

Dois dias depois, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, definiu o mesmo projeto como “um novo pré-sal” e “um passaporte para o futuro” das regiões Norte e Nordeste. Para ele, a transição energética também deveria passar pelo aproveitamento dos ativos naturais do país. “Precisamos aproveitar a riqueza do povo brasileiro que está no subsolo”, afirmou o ministro.

Em outra frente, Silveira defendeu recentemente a linha de transmissão entre Manaus e Boa Vista, que promete conectar Roraima ao Sistema Interligado Nacional. O projeto se arrasta há vários anos por possíveis impactos sobre a Terra Indígena Waimiri Atroari, que está no meio do caminho do linhão. O governo Jair Bolsonaro fez um acordo com os indígenas, homologado em setembro passado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Silveira prometeu iniciar à obra.

Marina também já se manifestou contra esse projeto. “Existem estudos que dão conta de outras alternativas para geração de energia para o Estado de Roraima. Temos um potencial muito grande para energia solar, eólica e biomassa. E a gente sabe que a geração de energia, quando feita na própria localidade, é muito mais eficiente”, disse durante evento de campanha, em 2018. “Não tenho dúvidas de que é possível suprir Roraima de energia por um processo exemplar, para o Brasil e o mundo, e respeitando as comunidades”, completou.

Atento ao rumo dos ventos, o ministro dos Transportes, Renan Filho, vem trabalhando junto com o Ibama para agilizar alguns projetos que são considerados estratégicos pela pasta e que têm sensibilidades relacionadas ao impacto socioambiental. Ele se reuniu em fevereiro com o novo presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, e apresentou uma relação de quatro rodovias que necessitam de intervenções.

Um dos casos mais polêmicos é o trecho da BR-319 no Amazonas, cuja licença prévia, dada durante a gestão Bolsonaro, é questionada pelo atual governo.

Agostinho já indicou que poderá revisar a licença da estrada, que corta uma área onde vivem várias espécies ameaçadas de extinção, mas é considerada fundamental para o acesso terrestre a Manaus.

Oficialmente, o Ibama informa que aguarda o envio de um protocolo pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) com a documentação que vai subsidiar o pedido de licença de instalação.

Em audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, há duas semanas, Renan Filho reconheceu a situação “dramática” dos manauaras que precisam se deslocar e disse que tratou do projeto pessoalmente com Lula. Aproveitou a oportunidade para pedir apoio do Congresso para “encontrar saídas” para as várias obras com processos desafiadores de licenciamento ambiental.

Além da BR-319, o ministro mencionou a pavimentação de um trecho da BR-135 no oeste baiano, numa região onde há grande quantidade de cavernas e grutas que abrigam reservas de água superficiais e subterrâneas. “Para os senhores terem uma noção do desafio, para esse trecho já foi escrita uma tese de doutorado na área ambiental para se justificar a obra. Saiu o doutorado, mas a obra não andou”, disse Renan.

Esses dois projetos estão na relação de empreendimentos discutidos na reunião com o Ibama, juntamente com intervenções nas BR-158 e BR-242, ambas em Mato Grosso, importantes para o escoamento da produção de grãos do Estado. No caso da BR-158, o Ibama informa que está aguardando o pedido de licença para o trecho que contorna a Terra Indígena Marawatsede.

Outra obra sensível para o Centro-Oeste é a Ferrogrão, ferrovia que promete levar as cargas agrícolas da região para o porto de Miritituba, no Pará. Apesar de prometer tirar milhares de carretas das estradas, o empreendimento é visto com reservas por ambientalistas e foi suspenso pelo STF em 2021, sob a alegação de que altera os limites do Parque Nacional de Jamanxim, no Pará.

Ao ressaltar a importância do projeto, Renan Filho já disse que vai procurar Marina para alinhar o assunto. Ele também defendeu uma mudança no nome da ferrovia, por considerar que o atual sugere algo danoso ao meio ambiente. Em vez de Ferrogrão, o ministro diz que tem ouvido várias sugestões, e que uma delas seria algo como “túnel verde”.