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Wabtec diversifica seu portfólio diante da instabilidade no mercado de locomotivas

06.02.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Revista Ferroviária
Data: 30/01/2023

Danilo Miyasato, presidente e líder Regional para América Latina da Wabtec.

Com uma visão detalhada e certeira das nuances que envolvem o mercado ferroviário brasileiro, o presidente e líder Regional para América Latina da Wabtec, Danilo Miyasato, tem na cabeça o caminho para transformar a empresa diante do cenário de instabilidade na demanda por locomotivas, seu carro-chefe no Brasil. O executivo, que está à frente da Wabtec há pouco mais de dois anos, entende que o momento das ferrovias de carga hoje é diferente do que vinha acontecendo nos últimos dez anos.

“O crescimento das ferrovias foi muito pautado em gestão de material rodante, vagões e locomotivas, e agora será focado em ganhos de eficiência e segurança, como sistemas de sinalização e outras tecnologias para melhorar a produtividade. Às vezes, com a mesma base de ativos, a ferrovia transporta mais, porque consegue ter uma velocidade maior nos trilhos. Consegue, pela segurança da sinalização, colocar um trem mais próximo do outro, ou seja, ganha eficiência no ecossistema ferroviário”, explica o engenheiro civil formado pela Universidade de São Paulo. Antes de ingressar na Wabtec (há 14 anos), ocupou cargos de liderança e passou por empresas do setor, como América Latina Logística e MRS.

Miyasato reconhece que as renovações das concessões aqueceram os setores de construção e de manutenção de via – fato que deve perdurar por um bom tempo se as autorizações e novos projetos de ferrovia vingarem no país. Isso foi rapidamente interpretado e transformado em ação pela companhia. Há cerca de dois meses, a Wabtec comprou a Super Metal, empresa brasileira de equipamentos de manutenção de via, com mais de 30 anos no mercado ferroviário e com sede em Governador Valadares (MG). A aquisição soma-se à compra da Nordco, companhia norte-americana de máquinas de via, feita em nível global dois anos antes.

Paralelamente a isso, a Wabtec foca no mercado de passageiros. O segmento não é uma novidade, uma vez que a empresa adquiriu, em 2016, a Faiveley Transport, gigante francesa especializada, entre outros, em componentes para trens de passageiros. No Brasil, a Wabtec conseguiu um importante contrato em 2022 para o fornecimento de 2,3 mil portas dos carros de passageiros para os 36 trens que a Alstom está produzindo para as linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda dos trens metropolitanos de São Paulo. Os componentes estão sendo fabricados em Contagem (MG), onde também está localizada a unidade fabril de locomotivas.

Miyasato acredita que o crescimento do segmento de passageiros é uma questão de tempo. “Há uma demanda latente. A pandemia mostrou que é interessante pensar em projetos que reduzam custos de operação. E estamos preparados para isso”, afirma ele, acrescentando que aguarda a concretização de alguns projetos, entre eles, a compra de 44 trens pelo Metrô de São Paulo.

Em meio a essa “maratona”, como o executivo diz, a empresa joga luz sobre seu portfólio sustentável, que vai desde locomotivas 100% a bateria elétrica (FLXdrive), já em produção para ferrovias dos EUA e da Austrália, até máquinas híbridas (a diesel e bateria), que, segundo ele, garantem eficiência e redução na emissão de carbono. “Vamos lançar em breve uma locomotiva híbrida, com atratividade e viabilidade econômica”, adianta.

“O crescimento dos setores de construção e de manutenção foi um dos motivos que fizeram a gente entrar no segmento de via permanente. É um mercado promissor.” Danilo Miyasato – Presidente e Líder Regional para América Latina da Wabtec

Revista Ferroviária – Qual é a avaliação que faz do momento ferroviário no Brasil?
Danilo Miyasato – Minha avaliação é extremamente positiva. Tivemos as renovações das concessões e as autorizações, que são projetos mais a longo prazo. Na parte de carga, estamos posicionados em dois grandes mercados: mineração e agrícola, ambos devem suportar o crescimento ferroviário. Na de passageiros, depois da pandemia começamos a ter uma retomada de crescimento, muitos projetos saindo do papel, não só no Brasil, mas também no Chile. Então, vemos com bastante otimismo o mercado ferroviário.

RF – Após quatro renovações de concessões assinadas, a indústria vive o que se esperava em termos de demanda?
DM – Acho que vem refletindo em volumes, de uma forma geral. Mas há uma volatilidade desse volume, um sobe e desce de demanda que é muito prejudicial para indústria. Esse é um dos motivos também para o movimento que estamos fazendo de diversificar o nosso portfólio, para tentar criar outras áreas de negócio e absorver um pouco essa flutuação.

