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Hidrogênio a partir de etanol une iniciativa privada e academia

03.04.2023 | | Notícias do Mercado

Fonte: Valor Econômico
Data: 31/03/2023

Em janeiro de 2013, começaram a chegar ao Brasil os primeiros carros híbridos. Na época, o modelo Prius, que a Toyota trazia do Japão, provocava estranheza no mercado brasileiro. Dez anos depois, chegou a vez do carro a hidrogênio. Agora, a Toyota vai trazer duas unidades do modelo Mirai, movido a hidrogênio e já vendido no Japão. Desta vez, porém, os carros não estarão à venda. Os veículos serão usados em testes num projeto que reúne iniciativa privada e academia em torno da pesquisas do uso do etanol na produção de hidrogênio.

Além da Toyota, a parceria envolve a Universidade de São Paulo, Senai Cetiqt, Shell, Raízen e Hytron, empresa do grupo alemão Neuman & Esser, que trabalha em soluções de energia, com foco em hidrogênio. O projeto será desenvolvido por meio de investimento de R$ 50 milhões da Shell Brasil e financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Um dos trabalhos do projeto será medir as emissões de CO2 na atmosfera, desde o cultivo da cana de açúcar até o consumo do hidrogênio pela chamada célula combustível do veículo. “O objetivo é mostrar que o etanol pode ser vetor para produzir hidrogênio renovável, aproveitando a logística já existente na indústria de etanol”, afirma o gerente de tecnologia de baixo carbono da Shell Brasil, Alexandre Breda.

Testes com hidrogênio envolverão carro da Toyota e ônibus que circula na Cidade Universitária da USP

O carro da Toyota será testado no centro de pesquisas para inovação em gases de efeito estufa da USP, em São Paulo. Além de abastecer o Mirai, o primeiro carro da Toyota a hidrogênio vendido em série no mundo, o hidrogênio obtido a partir de etanol vai abastecer um ônibus que circula na Cidade Universitária, onde o centro de pesquisa está instalado desde 2015.

“Com fontes de energia renováveis, o Brasil tem um potencial gigantesco. Teremos o nosso Mirai abastecido com hidrogênio produzido de uma fonte 100% renovável como o etanol”, destaca o presidente da Toyota do Brasil, Rafael Chang.

O hidrogênio renovável será produzido com o etanol fornecido pela Raízen. Já a tecnologia será desenvolvida pela Hytron, uma empresa do interior de São Paulo que hoje pertence ao grupo alemão NEA. O projeto terá suporte do Instituto Senai de inovação em biossintéticos e fibras.

O carro movido a hidrogênio é uma das principais apostas da indústria automobilística global no processo de eletrificação e descarbonização do transporte. Por isso, projetos que envolvem o uso do hidrogênio têm sido objeto de intensas pesquisas nas montadoras em todo o mundo.

Um carro movido a hidrogênio é essencialmente um elétrico. A diferença em relação a um elétrico convencional é que não usa carga externa. Funciona por meio de uma reação química entre hidrogênio e oxigênio. O hidrogênio é armazenado em tanques enquanto o oxigênio vem de fora do carro. A mistura causa uma reação química, liberando energia. Transformada em eletricidade, essa energia carrega a bateria que alimenta o motor elétrico.

Segundo informações da Toyota, o resultado desse processo é um automóvel 100% livre de CO2, com autonomia próxima de 600 quilômetros. Mas o escapamento do carro movido a hidrogênio é a melhor notícia para o meio ambiente: emite apenas vapor d’água.

Ao contrário do que acontece com o chamado hidrogênio “cinza”, produzido a partir da queima de combustíveis fósseis, principalmente gás natural, o etanol é uma forma de o Brasil ganhar relevância na produção do hidrogênio verde.

Enquanto o carro movido a hidrogênio verde ainda passa pela fase de desenvolvimento e testes, Chang mantém posição favorável ao híbrido a etanol. “Com forte vocação para biocombustíveis, o Brasil tem uma opção pronta para o período de transição para uma futura agenda neutra em carbono”, destaca.

Para o executivo, o mundo não pode se basear na eletrificação total como solução única. “Temos diversas alternativas; o nosso inimigo é o CO2 ”, destaca.

A Toyota faz parte do grupo de montadoras que defende a produção de híbridos no Brasil enquanto outra parte do setor é favorável à eletrificação total. O híbrido é um carro com dois motores – um a combustão e outro elétrico. Ambos se alternam dependendo do uso do veículo. Ao mesmo tempo, o motor a combustão ajuda a carregar o elétrico.

A Toyota foi a primeira montadora a desenvolver e produzir no Brasil um híbrido a etanol, o sedã Corolla, em 2019. Desde então, já vendeu 55 mil híbridos no mercado brasileiro. Mas a produção já somou 100 mil unidades, incluindo exportação. Em 2022, os modelos híbridos representaram 20% da produção da empresa no Brasil. Das vendas no mercado interno, 10% foram de carros que funcionam com um motor a combustão e outro elétrico.

Com o lançamento do utilitário esportivo Corolla Cross também na versão híbrida, em 2021, as exportações da montadora a partir do Brasil ganharam força. Hoje, diz Chang, o mercado externo (principalmente a América Latina) absorve 35% da produção de veículos das duas fábricas da Toyota no país – Sorocaba e Indaiatuba, ambas no interior de São Paulo.

A polêmica na comunidade automotiva em torno dos caminhos que o Brasil deve seguir nessa área – hibridização ou eletrificação total – estão longe de terminar. Mas Chang aposta que o custo e a infraestrutura vão falar mais alto.

Quanto à infraestrutura, o executivo diz: “No Brasil, é possível abastecer com etanol em qualquer posto do país”. Já em relação ao custo dos veículos, ele acredita ter fortes argumentos. Segundo o executivo, enquanto a produção de um modelo híbrido representa custo adicional em torno de 5% na comparação com um veículo similar a combustão, a de um carro 100% elétrico chega ao dobro.

Chang, um peruano descedente de chineses, tem organizado informações para detalhar seus argumentos e levá-los a quem pode tomar decisões em relação a políticas públicas voltadas a veículos menos poluentes.

“Estamos levando os dados ao governo e explicando as vantagens. Acreditamos que cada tipo de energia terá seu papel”, afirma. “Todas as propostas para descarbonização são muito bem-vindas. Mas precisamos pensar na escala de produção e no processo de nacionalização dos componentes”, completa.

O carro a hidrogênio poderá, algum dia, ser produzido no Brasil? “Nós estamos olhando o futuro. Quando começamos a importar o híbrido Prius ninguém imaginava que algum dia poderíamos produzir um veículo assim no Brasil”, afirma Chang.