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Opinião – As debêntures incentivadas e a relevância na infraestrutura

25.09.2020 | | Notícias do Mercado

Foto: Ana Paula Paiva/Valor

Está em debate na Câmara Federal o Projeto de Lei 2.646/20 que visa ampliar incentivos tributários para as debêntures destinadas à projetos de infraestrutura. Há indicações de que o tema deverá ter prioridade para ser analisado pelo plenário.

A proposta corresponde a uma segregação de partes do PLS 7.063/2017 que estabelece uma nova Lei Geral das Concessões. Essa proposição mais ampla foi aprovada por comissão especial em novembro de 2019, mas por resistências do Executivo ela ainda não foi levada ao plenário para debate e aprovação final.

O PL 2.646/2020 foca no aprimoramento dos incentivos concedidos pela Lei 12.431/11, do início do governo Dilma. Aquela medida foi um vetor fundamental para o fortalecimento do mercado de capitais, com a destinação de recursos privados para projetos de infraestrutura nacional. Os dados do último boletim da SPE/ME que cobre o período de 2012 até julho último mostram que, ao todo, já foram feitas 473 emissões de debêntures incentivadas, totalizando R$ 93,1 bilhões de dívidas que alavancaram investimentos da ordem de R$ 327,9 bilhões.

As debêntures incentivadas pegaram vento e alçaram o mercado de crédito privado a um patamar superior. As negociações secundárias têm se mantido ativas; em julho o índice foi de 4,1% (volume negociado/estoque de mercado), com um giro igual ao dobro do mercado geral das debêntures. Em julho último havia 122 mil cotistas nos fundos de infraestrutura, onde as debêntures incentivadas correspondem a mais de 90% de seus portfólios.

A importância das emissões de dívidas privadas para a infraestrutura brasileira pode ser medida quando se compara com o total dos desembolsos do BNDES para o setor. Em 2019 as debêntures incentivadas atingiram R$ 33,8 bilhões contra um desembolso raquítico do Banco de apenas R$ 24,4 bilhões (em 2014 foi de R$ 69 bilhões). As empresas do setor de energia, nos seus diferentes segmentos, são os principais emissores, com cerca de 71,5% do valor total; transportes e logística ficam com 23,5% e saneamento com apenas 4%. As aquisições diretas feitas pelas pessoas físicas, que usufruem do benefício tributário, correspondem a 30% do total.

A iniciativa de revisão e ampliação da legislação traz medidas relevantes, mas há necessidade de ajustes, sob pena de se perder uma oportunidade de efetivo aprimoramento da ferramenta. O projeto propõe a criação de um novo papel, denominado debênture de infraestrutura, mas mantém a modalidade já existente. Nessa alternativa nova, há um novo incentivo tributário, desta vez para o emissor, com dedução do valor dos juros na estimativa do lucro para fins de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL, acrescido de um abatimento de 30% dos juros pagos no total do lucro real, base de cálculo dos tributos. Para os projetos classificados como green, ou seja, de alto impacto ambiental, o benefício chega a 50%.

O argumento é permitir que seja ofertado o papel com taxas de juros mais atrativas, especialmente para investidores institucionais (fundos de pensão e outros), os quais não se beneficiam da lei vigente por já possuírem uma tributação própria favorecida.

Outra novidade é a de se permitir a emissão de papéis com cláusula cambial ou distribuição direta no mercado externo. Nesses casos, o tratamento fiscal é idêntico ao dado a empréstimos externos. Outro ponto relevante está na alteração do prazo para aplicação do recurso no investimento indicado; ele passa de 24 meses para 60 meses!

Além disso, há medidas que simplificam a estruturação das debêntures, dispensando a exigência de uma portaria ministerial autorizativa. Há, por fim, uma ampliação dos setores classificados como de infraestrutura. Estão inseridas, dentre outras, atividades econômicas como iluminação pública, gestão de resíduos sólidos, habitação e as infraestruturas sociais nas áreas de saúde, educação e segurança pública.

A ideia de se dar um estímulo direto para o emissor sob o argumento de se ter rentabilidades mais atrativas nas emissões é interessante, mas não se pode esquecer que as debêntures incentivadas sempre estiveram com prêmios superiores aos das NTN-Bs de mesmo duration, conforme é mostrado no próprio boletim informativo.

O PL precisa de algumas correções. Deveria voltar seu foco para a distinção entre os projetos de implantação inicial (os greenfields) e aqueles já performados. Há, atualmente um predomínio desses últimos nas emissões das debêntures e seria sensato ter um estímulo tributário adicional apenas para aqueles projetos de implantação que têm riscos mais elevados. Ademais, é preciso esclarecer a duplicação de incentivos tributários concretizados pela dedução do valor correspondente aos juros pagos para efeito de apuração do lucro líquido sobreposta à exclusão de 30% (ou 50%) dos juros pagos no exercício na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL. Da forma como está proposto expande-se ainda mais o estímulo tributário para empresas já consolidadas, em um contexto de revisão da estrutura tributária, de forma a torná-la mais justa.

Nestes termos, a proposta enfatiza a restrição de aquisição dos papéis por partes relacionadas à empresa emissora. Inclusive, explicita uma multa elevada no caso dessa infração. Porém, fica fora desse controle as partes relacionadas quando sediadas no exterior, o que não faz sentido pois abre uma brecha para a transferência imprópria de recursos a sócios ou investidores de outros países. A inovação trazida para se atrair investidores externos é positiva. Atualmente, essa participação é mínima.

A expansão do prazo para aplicação do recurso captado precisa ser revista. O prazo de cinco anos é demasiado. Uma alternativa ao prazo atual de 24 meses, tido como exíguo, é o de admitir a comprovação de despesas feitas até 6 meses antes da data de fechamento da emissão, e dar um prazo de até 30 meses a partir daí. Essa alternativa adequa-se aos critérios utilizados nos financiamentos dos bancos públicos.

Enfim, a proposta merece prioridade no debate legislativo e no mercado financeiro, mas sua análise deveria estar articulada com a discussão da reforma tributária. A redução da incidência tributária sobre o custo de dívidas tomadas para realizar investimentos reais deveria ser compensada com a revisão da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos e as grandes fortunas.

 

Guilherme Narciso de Lacerda economista, professor do Departamento de Economia da UFES (aposentado). Foi diretor do BNDES (2012-2015). É autor do livro Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico, recém-publicado pela Editora LetraCapital.

Maurício Muniz Barretto de Carvalho, administrador público, assessor chefe da Casa Civil do governo de Estado da Bahia. Foi ministro de Estado chefe da Secretaria de Portos da Presidência da República (2016) e Secretário do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC (2011-2016).

 

Fonte: Valor

Data: 24/09/2020