RF – Você conseguiria nos dar uma dimensão de como as renovações estão se traduzindo em volumes para a empresa?
DM – Antes mesmo de 2020 (quando foi assinada a primeira prorrogação de contrato, da Malha Paulista), algumas concessionárias já estavam fazendo investimentos em material rodante. Por isso, acho que a gente não pode pegar os dados somente a partir de 2020. No segmento de locomotivas conseguimos ver uma linha de crescimento desde 2014 e 2015. Na primeira fase das concessões, o crescimento das ferrovias foi muito pautado em gestão de material rodante, vagões e locomotivas, e agora, na minha visão, o crescimento vai ser bastante pautado em ganhos de eficiência e segurança, como sistemas de sinalização e outras tecnologias, para melhorar a produtividade das ferrovias.

RF – As ferrovias então anteciparam investimentos em material rodante antes de renovarem seus contratos?
DM – Algumas ferrovias anteciparam, ou seja, começaram a fazer a renovação da frota antes da assinatura.

RF – A MRS?
DM – A Rumo também fez uma compra de material rodante. A Vale também foi a mesma coisa. Se observarmos o volume da Vale, já tinham feito antes da renovação. Para o próximo ano ainda estamos em negociações. Eles também ainda não têm essa visibilidade de alguns crescimentos para o ano que vem, mas a gente tem uma gama de contratos de longo prazo e também de curto prazo, para tentar suportar. O volume de 2024 é indefinido ainda, mas temos uma projeção positiva, diferentemente de 2023. A gente acha que os projetos de expansão de algumas concessionárias andarão um pouco de lado, alguns projetos de exportação, principalmente de minério. Esses projetos se concretizando, acho que serão muito importantes para a geração de demanda em 2024 e 2025.

RF – O ano de 2022 foi bom para a Wabtec em termos de encomendas?
DM – Foi praticamente igual a 2021, com volume na ordem de 50 locomotivas. Acredito que em 2023 teremos um volume pouco menor, mas vemos um cenário muito positivo para 2024 e 2025, principalmente em função do crescimento de commodities agrícolas e mineração.

RF – Os setores de construção e manutenção de via estão aquecidos nesse momento pós-renovação. Você acredita que isso pode ser um prenúncio de maior demanda por material rodante num futuro próximo, que dê conta do aumento da capacidade de transporte prometida?
DM – Primeiramente, esse crescimento dos setores de construção e de manutenção foi um dos motivos que fizeram a gente entrar nesse segmento de via permanente. É um mercado promissor. A manutenção da via vai ser um ponto importante, porque nos últimos dez anos o crescimento da ferrovia foi muito focado em material rodante. Agora o setor entra numa fase de produtividade, eficiência e segurança, o que leva em conta uma manutenção mais forte de via. Acredito que ainda vai haver um crescimento de material rodante, mas não tão forte como foi nos últimos dez anos. A ferrovia vem crescendo em volume, em performance, eficiência e segurança. Às vezes, com a mesma base de ativos, ela está transportando mais porque consegue ter uma velocidade maior nos trilhos. Consegue, pela segurança da sinalização, colocar um trem mais próximo do outro, além de tecnologias de suporte à condução das composições aos portos e terminais. Ou seja, está ganhando eficiência no seu ecossistema ferroviário. Mas toda a expansão que estamos vendo em diversos projetos vai, consequentemente, provocar maior necessidade de material rodante, porém numa proporção diferente da que vimos nos últimos dez anos.

RF – E qual vai ser o tamanho dessa demanda? Há alguma estimativa?
DM – O volume de demanda é um dos pontos mais importantes para nós. É um dos motivos que nos faz trabalhar muito próximo do cliente, para tentar conseguir estimar, com maior acuracidade, essa demanda – e poder evitar essa sazonalidade dos últimos anos. De fato, acreditamos que as renovações e autorizações podem trazer um pouco de estabilidade.

RF – Existe um estudo que estime quantas locomotivas podem ser substituídas após atingirem a idade média máxima, fixada em 40 anos nos contratos de concessão?
DM – Esse é um estudo mais complexo, porque normalmente não é uma locomotiva trocando por outra locomotiva. Hoje as máquinas de tração estão muito mais eficientes. Elas puxam muito mais cargas e a variedade de locomotivas antigas ainda é uma gama muito grande. Estamos buscando entender esse parque de frota, quando expira e a melhor maneira de suportar o que chamamos de renovação de frota. Às vezes, uma máquina nova vai fazer o trabalho de duas ou de três antigas. Com a implementação de tecnologia, overhaul, talvez você nem precise trocar a locomotiva. É um trabalho muito customizado e vai de operação para operação. Hoje esse número ainda está em construção, mas a gente acredita que nos próximos anos vai ser uma somatória de renovação de frota aliada com o crescimento e expansão das ferrovias.

RF – Como você observa o movimento do mercado em relação à sustentabilidade?
DM – Acho que nos últimos anos, a redução de emissão de carbono tornou-se um ponto importante. Todas as concessionárias têm suas metas e compromissos e a gente está trabalhando muito próximo para não só apoiar no curto prazo, mas também desenvolver as tecnologias e as iniciativas para o médio e longo prazos. Mas com certeza essa é uma das pautas prioritárias das concessões.

RF – Em relação ao produto, qual é a demanda? As locomotivas a bateria vão chegar com força?
DM – Cada cliente está num estágio e tem com metas específicas. Temos um compromisso com o desenvolvimento e a liderança na descarbonização do mercado ferroviário. Oferecemos diversas soluções, desde locomotivas a bateria, a motores mais eficientes, como o Evolution. Estamos conversando para, em breve, ter uma locomotiva híbrida e também combustíveis alternativos, como gás natural. Estão em desenvolvimento máquinas a hidrogênio e tracionadas com biocombustível. Hoje as nossas locomotivas já são preparadas para biodiesel do blend vigente que está em torno de 10%. Mas, por exemplo, os motores das AC44 já podem chegar a biocombustível de até 25%. Posso dizer que estamos com um portfólio bem amplo, não só na parte de tecnologia de locomotivas, mas também na parte digital. No caso, o Trip Optimizer, que ajuda a reduzir o consumo de combustível em até 10% em algumas rotas. A combinação de tecnologia das locomotivas aliada a sistemas digitais está permitindo que as ferrovias atinjam os patamares necessários de compromisso deles com o mercado.

RF – Há viabilidade para máquinas a bateria no Brasil? Como observa esse mercado?
DM – O mercado de locomotivas a bateria tem esse tripé de preço, eficiência e aumento da produtividade. Precisa de viabilidade econômica. E também viabilidade operacional, que é o ponto mais importante. É preciso garantir que a locomotiva tenha uma operação segura e eficiente. Provamos isso quando lançamos em 2019 a primeira locomotiva de carga FLXdrive, com 2,4 megawatts. Hoje a gente já fala em locomotivas maiores, de 8, 8,5 megawatts e, num futuro próximo, entre 10 e 13 megawatts. Quanto mais bateria, mais economia de combustível, e daí é possível se aproximar um pouco da viabilidade econômica. Mas os estudos ainda estão sendo feitos e são desafiadores para a locomotiva 100% elétrica. E esse é um dos motivos de colocarmos locomotiva híbrida. Estamos em conversas sobre máquinas 100% a bateria elétrica para alguns trechos específicos, mas também estamos fazendo uma variação para que a gente possa atender o mercado de uma forma mais ampla. Vamos lançar em breve uma locomotiva híbrida, com atratividade e viabilidade econômica.

RF – Então no Brasil há uma tendência maior pela locomotiva híbrida?
DM – Cada cliente tem o seu estágio. Então, estamos trabalhando desde de discussões sobre a FLXdrive até a hibridização também de algumas rotas. O mais interessante é que não existe uma bala de prata nessa jornada de sustentabilidade e descarbonização. É um set de soluções que estamos adaptando, porque a gente quer apoiar o cliente no alcance das metas que eles estão colocando ao mercado. Essa é a beleza e a estratégia que estamos suportando para os clientes.

Revista Ferroviária – A FLXdrive já opera comercialmente? Ou ainda está em testes nos EUA?
DM – Fizemos a primeira em 2019. Agora está em fase de produção, provavelmente as primeiras vão ser entregues em 2024, com diferentes variações de potência. Primeira entrega será feita para um cliente da Austrália para ser usada no transporte de minério de ferro.

RF – Quais as características da FLXdrive, em resumo?
DM – É uma locomotiva de bitola larga, mas provavelmente no futuro vai poder ser feita para bitola métrica também, porque a gente vai continuar acompanhando a interligação operacional delas com as locomotivas diesel-elétrica. Não acreditamos que o mercado vai trocar as locomotivas tradicionais pela FLXdrive da noite para o dia. Então, a introdução operacional dessa locomotiva dentro do parque do nosso cliente é um ponto muito importante, porque eu acho que a premissa não é só ser sustentável, reduzir carbono, mas também continuar fazendo com que o cliente produza com o mínimo de interferência em sua operação. Esse é um dos objetivos. Quando projetamos a FLXdrive também temos que pensar na parte operacional e nessa conexão e troca de tecnologia que não vai acontecer do dia para a noite. Vai ser um processo, uma jornada.

RF – E quando você acha que esse tipo de máquina vai chegar no Brasil?
DM – Se depender de mim, no curto prazo. Estamos conversando sobre essa jornada com alguns clientes há mais de quatro anos. Apoiando estudos de aplicações, trem-tipo, em tamanho de locomotiva. Essa conexão com a operação. E a gente está muito otimista que as discussões estão caminhando para uma direção positiva. Por enquanto, temos somente a parte de estudos mais teóricos de aplicação e projetos. Entendemos que a FLXdrive deve estar consolidada, demonstrada.

RF – A Wabtec vem adotando uma estratégia agressiva na aquisição de empresas do setor ferroviário. O que está por trás disso?
DM – Nossa estratégia é tentar continuar sendo líder no segmento de tecnologia ferroviária. Estamos nessa jornada há 150 anos e, de fato, existe um crescimento inorgânico. Em 2016, houve a aquisição da Faiveley Transport na parte de passageiros, em 2019, a compra da GE Transportation. Isso eu acho que é um pouco parte do nosso DNA. O mais importante é que essa jornada vai continuar, desde que faça sentido em relação ao mercado e para toda conexão de crescimento com os nossos clientes.